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Observatório na Mídia

19/07/2013 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Análise

por: Ramón Peña, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

A falsidade de se atribuir a queda do investimento privado à suposta rigidez do mercado de trabalho

Pesquisador discute reportagem que 'denuncia' a dificuldade se demitir trabalhadores na Venezuela, por conta da regulação governamental, como entrave ao desenvolvimento das empresas.

"Empresas fecham, mas não conseguem demitir na Venezuela”, assim começa a alarmante nota da Bloomberg (agência financeira USAmericana), reproduzida no jornal  “Valor Econômico” em 12/07/2013.

A paradoxal conclusão que se desprende dessa inapelável sentença é que a livre demissão de trabalhadores é condição essencial para a sobrevivência das empresas e para a sua virtuosa capacidade empregadora. Trata-se de uma opinião ideológica, elevada a dogma universal pelo dominante credo neoliberal, que pretende nos vender como “verdades” absolutas e inapeláveis alguns fenômenos localizados. Com um pequeno esforço de análise econômica critica (i.é. cientifico), resulta fácil demonstrar e documentar a ausência de base empirica desse dogma. Vejamos alguns dados.

Que a existência de proteção social do trabalhador venezuelano (que os neoliberais denominam “rigidez do mercado de trabalho”) não é causa da “greve” de investimentos empresariais, ou como diz o assessor de uma entidade patronal venezuelana (citada no texto comentado), “um obstáculo aos investimentos em um país que já tem as mais restritivas práticas de contratação e demissão do mundo”, é algo que podemos  demonstrar claramente no exemplo europeu. Os países europeus com maior proteção social são os que apresentam melhor desempenho econômico e menor desemprego (Suecia, Noruega, Dinamarca, Finlandia e Islandia). Por contra, aqueles estados mais hipotecados à grande finança globalizada, os que aplicam da forma mais servil e  radical as receitas antissociais da chamada “Troika” (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, os braços armados do imperialismo financeiro), procedendo a liberalização plena dos seus mercados de trabalho e o desmanche de toda proteção social são, precisamente, os que apresentam os maiores níveis de desemprego e precarização. Níveis esses hoje agravados por uma inusitada expansão da pobreza extrema (Grecia, Espanha, Portugal e Italia). Para comprovar esta afirmação, basta prestar uma mínima atenção aos tediosos noticiários difundidos diariamente pela TV e demais meios de difussão massiva.

Ninguém pode negar que na Venezuela bolivariana há múltiplas e variadas contradições econômico-políticas e socioculturais. Entre os econômicos, cabe atentar para: 1) aumento da elevada inflação ( 39,5% taxa anualizada de junho de 2013 contra 21,3% em junio de 2012); 2) preocupante desaceleração do PIB, nos  dois últimos anos,  contrariando a sua forte elevação no período 2004/2010. Importa salientar que esses dos indicadores negativos têm uma base política comum: a “guerra monetária”. Tal guerra significa que setores privados, nacionais e estrangeiros, conseguem lucrar muito com a brecha existente entre o cambio oficial (6,3 bolivares por dólar) e o paralelo (mais de 30), ao mesmo tempo que desenvolvem uma furiosa pressão mediática para forçar novas devaluações.

Na Venezuela, 98% das divisas são geradas pelo setor petroleiro estatal, enquanto o empresariado privado gera apenas 2% da receita exportadora. Em 2003, a por cada 3 dólares que a burguesia local importava dos EUA, exportava um dólar. Em 2011, essa desproporção disparou para 20/1. Isso denota uma dramática deterioração da situação produtiva do país e a presença de uma burguesia comercial de estirpe neocolonial que se sustenta exclusivamente na especulação ou guerra cambial.

A nacionalização do comércio exterior, através de uma agência estatal de gerenciamento do comércio exterior, aparece, assim, como um dos desafios mais urgentes que o novo governo tem para vencer a “guerra cambiária”, derrotando a estratégia desestabilizadora da direita empresarial que está gerando um quadro econômico de estagflação (estagnação com inflação). Junto a isso, o governo bolivariano tem que resolver graves problemas de abastecimento, geradores de descontentamento popular, habilmente explorado pela grande midia para fortalecer a oposição que procura deseperadamente desestabilizar a governo. Com esse objetivo, continuam ignorando o resultado da recente eleição do Presidente Maduro e tentam aglutinar as frações opositoras para reconquistar o poder mediante um golpe militar. A vizinha Colômbia lhes serve de plataforma logística, mas o comando principal está, como sempre, no Imperio do Norte. Recentemente foram capturados vários elementos paramilitares em áreas fronterizas e perto de Caracas. Tudo isto demonstra que a opção golpista continua sendo prioritária para os inemigos do bolivarismo.

O governo Maduro está conseguindo superar uma série de dificuldades, o que contribuiu para reforçar seu nível de governabilidade, impulsionando importantes ações contra a corrupção e inseguridade. Contudo, nas próprias fileiras chavistas se deixam ouvir críticas, por exemplo, contra a corrupção de “colarinho branco”, contra a forma de negociar a “normalização” das relações com EUA, contra a “imerecida  aproximação” a governos ultraconservadores europeus e contra os “excessivos” elogios ao novo soberano do Vaticano.    

Em síntese, a Venezuela bolivariana e seu PSUV continuam em estado  efervescente. Por isso, suas vicissitudes continuam tendo grande peso no destino histórico desta parcela, particularmente dinâmica, do conturbado mundo.

Empresas fecham, mas não conseguem demitir na Venezuela

Jean Salero levanta-se de madrugada a tempo de bater o ponto em seu turno de trabalho em uma fábrica, fechada, de cerveja da marca brasileira Brahma, na cidade venezuelana de Barquisimeto. Após oito horas conferindo válvulas e anotando as temperaturas de máquinas inativas, ele bate o ponto de saída para ganhar um salário mensal de 4.700 bolívares (US$ 746, pelo câmbio oficial).

Este ex-supervisor está entre os 220 trabalhadores que continuam recebendo salário na fábrica que produzia a cerveja até a controladora belgo-brasileira InBev, a maior fabricante de cerveja do mundo, suspender a produção há quatro meses.

Salero continua com o emprego por causa de uma lei trabalhista de 2012 que obriga as empresas a obter permissão do governo para demitir qualquer funcionário. O Estado ainda não aprovou nenhuma demissão, diz Aurelio Concheso, diretor da comissão de trabalho da entidade empresarial venezuelana Fedecámaras. Trata-se de um obstáculo aos investimentos em um país que já tem as mais restritivas práticas de contratação e demissão do mundo, segundo classificação do Fórum Econômico Global, de Genebra, na Suíça.

Anatoly Kurmanaev e Corina Pons, Valor Econômico, 12/07/2013
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