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Observatório na Mídia

13/08/2013 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Análise

por: Carolina Vianna Dantas, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz

A África como novo eldorado para empresários brasileiros: abundância, lucro e desenvolvimento para quem e a que custos?

A matéria faz alusão à (suposta) mudança no imaginário dos empresários brasileiros sobre a África: de lugar permeado por “conflitos sangrentos e fome extrema” a uma terra de grandes oportunidades de negócios. A necessidade de infraestrutura conjugada a um grande mercado consumidor seriam os dois grandes atrativos para pequenas e médias empresas brasileiras, que têm atuado na esteira da presença, ou na “cadeia de valores”, das grandes corporações nacionais (como Odebrecht, Vale, Petrobrás, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa) e nas brechas deixadas pelos europeus e chineses. As cifras da expansão da “corrente comercial” entre o Brasil e a África de 2003 a 2012 divulgadas pelo Ministério do Planejamento são altas, assim como o lucro, por exemplo, do empresário Paulo Hegg, obtido com o plantio do algodão no Sudão. Ambas fruto da “política de aproximação adotada pelo governo brasileiro”.

Ao assumir o ponto de vista do empresariado brasileiro em busca de lucrativos negócios e naturalizar a ideia da África como uma terra promissora a ser desbravada, a matéria silencia a respeito do que trabalhadores urbanos, agricultores, ativistas e a sociedade civil de vários países africanos pensam, não só sobre essa expansão do empreendedorismo empresarial brasileiro, mas sobre o modelo de desenvolvimento que ela traz a reboque.

De modo geral, especialistas no tema identificam no Brasil duas posições acerca dessa presença recente do país na África: os que veem o Brasil como um país parceiro com similaridades culturais, históricas e geográficas e, que, de modo horizontal, tem buscado ajudar os países africanos; e os que identificam essa “política de aproximação” como uma tomada de posição imperialista e disposta a conquistar um espaço estratégico na disputa internacional por recursos energéticos, minerais e agrícolas. Logo, estaria voltada para a exploração predatória dos recursos naturais ali descobertos com impactos sociais e ambientais danosos para a maior parte das populações locais e enriquecimento de uma minoria. Mas, de um extremo ao outro, as vozes das populações locais africanas diretamente envolvidas nesses empreendimentos e negócios emergentes raramente são ouvidas.

Recentemente, pudemos ouvir ao menos parte dessas vozes por meio da “Carta aberta das organizações de Moçambique frente ao Pró-Savana”. Nela, mais de 60 organizações e movimentos sociais moçambicanos e de outros países, incluindo o Brasil, protestam contra a falta de informação, transparência e participação popular deste Programa, que tem como meta o desenvolvimento do modelo de agricultura do cerrado brasileiro nas savanas moçambicanas. Mas não só isso. Protestam contra a ameaça de desapropriação de pequenos agricultores de suas terras e de desestruturação da agricultura familiar, entre outras coisas.

Depois de três séculos de escravidão, cabe perguntar se esse “retorno” do Brasil à África do qual fala a matéria do jornal O Estado de S. Paulo, está mais para a “maldição da abundância” ou para o pagamento pelo Brasil de uma dívida moral e histórica com a África. Explico. “Maldição da abundância” é expressão utilizada por Boaventura de Souza Santos para nomear os riscos que os países pobres correm quando recursos naturais valorizados internacionalmente são descobertos em seus territórios, e o padrão de desenvolvimento econômico, político, social e cultural passa a ser determinado pela sua exploração. Os riscos vão desde a elevação do PIB sem distribuição de renda e desenvolvimento social, corrupção da classe política e aumento da desigualdade social até a destruição ambiental e a busca da eliminação de ideias e práticas dissidentes da sociedade civil, que passam a ser vistas como entraves ao progresso e ao desenvolvimento. Abundância, lucro e desenvolvimento para quem e a que custos?

Pequenos negócios descobrem a África

A África, que durante anos permeou o imaginário das pessoas com conflitos sangrentos e fome extrema, começa a despertar outro tipo de sentimento: o da oportunidade. Com países inteiros a se construir e um mercado consumidor composto por 326 milhões de representantes da classe média, o continente tornou-se alvo das pequenas e médias empresas brasileiras.

São negócios que aproveitam a presença das grandes corporações nacionais já estabelecidas na região, e de algumas coincidências culturais e geográficas, para conquistar espaços entre as lacunas deixadas pela concorrência europeia e a marcha chinesa, sobretudo nos segmentos do agronegócio, da construção e da infraestrutura.

Renato Jakitas, O Estado de S. Paulo, 06/08/2013)
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