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Observatório na Mídia

09/09/2016 14h31 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Análise

por: Ialê Falleiros (professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz) e Leonardo Mattos (professor-substituto da UFRJ)

Planos de Saúde Popular ou os Caça-Níqueis da Saúde

O que se está chamando de “Plano de Saúde Popular” não é novidade na história do SUS. O ataque às diretrizes constitucionais no âmbito da saúde vem sendo reeditado em contextos de crise econômica, em que o capital pede socorro às finanças públicas e o pressiona para redução orçamentária nas áreas sociais.

Em 2001, nos estertores do governo FHC, também foi proposta alteração do princípio da gratuidade do SUS e abertura de um plano privado de baixo custo, gerido pelo poder público, voltado para a classe média baixa, para desafogar as filas do SUS nos grandes centros urbanos. A Medida Provisória (MP) chegou a ser assinada pelo então presidente, com apoio dos empresários da saúde reunidos na recém-criada Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas a queda de braços pendeu para as forças de oposição, organizadas em torno do Conselho Nacional de Saúde e do hoje extinto Fórum Nacional de Acompanhamento da Regulamentação dos Planos de Saúde, que reuniu 180 entidades da sociedade civil, e a medida conseguiu ser vetada.

Ainda naquele contexto, forças contrárias à mercantilização da saúde, apoiadas na prerrogativa constitucional do controle estatal sobre o setor privado na área, conseguiram derrubar a MP 2177-43/2001 sobre os planos e seguros de saúde, que propunha subsegmentação, legalização de coberturas regionalizadas e criação de barreiras de acesso ao atendimento de especialidades médicas.

Vale registrar, igualmente, a resistência organizada de movimentos contrários à instituição das Organizações Sociais na Saúde (OSS) e vinculações mais diretas aos interesses dos planos de saúde. Uma de suas expressões foi a mobilização que resultou no impedimento provisório, pelo Ministério Público, da lei complementar n. 1.131/2010 (PLC 45/2010), que permitiria direcionar 25% de leitos e outros serviços hospitalares para os planos privados de saúde, abrangendo 26 hospitais de São Paulo com contrato de gestão com OSS no estado. Registra-se, finalmente, o posicionamento contrário do Conselho Nacional de Saúde “à Lei Complementar nº 1.131/2010, ao Decreto nº 57.108/2011 e à Resolução nº 81/2011, do governo do mesmo estado, que permitiriam direcionar até 25% dos leitos e outros serviços hospitalares do SUS com contrato de gestão com OSS, para atendimento a ‘pacientes particulares ou usuários de planos de saúde privados’” (CNS, Resolução n. 445/2011).

Durante os governos petistas, as forças empresariais foram beneficiadas pelo crescimento econômico, redução do desemprego e principalmente por uma série de políticas públicas de incentivo ao setor. Atuantes na arena política da saúde, estas vêm elevando seu grau de organização, assentando-se em propostas que de modo meramente retórico vinculam qualidade e eficiência dos serviços prestados à lógica administrativa empresarial. Na prática, tais propostas consistem na abertura, patrocinada pelo Estado através das políticas de saúde, de novos horizontes para a reprodução e a acumulação do capital, além da revisão inevitável, pelo próprio conteúdo das propostas, de princípios constitucionais como a universalidade e a integralidade.

No contexto do golpe, as entidades empresariais e corporativas que apoiaram o processo de impeachment buscam espaço no governo ilegítimo para implementação radicalizada dessa “nova” agenda para a saúde pública. Porém, apesar de ter tido campanha financiada por planos de saúde, o ministro Ricardo Barros foi indicado por Temer não como representante direto das empresas, mas dentro do quinhão de seu partido (PP) no grande balcão de negócios que se instaurou na busca dos votos pela aprovação do processo impeachment.

Na luta por sua sobrevivência no cargo, o ministro aposta todas as suas fichas nos planos populares, anunciados em julho deste ano, como forma de seduzir os empresários. No bojo de sua proposta, já anunciou que pretende reduzir o controle da ANS sobre a qualidade dos planos de saúde, permitindo a redução das coberturas e a criação de barreiras de acesso. Formas de aliviar a pressão de ações judiciais sobre os planos de saúde para garantia de atendimento também estão em debate. Todas estas, demandas antigas do setor, que alega ter perdido clientes com a crise econômica e desemprego crescente que assolam o país.
O alvo do ministro fica novamente claro quando em agosto, cria um grupo de trabalho para elaborar uma proposta concreta composto por representantes do Ministério da Saúde, da ANS e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, excluindo toda a sociedade do debate.

Todavia, sua permanência é questionada não apenas pelos defensores do direito universal à saúde.  Além de sua clara inabilidade política e desconhecimento da área, para os empresários pairam dúvidas se de fato os planos populares poderiam “salvar” o setor.  Já as entidades médicas, também apoiadoras do golpe, se sentem preteridas em função da manutenção do Mais Médicos e de sua exclusão dos debates a respeito dos planos populares.

Independentemente do desfecho desta disputa e de quem terá mais habilidade para conduzir interesses escusos no Ministério da Saúde, é fácil constatar que ataques frontais ao direito à saúde estão apenas começando.Caça-níqueis, os planos de saúde populares são um grande engodo na medida em que jamais entregarão o que prometem. Com cobertura abaixo do mínimo estipulado em lei, apenas para consultas e exames simples, os potenciais usuários continuarão a utilizar o SUS para procedimentos de média e alta complexidade. Só uma nova mobilização de caráter popular será capaz de conter o desserviço público proposto pelo ministro e pelas empresas, que, sequer, darão conta de prestar um bom serviço, como, aliás, é o caso das atualmente vigentes, que representam 1/3 de todas as queixas registradas no Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC). Vamos à luta!

 

Ialê Falleiros é professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz e Leonardo Mattos é professor da ENSP/Fopcriz. Ambos são membros do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento da Saúde (GPDES) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ)

Plano de saúde popular já agrada as operadoras

Anunciado há dois meses pelo ministro da saúde, Ricardo Barros, em meio a muitas críticas, o plano de saúde popular começa a ganhar apoio do setor. Representantes de operadoras como Amil, Hapvida, São Francisco, Samp e Clinipam acreditam que a redução de preço é o único caminho para tornar o convênio médico acessível à população e, com isso, retomar o crescimento do setor, que acumula uma perda de 2 milhões de usuários no último ano e meio. 

"Ainda não há uma proposta pronta para o plano de saúde acessível. Estamos conversando com 20 entidades para ver as demandas da população e do setor", disse o ministro da saúde, durante evento organizado pela Abramge, associação do setor na sextafeira. A primeira reunião do grupo de trabalho criado para debater o assunto ocorreu na semana passada e a próxima será dia 14.

"Se aprovado, o plano de saúde popular será transformador para o setor", disse Lício Cintra, presidente do Grupo São Francisco.

Além da redução do rol de procedimentos médicos obrigatórios hoje vigentes medida que exige mudança na legislação e que foi defendida pelo ministro a fim de evitar uma onda de ações judiciais , outras sugestões estão sendo aventadas pelas operadoras. Entre elas estão a criação de um convênio médico que tenha cobertura só para consultas e exames ouexclusivamente para internação hospitalar. O custo de um plano de saúde sem direito à internação pode ser 30% inferior, enquanto uma modalidade de convênio que tenha apenas atendimento hospitalar pode ser 40% mais barata, segundo cálculos feitos por Cadri Massuda, direto rexecutivo da Clinipam, operadora do Paraná.

Nos casos de planos de saúde sem direito à internação, o procedimento hospitalar seria realizado no SUS. Uma das ideias de Marcelo Pio, diretor da Samp, plano de saúde do Espírito Santo, é incluir um pagamento fixo por usuário para o SUS para cobrir possíveis gastos com internação. Já os presidentes da Amil e Hapvida, Sérgio Ricardo Santos e Jorge Pinheiro, respectivamente, bateram na tecla de que é possível reduzir os custos do convênio médico mantendo o atual rol de procedimentos. No entanto, eles alegam que será preciso acabar com a judicialização e processos burocráticos que as operadoras têm na ANS. "A despesa da judicialização impacta no preço final do plano", disse Santos. No ano passado, as operadoras desembolsaram R$ 1,2 bilhão em ações judiciais perdidas. Deste valor, R$ 320 milhões referem se a procedimentos que não constam no rol da ANS, segundo levantamento da Abramge.
Segundo o presidente da Hapvida, a desburocratização nos processos na ANS pode diminuir o custo do convênio em 10%.

Uma dessas burocracias citadas por Pinheiro é o ressarcimento que as operadoras são obrigadas a fazer ao SUS quando um de seus usuários usa a rede pública de saúde. "Esse ressarcimento SUS na verdade é uma tabela indenizatória. Além disso, não somos comunicados quando um de nossos usuários chega à rede pública para pedirmos que eles sejam encaminhados a um de nossos hospitais", disse o presidente da Hapvida. Segundo Pinheiro, para que houvesse uma redução de cerca de 50% no custo do convênio médico seria necessário reduzir a judicialização, oferecer planos de saúde regionais, com coparticipação e redução no rol de procedimentos.

Beth Koike, Jornal Valor Econômico 05/09/2016
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