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Observatório na Mídia

20/12/2013 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Análise

por: Marco Antônio Santos, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz

O fracasso do empresariamento da educação na Suécia.

O jornal Valor Econômico, em 11/12/13, publicou matéria com o título acima assinada por Niklas Pollard (Reuters, de Estocolmo). O texto expõe a crise desencadeada pela falência de uma das maiores empresas privadas de educação no país, o que levou a uma reavaliação dos rumos da reforma educacional implantada duas décadas atrás. A falência da JB Education deixou desempregadas quase mil pessoas, cerca de 150 milhões de dólares em dívidas e 11 mil alunos sem escolas. Como efeito da reforma, hoje 25% dos alunos do ensino médio frequentam escolas financiadas com recursos públicos e administradas pela iniciativa privada, autorizadas a auferir lucros com a atividade. O fracasso da reforma não se limita, no entanto, à falência ou ao risco de insolvência das escolas administradas pela iniciativa privada (25% superior à média das empresas suecas), mas estende-se aos resultados educacionais. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, nas iniciais em inglês) da OCDE aponta dificuldades dos alunos de 15 anos em compreender textos básicos e baixa classificação em Matemática.

O balanço apresentado por Pollard denuncia as consequências da permissividade regulatória implantada que tornou, segundo a diretora do maior sindicato de professores da Suécia, “mais fácil abrir uma escola independente do que uma barraca de cachorro-quente”. Práticas como bônus por desempenho levaram a pressões sobre os professores para que dessem notas mais altas. Tal política não foi implantada, no entanto, apenas com o apoio do centro e da direita. Diante da crise, o Partido Verde, oposicionista, recuou e pediu publicamente desculpas por ter defendido a gestão privada das escolas.

A transformação da educação em mercadoria, gerida, portanto, pelas regras do mercado, implica riscos há muito percebidos, de modo que a crise sueca não deveria surpreender ninguém. Durante a ditadura civil-militar brasileira, o Parecer 780/79 do conselheiro Caio Tácito do Conselho Federal de Educação afirmava que “tornou-se tradicional, na jurisprudência do Conselho, a afirmativa de que a atividade educacional deve ser, necessariamente, uma atividade não lucrativa. É certamente razoável, a concepção de que a educação e a cultura não são artigos de comércio”. Posteriormente a onda neoliberal tornou obsoleto tal entendimento, mas, mesmo assim, o Reino Unido, que adotou vários aspectos do sistema sueco, não permitiu que escolas custeadas com recursos públicos pudessem visar ao lucro. O país que constituiu-se num dos principais baluartes do neoliberalismo considerou que algum limite precisava ser colocado ao absolutismo do mercado. Afinal, Adam Smith, um ilustre escocês, autor de um dos maiores clássicos do pensamento econômico liberal, A riqueza das nações, já escrevera no século XVIII um trecho muito ilustrativo a respeito da lógica do mercado: “o interesse particular daqueles que exploram um ramo de comércio ou da manufatura é, em certo sentido, sempre diferente do [interesse] público e, frequentemente, até mesmo contraposto a ele de maneira hostil”.

A reportagem de Pollard se encerra comentando as declarações do Ministro da Educação, um político de centro-direita, que considera agora que empresas como as que geriram a educação na Suécia deveriam ser vetadas como controladoras de empresas de assistência médica. O descalabro não se limita, portanto, à educação, mas atinge a saúde. Deve ser realmente assustador viver em um país que põe em risco a educação de crianças e jovens e entrega recursos públicos para enriquecer empresas privadas.

Suécia revê atuação de empresas na educação

Quando uma das maiores empresas privadas de educação faliu, alguns meses atrás, deixou 11 mil alunos a ver navios e fez com que o governo da Suécia repensasse sua reforma pioneira da  educação pública, aos moldes do mercado.Niklas Pollard

Niklas Pollard, Valor Econômico, 11/12/2013
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