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A Educação e a Saúde no novo PAC

Especialistas avaliam que real impacto do Programa de Aceleração do Crescimento não está dissociado do novo Arcabouço Fiscal e do pacto federativo
Paulo Schueler - EPSJV/Fiocruz | 05/09/2023 11h32 - Atualizado em 06/09/2023 14h14

O Governo Federal lançou o “Novo PAC Desenvolvimento e Sustentabilidade”, retomada do Programa de Aceleração do Crescimento que prevê R$ 1,7 trilhão de investimentos, dos quais R$ 371 bilhões do Orçamento Geral da União e o restante por meio de parcerias público-privadas ou concessões. O novo PAC está organizado em nove eixos, incluindo Saúde; Educação, Ciência e Tecnologia; dentre outros. O eixo Saúde tem R$ 30,5 bilhões previstos em investimento, e o Educação, Ciência e Tecnologia R$ 45 bilhões, os dois provenientes do Orçamento Geral da União.

Dentre os investimentos em Saúde destacam-se a construção de novas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), policlínicas, maternidades e compra de ambulâncias para melhorar o acesso ao serviço SAMU 192. O novo PAC prevê também investimentos no Complexo Industrial da Saúde, incluindo a construção no novo Centro de Processamento Final em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz; e no parque fabril da Hemobrás, para elevar a oferta de vacinas e hemoderivados. Outro segmento tratado como estratégico pelo Governo Federal, e que recebeu destaque no anúncio do programa, foi o de Telessaúde, com previsão de aumento da eficiência em todos os níveis de atendimento à população.

Em Educação, Ciência e Tecnologia, foram destacados os projetos de construção de creches, a ampliação da oferta de vagas em escolas de tempo integral e a modernização e expansão de institutos e universidades federais. Dentre as metas previstas estão a alfabetização na idade adequada e o combate à evasão escolar.

Como parte do Programa, a partir de setembro de 2023, está previsto o lançamento de editais, pelo Governo Federal, para as obras de UBSs, policlínicas e maternidades, no eixo Saúde; e de creches e escolas, além de aquisição de ônibus escolares, no eixo Educação.

Retomada e conclusão de seis mil obras em escolas

Dentro do eixo Educação, a Educação Básica ficará com a maior parte dos recursos (R$ 26,4 bilhões), destinados à retomada e conclusão de cerca de seis mil obras em creches, escolas, quadras e cobertura de quadras, a construção de 2,5 mil creches e escolas de educação infantil, de 1,25 mil escolas em tempo integral e aquisição de três mil automóveis de transporte escolar.

Para a Educação Profissional e Tecnológica, o programa prevê investimentos de R$ 3,9 bilhões na instalação de novos campi e conclusão de obras nos Institutos Federais, "para garantir a permanência dos estudantes e a expansão da rede do ensino profissional e tecnológico, priorizando locais sem cobertura de educação pública". Os investimentos serão prioritariamente destinados a fomentar a interiorização da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica a fim de "criar condições para que o ensino médio e técnico, de forma integrada, sejam ferramentas para gerar desenvolvimento social, fortalecendo arranjos sociais e cadeias de produção local".

Dos R$ 4,5 bilhões de investimentos previstos para a Educação Superior, um terço (R$ 1,5 bilhão) serão destinados a 37 ações de retomada, conclusão e novas obras da rede de hospitais universitários federais.

“Dinheiro para investimento em educação sempre é bem-vindo, pois eles desabaram nos últimos anos. Quando se olha o SIOPE (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação), os gastos com investimento quase zeraram; só temos custeio”, diz o professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), José Marcelino de Rezende Pinto.

Mas ele destaca que a maior parte dos projetos é de retomada de antigas obras. “Até onde foi possível acompanhar, na área de Educação e C&T 98% das obras indicadas são projetos retomados. O lado bom é que impede os conhecidos esqueletos, como os do Pró-Infância (creches e pré-escolas) e dos campi universitários que se espalham pelo país. O lado negativo é que boa parte dessas obras não passaram pelo crivo de um diagnóstico de prioridades e avaliação de necessidades. No caso do Pró-Infância, em que há uma necessidade urgente de escolas, muitos dos projetos foram feitos com materiais inadequados e, na Educação, o caro não é o prédio escolar, mas sua manutenção, assim como na Saúde”, comenta o professor.

Em Inovação e Pesquisa, destacam-se as 41 obras da Embrapa em equipamentos regionais para pesquisa agropecuária, além do Órion, laboratório que será construído em Campinas (SP) com nível 4 de biossegurança (NB-4), o máximo em contenção e que permitirá ao Brasil a manipulação de patógenos vivos de alta periculosidade, com ganhos de rapidez e escala na preparação de respostas a perigos sanitários.

Conclusão de 3,6 mil unidades básicas de saúde

O novo PAC prevê a construção de três mil novas UBSs, além de retomar e concluir obras em outras 600, com prioridade na superação dos vazios assistenciais. Há também a previsão de ofertar 360 Unidades Odontológicas Móveis em Atenção Primária - que receberá R$ 7,4 bilhões em investimentos. Também está prevista a instalação de 52 novos núcleos de Telessaúde, além da aquisição de três mil equipamentos multimidia para essa modalidade de atendimento à população.

Para melhorar a Preparação para Emergências Sanitárias e a capacidade de resposta do Brasil às mesmas, além da já citada construção do Orion, serão investidos R$ 217 milhões na aquisição de equipamentos para os laboratórios de saúde pública e outros R$ 40 milhões para o Centro de Inteligência Genômica (CIGEN).

O Complexo Industrial da Saúde receberá R$ 8,7 bilhões, a maior parte (R$ 6 bilhões, 69% da quantia) para a "seleção de instituições para fortalecimento da cadeia de produção de imunobiológicos, fármacos e equipamentos". Do restante, R$ 2 bilhões serão para a nova planta industrial da Fiocruz e R$ 900 milhões para a Hemobrás.

A Atenção Especializada receberá R$ 13,8 bilhões em investimento, dos quais R$ 7,8 bilhões na construção de 150 maternidades e R$ 2,5 bilhões na construção e ampliação de 17 hospitais estaduais e federais. Outro destaque é a construção de 200 Centros de Atenção Psicossocial.

Regressão fiscal pode limitar execução do Programa

É recorrente, ao longo da exposição do novo PAC, o aviso de que a previsão de investimentos e de números de equipamentos públicos previstos “depende de confirmação de interesse dos municípios envolvidos”. Isto se deve ao fato de que, para além da conclusão de uma obra – seja ela nova ou inacabada –, para que uma UBS ou escola esteja efetivamente disponível ao uso da população será necessário que tais entes da Federação façam a contratação de pessoal e a aquisição de equipamentos e insumos.

Além disso, o investimento federal constante no Programa em Saúde e Educação é proveniente do Orçamento da União e, portanto, está limitado pelo novo arcabouço fiscal, que passou a vigorar em substituição ao Teto de Gastos da Emenda Constitucional 95 (EC 95). De acordo com estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, no período entre 2018 e 2022, o Teto de Gastos suprimiu R$ 45,1 bilhões da Saúde e R$ 7,2 bilhões da Educação, em análise mais conservadora. O Conselho Nacional da Saúde, por exemplo, calcula as perdas da Saúde em cerca de R$ 70 bilhões no mesmo período.

José Marcelino encara o novo arcabouço como um avanço diante do quadro anterior e comemora a retirada do Fundeb de seu escopo. “O novo arcabouço é um avanço frente à situação anterior do Teto dos Gastos, no que se refere à Educação e Saúde, pois voltou a vinculação constitucional para essas duas áreas e, no caso da Educação, há preservação dos recursos do Fundeb, uma vez que 70% da complementação federal ao fundo advém de recursos além dos 18% da vinculação”, destaca ele.

Coordenador da proposta de uma Nova Política de Financiamento para o Sistema Único de Saúde (SUS), lançada em agosto, o vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Francisco Funcia, chama a atenção para a tentativa de segmentos do Congresso Nacional, em articulação com alguns integrantes da equipe econômica do Governo Federal, de “jogarem balões de ensaio” contra a regra dos pisos constitucionais de aplicação mínima de 15% da receita corrente líquida para a Saúde e 18% para a Educação após a aprovação no novo arcabouço fiscal. A ideia desses setores é retirar esses pisos e transformá-los em lei complementar.

“O novo arcabouço fiscal está invisível, a discussão de seu impacto para a Saúde não apareceu até o momento. Nós precisamos colocar luz nessa questão e mantermos a garantia do piso constitucional contra estes balões de ensaio que jogam na desregulamentação”, afirmou Funcia. De acordo com ele, a partir dessa garantia mínima, o PAC precisa ser encarado como o início da retomada de investimentos públicos a partir daquilo que estava paralisado. “A volta de investimentos, que há muito tempo não eram priorizados pelo Governo Federal, para o Sistema Único de Saúde é importante para a saúde e vai contribuir para a retomada do dinamismo na economia”, ressalta Funcia.

O vice-presidente da ABrES também destaca que o Complexo Industrial da Saúde é indutor da atividade econômica. “Além de ser uma das diretrizes aprovadas pela 17º Conferência Nacional de Saúde, ele é fundamental para garantir a soberania sanitária e a independência do SUS diante da falta de financiamento para a incorporação tecnológica, da incorporação de novos medicamentos”.

Linhas de financiamento federal para custeio

Contra as limitações impostas pelo novo arcabouço fiscal, Funcia defende o estabelecimento de uma espécie de rubrica sobre os investimentos do PAC na Saúde e a abertura de linhas de financiamento de custeio por parte do Governo Federal aos estados e municípios.

“A construção dos equipamentos, como as UBSs, gera impacto posterior nas despesas municipais que, de maneira geral, já estão bastante compromissadas. A capacidade de financiamento dos municípios para a ampliação de suas despesas, se não houver aporte do Governo Federal, será algo muito difícil de ocorrer. Os municípios já estão aplicando muito acima de seu piso legal, que é de 15%. Na média, eles já estão aplicando mais de 25% em Saúde. Em relação a isto, evidentemente, o arcabouço fiscal ainda representa uma limitação. A não ser que se estabeleça uma regra, de que os recursos do PAC fiquem de fora dos limites dos 2,5% de crescimento corrente, o que poderia ser uma boa regra a ser estabelecida”, indica Funcia.

Na Educação, os desafios são semelhantes. “Muitas prefeituras ficam enrolando com as obras, pois não possuem recursos para manter as escolas em funcionamento com a contratação de professores e demais funcionários. O custo anual de manter uma creche de 150 alunos é equivalente ao de sua construção. Em Educação, o caro é manter as escolas funcionando. Mesmo com os avanços da complementação federal no novo Fundeb, de 10% para 23% do aporte de estados e municípios até 2026, o total dos recursos redistribuídos pelo Fundo está longe de garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino como determina a Constituição”, comenta José Marcelino.

De acordo com o professor da USP, a municipalização do Ensino Fundamental e as demandas da Educação Infantil levam os municípios “ao seu limite de capacidade financeira, particularmente os municípios com menos de 5 mil habitantes, que são cerca de 20% do total”, complementa.

O desafio orçamentário diante das limitações fiscais, segundo José Marcelino, não cessará com o PAC, pois os gastos com custeio precisam crescer para respeitar os pisos constitucionais garantidos a algumas categorias profissionais, como a enfermagem e os pedagogos. “No caso de professores, o piso salarial, que é uma enorme conquista, está virando teto. Já vi pessoas dizendo que professor está ganhando muito e tem que mudar a fórmula de reajuste do piso”, comenta. “O verdadeiro PAC da Educação é cumprirmos as metas do Plano Nacional de Educação. Não estamos incorporando os alunos que estão fora do sistema, são milhões deles, em especial na Educação Básica, no Ensino Profissional e na Educação Superior; ou seja, não estamos cumprindo as metas do PNE. Para isso, temos que ir além do Fundeb e cumprir a meta de chegar a 10% do PIB em Educação, mal estamos em 5% e isso com o PIB congelado”, conclui o professor.