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“A Frente Pela Vida precisa ter vida longa”

Representantes das entidades que integram movimento criado para orientar enfrentamento à pandemia fazem leitura da conjuntura e apostas para o futuro do SUS e do país
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 26/03/2021 13h51 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

Na véspera da mesa-redonda que reuniu representantes de algumas das entidades que compõem a Frente pela Vida, o Brasil tinha atingido a trágica marca de 300 mil mortes na pandemia. Criada para denunciar as falhas na resposta à crise sanitária – e apontar caminhos baseados na ciência para seu enfrentamento –, a Frente promete ter vida longa.

O diagnóstico da situação atual e as possibilidades de ação política que se abrem com o apoio popular ao SUS foram apontados por Aristóteles Cardona, da Rede de Médicas e Médicos Populares, Túlio Franco, presidente da Associação da Rede Unida, Rafaela Alves Pacheco, da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e Lucia Souto, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), convidados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) no terceiro dia (25/03) do 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde.

Que Frente é essa?

A mediadora da mesa, Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco, explicou que o movimento vem sendo construído desde abril do ano passado, e teve como inspiração o Pacto pela Vida e pelo Brasil, divulgado naquele mês por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Comissão Arns. A partir daí, contou, as entidades da Reforma Sanitária começaram a debater a criação de uma frente ampla em torno da defesa da vida e do SUS.

O esforço desembocou na Marcha Pela Vida, no dia 9 de junho, que teve adesão de mais de 600 organizações e movimentos. “De lá para cá, continuamos trabalhando e entregamos para a sociedade, para o Ministério da Saúde e para o Congresso um Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia, com mais de 70 recomendações, fruto do trabalho de dezenas de profissionais de saúde e pesquisadores.

A presidente da Abrasco citou ainda outros documentos importantes, como a carta ao povo brasileiro divulgada em 25 de novembro que alertava para o agravamento da crise sanitária e denunciava a inação do governo federal e o manifesto ‘Ocupar escolas, proteger pessoas e valorizar a educação’, de 17 de novembro – e que terá uma segunda parte lançada na próxima segunda-feira (29/03) com ênfase na área de assistência social.

Gulnar ressaltou que, durante todos os trágicos marcos que caracterizam a pandemia no Brasil, a Frente pela Vida nunca deixou de denunciar a situação e traçou essa linha do tempo: 100 mil mortes em 8 de agosto, 150 mil mortes em 11 de outubro, 200 mil em 8 de janeiro e 300 mil no dia 24 de março...

Diagnóstico da situação atual

Para Aristóteles Cardona, esses números expressam a forma preferencial de combate à pandemia no Brasil: da porta do hospital para fora. “Os leitos de UTI e a infraestrutura hospitalar são fundamentais, mas quando o fluxo de doentes aos hospitais é sinal de que estamos perdendo o enfrentamento da porta para fora”, afirmou.

“Quando o doente chega no hospital a briga já está perdida. É preciso evitar a doença. Evitar a transmissão. Vamos derrotar a pandemia fazendo hospitais e abrindo leitos, quando o enfrentamento é nos territórios e com ações coordenadas entre entes federados”, concordou Túlio Franco.
Para o presidente da Rede Unida, a falta de coordenação nacional precisa ser resolvido para “estancar o colapso do SUS”. “É impossível derrotar o vírus sem coordenação nacional e sem um governo empenhado nesse sentido, que siga as orientações da ciência, sobretudo porque a doença não tem medicamento e o enfrentamento se dá por recursos não-farmacológicos: distanciamento social, uso de máscaras, higiene das mãos, etc.”, listou ele.

Rafaela Pacheco informou que, enquanto a mesa-redonda acontecia, 240 pessoas aguardavam por leitos de UTI em Pernambuco, estado onde mora e atua. “É dramático, e revoltante. Estamos no caminho errado”, disse. A médica de família e comunidade apontou como uma das raízes do problema a cegueira em relação ao maior ativo do SUS: a atenção primária, porta de entrada do sistema. “A atenção primária tem musculatura de construir uma resposta completamente diferente, mas essa potência não tem sido utilizada”, criticou. E defendeu: “Da porta do hospital para fora, o SUS tem potência de garantir vigilância em saúde e cuidado. Mesmo com o desfinanciamento e a desregulamentação”.

Apoio popular ao SUS

Lúcia Souto, presidente do Cebes, destacou que a pandemia mostra que a presença do Estado na vida da população é indispensável. E o símbolo mais bem-acabado disso se tornou o SUS. “Se a gente imaginava que o SUS não era reconhecido pela população, hoje vemos que a sociedade reconhece o SUS. É emocionante ver cartazes de ‘viva o SUS!’ nas filas de vacinação. É um de potencial gigantesco”, avaliou.

Rafaela Pacheco chamou atenção para o fato de o SUS ter se transformado em uma pauta de consenso para todas as forças democráticas do país – indo muito além do setor da saúde. “Precisamos trabalhar para que as hashtags que sobem no Twitter em defesa do SUS tenham consequência política”, defendeu.
Além da pandemia

De acordo com Aristóteles Cardona, daqui para frente é preciso investir no que chamou de via “socio-comunitária” que, na sua avaliação, se mostrou o ponto mais falho no passado recente, muito marcado pela aposta nos mecanismos de gestão. “É importante avançar”.

Todos concordam que a Frente pela Vida tem muito trabalho a fazer, mesmo passada a pandemia. “Pensando no futuro pós-pandemia, não podemos sair da mesma forma que entramos. O SUS precisa ficar mais robusto, com orçamento recuperado. Precisamos continuar lutando pelas vidas dos brasileiros severamente ameaçados pela política econômica que exclui”, afirmou Túlio Franco, para quem “a Frente Pela Vida precisa ter vida longa”.

Lúcia Souto argumentou que a pandemia explicitou o projeto de concentração de renda e acirramento das desigualdades que está em disputa no país. “O normal já era, nos levou a isso. O colapso ambiental e a política do ódio não serve para a gente. Precisamos de outras relações sociais, outras relações de trabalho. A maneira de atuação da Frente é estratégica para que a gente reúna cada vez mais forças para deslocar esse projeto que está no poder, e permitir que o Brasil para valer venha à tona com toda sua potência e criatividade”.