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A juventude equilibrista

O que revelam dados recentes sobre a saúde dos jovens no Brasil
Giulia Escuri - EPSJV/Fiocruz | 12/11/2025 14h36 - Atualizado em 12/11/2025 14h57

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Se você está lendo esta matéria, é bem provável que já tenha vivido a juventude, ou esteja passando por ela. Segundo a Política Nacional de Juventude (PNJ), isso significa ter entre 15 e 29 anos. Talvez você se lembre — ou esteja vivendo agora — de um período de incertezas, descobertas e transições que conduzem à vida adulta. “Ser jovem no Brasil é viver todo dia na corda bamba, tentando chegar a um outro espaço, a um lugar de maior estabilidade”, avalia Carlos Alberto Alves, da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude.

Entre os jovens que dançam nessa corda bamba, há aqueles que precisam se equilibrar muito mais do que outros para que a possibilidade de se tornar adulto seja uma realidade concreta, em um país marcado por tantas desigualdades. Exemplo disso é o fato de que 65% das mortes de jovens têm causas externas, como violência e acidentes, de acordo com o 1º Informe do Ciclo sobre a Situação de Saúde da Juventude Brasileira: violências e acidentes, lançado em agosto de 2025 pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e pela Agenda Jovem da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz (AJF). Na população geral, essa proporção é de apenas 10%. Os dados mostram que, embora a travessia pela juventude seja desafiadora para grande parte dos brasileiros, para alguns grupos ela é ainda mais dura. O levantamento revela que três em cada quatro mortes de jovens por causas externas foram de pessoas negras, que representam 73% dessas vítimas fatais.

Esses números nos remetem a uma dolorosa cena recente: em uma praça no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, dezenas de corpos jovens estendidos no chão, velados por seus familiares e pela comunidade. A megaoperação policial realizada em 28 de outubro de 2025 pelo governo do Estado do Rio de Janeiro já é considerada a mais letal da história do país, com 121 mortos. A chacina — que supera o massacre do Carandiru ocorrido em 1992 e que deixou 111 mortos — expõe a letalidade que recai sobre jovens negros e pobres.

Além da violência e dos acidentes, o Atlas da Violência 2025, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta que os suicídios são a terceira causa mais comum de mortes na juventude. Entre 2013 e 2023, os homicídios resultaram em uma perda de 14,7 milhões de anos potenciais de vida de jovens, enquanto os acidentes em 7,2 milhões e os suicídios em 1,8 milhão de anos. Esse método considera a diferença entre a idade ao morrer de cada indivíduo e a expectativa de vida da população, estabelecida em 70 anos pela pesquisa.

O que são juventudes?

À primeira vista, pode parecer estranho que pessoas entre 15 e 29 anos sejam agrupadas na mesma faixa etária — afinal, há mais de uma década de diferença entre esses extremos. Mas é justamente essa dimensão compartilhada de aprendizados e descobertas que conecta etapas tão distintas dessa fase da vida. Pesquisadores como André Sobrinho, coordenador da Agenda Jovem, e Bianca Leandro, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz, costumam dividir a juventude em três fases. A primeira vai dos 15 aos 19 anos, “justamente a fase de transição da adolescência para a juventude”, explica Leandro, que continua: “a segunda abrange os 20 aos 24 anos, quando os jovens estão começando o ‘mundo’ adulto”. Já a última vai dos 25 aos 29 anos, marcando a etapa de jovens adultos.

Essa fragmentação ajuda a evidenciar parte da heterogeneidade que caracteriza a juventude e, assim, “pensar, em um país de dimensões nacionais, políticas públicas de saúde que possam incidir sobre a população jovem”, observa a professora-pesquisadora. Isso porque cada subfaixa apresenta condições e necessidades de saúde diferentes.

“Entre os 18 e 24 anos, os jovens começam a se inserir no mundo do trabalho, a circular mais pela cidade e a ter outras responsabilidades do ponto de vista da sua condição familiar”, aponta Sobrinho. Em uma sociedade desigual, as trajetórias são diferentes e isso “se reflete na vulnerabilidade, na circulação pela cidade e na inserção no mundo do trabalho”. O levantamento da Fiocruz mostra que, entre os jovens de 20 a 24 anos, o risco de morrer por causas externas é cerca de 45% maior do que o da população geral. Leandro destaca, no entanto, que “apesar de ser esperado que as principais causas de morte entre jovens sejam externas, quando olhamos para elas, percebemos que, na verdade, são evitáveis”.

“Todos esses contextos caminham, na verdade, para a construção de um país em que a violência é a principal marca da inserção da juventude na sociedade”, Bianca Leandro, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz

Essa constatação também diz respeito ao lugar que o corpo jovem ocupa na sociedade. “Isso nos traz o peso de uma sociedade que, na verdade, está colocando o jovem como aquele corpo de quem se pode esperar o óbito, que pode ser assassinado, que pode ser morto pela violência policial etc. Essa também é uma condição de desigualdade”, reflete a professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz.

Para Sobrinho, é importante levar em consideração os chamados marcadores sociais, como gênero e raça. Segundo o levantamento, “a cada 100 jovens que morrem por violências ou acidentes, quase 90 são homens”. No entanto, não são todos os homens que compartilham da mesma vulnerabilidade: jovens negros e indígenas apresentam os maiores riscos, com taxas de 227,5 e 177,9 mortes por 100 mil habitantes, respectivamente.

Diogo Santos, gerente de comunicação e inovação do Instituto Fogo Cruzado, ONG que monitora a violência armada, ressalta a importância de racializar esse tipo de dado. Ele, que é um jovem negro e cresceu em uma favela carioca, relata: “É complexo pensar no que você poderia ter passado e do que conseguiu escapar também. E como essa vida é muito, muito pouco valorizada no Brasil”. Ele continua: “Acho que fica, ou pelo menos deveria ficar, muito óbvio que algumas vidas valem menos do que outras”.

Há menos de dez anos, em 2017, um estudo realizado pelo Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, apontava o Brasil como o sétimo país no ranking mundial de mortes de crianças e adolescentes do sexo masculino, entre 10 e 19 anos. O Afeganistão, que enfrentava uma guerra, aparecia atrás do Brasil, em oitavo lugar. Bianca Leandro destaca o papel das armas de fogo nesse cenário. Ela chama atenção para o fato de que as agressões com armas de fogo são a principal causa externa de morte tanto entre mulheres quanto entre homens jovens. “Todos esses contextos caminham, na verdade, para a construção de um país em que a violência é a principal marca da inserção da juventude na sociedade”, analisa.

Feminicídio e outras violências por armas de fogo

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O Atlas da Violência 2025 estima que, entre 2013 e 2023, 47.463 mulheres foram assassinadas no Brasil. Nesse período, a taxa geral de homicídios caiu 26,7%, enquanto a de feminicídios registrou uma redução menor, de 25,5%. O dado evidencia que a violência letal contra as mulheres não acompanha o mesmo ritmo de queda dos homicídios em geral, apontando para desafios persistentes no enfrentamento desse tipo de crime.

Para Bianca Leandro, é importante considerar que há uma diferença de gênero na forma como a violência se expressa. Segundo o levantamento da Fiocruz, quase 35% das mortes femininas ocorrem dentro de casa, enquanto, entre os homens, esse percentual é de 10%. Ainda com base na mesma pesquisa, mulheres jovens representam 71% dos casos de violências notificados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dados que demonstram, por um lado, a disparidade no acesso à saúde entre homens e mulheres, mas que apontam, ao mesmo tempo, como a Atenção Primária à Saúde (APS) tem se firmado como uma porta de entrada, com diversas políticas de saúde que priorizam as mulheres, como a Estratégia Saúde da Família (ESF).

“É importante dizer que esses são apenas os casos notificados no SUS, um reflexo das mulheres que vivenciam situações de violência pelas quais precisam de assistência médica em saúde. Estamos falando de violência física, sexual e psicológica, e as mulheres historicamente se reconhecem mais nesse lugar”, explica a professora-pesquisadora. Ela destaca que isso não significa que os homens não sofram violências que demandem atendimento médico: “As violências que eles sofrem matam mais e, se sofrem algum tipo de violência, muitos não buscam o sistema de saúde para lidar com isso”.

Apesar da taxa de mortalidade de homens por violência ser oito vezes maior que a das mulheres na juventude, não existem políticas de saúde que tenham este grupo como foco. “Quando pensamos na saúde dos jovens, muitas vezes se cria um espelho da saúde da mulher — que, por sua vez, ainda está muito envelhecida, centrada apenas nas questões do ciclo e das condições reprodutivas. Então, para a jovem mulher, ainda existem alguns dispositivos de cuidado”, analisa Leandro, que acrescenta: “Já para o homem jovem, isso fica nebuloso. E quando vamos ver por que eles estão sendo internados e morrendo, percebemos que realmente não há estratégias de saúde que deem conta disso.”

Em 2021, foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), pela Portaria nº 3.562 do Ministério da Saúde. No entanto, Leandro considera que é um desafio lidar com a cultura da masculinidade: “Apesar de termos uma Política Nacional de Saúde do Homem — que é super recente — e que tenta criar alguns mecanismos para ir na contramão desse processo, é muito difícil, porque a nossa história social ainda é marcada por essa ideia do que é ‘ser homem’”, constata.

Nesse contexto, também “é importante lembrar que, quando olhamos a violência doméstica que acomete mulheres jovens, o principal perfil de agressor é o de homens”, comenta Bianca Leandro. Entre as mulheres, as que mais sofrem violência física têm entre 20 e 24 anos (53,2%) e 25 e 29 (51%), segundo o Atlas da Violência. Considerando a população jovem feminina, cerca de 30% morrem por agressões e 31,3% por acidentes de transporte, de acordo com a pesquisa da Fiocruz.

Em setembro de 2025, o Instituto Fogo Cruzado divulgou que, entre janeiro e julho, pelo menos 29 mulheres foram vítimas de feminicídio ou tentativa por armas de fogo nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Belém. No mesmo período em 2024, haviam sido registrados 20 casos.

Segundo o Instituto, que utiliza metodologia própria para monitorar tiroteios em grandes centros urbanos, mais de 75% dessas mulheres não sobreviveram. Para além desses dados, a pesquisa destaca que mais da metade foi baleada dentro de casa, sendo que uma em cada quatro foi atingida por agentes de segurança de folga, como policiais militares e policiais penais, fossem eles seus maridos, namorados ou ex-companheiros. Para o representante do Fogo Cruzado, Diogo Santos, esse dado é alarmante ao demonstrar que a arma do Estado está sendo utilizada também para vitimar mulheres. “Isso mostra como, na verdade, é arriscado morar em uma casa onde há uma arma”, afirma.

As armas de fogo são responsáveis pela maior parcela de anos perdidos da juventude, retirando 12 milhões de anos potenciais de vida, ou 81,6%, conforme o Atlas da Violência. “Ao contrário do que foi propagado, e que muita gente sugere, de que as armas servem apenas para proteção, na verdade, elas são usadas prioritariamente para agressão”, ressalta Santos.

Outro dado que se verifica é que, em 2023, uma pessoa negra tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio. “Vemos que, em geral, são os jovens negros os maiores alvos da violência armada no Brasil, incluindo a letalidade policial”, avalia Bianca Leandro. Ela completa que isso está ligado ao fato de que “é a população negra que vive em territórios com maior presença de força armada, se expressando por diferentes atores, como as milícias, as polícias e outros grupos de poder armado em territórios precários”.

Ainda segundo a mesma pesquisa, em 2023 foram registrados 45.747 homicídios no país, dos quais 47,8% vitimaram pessoas entre 15 e 29 anos. Isso equivale a 21.856 jovens, uma média de 60 jovens assassinados por dia. “O que sobra dessas vítimas? Não estou falando só de vidas negras e nem só de pessoas mortas, mas, de pessoas que tiveram suas vidas atravessadas pelo racismo e pela violência armada”, reflete Santos, que pensa na memória das vítimas como uma forma de fazer com que esses números não sejam apenas dados: “os adolescentes, os jovens, as vítimas, têm sonhos, têm histórias, têm um monte de vontades, que são provavelmente muito próximas da minha e da sua”.

Apesar desses dados, a violência armada ainda não é tratada como um problema de saúde pública. A Cúpula Mundial da Saúde, realizada em outubro de 2025, em Berlim, na Alemanha, alertou para a necessidade de incluir o tema nos currículos de cursos de medicina em todo o mundo e de adotar alertas sobre os riscos de possuir uma arma no momento da compra. Durante o evento, foi anunciada a criação de uma comissão da revista científica britânica The Lancet sobre violência global e saúde. Segundo o jornal O Globo, o presidente da comissão, Adnan Hyder, diretor da Faculdade de S,aúde Pública da Universidade de Boston (EUA), afirmou que o objetivo é estudar as armas de fogo como fator de risco e ameaça à saúde e ao bem-estar humanos.

A precarização do trabalho

Enquanto as agressões são a principal causa de morte externa entre jovens, os acidentes de trânsito ocupam o segundo lugar. De acordo com o relatório da Fiocruz, homens jovens representam 84% das mortes e as mulheres, 16%. Entre os veículos, a motocicleta é apontada como a mais letal: 53% dos acidentes fatais entre homens e 40% entre mulheres. Para André Sobrinho, esse dado “reflete não apenas a construção da masculinidade, mas também representações sobre os jovens e a juventude”.

Essa realidade pode ser interpretada de duas formas, que não se excluem. A primeira tem relação com aspectos culturais ligados às performances da masculinidade, especialmente nas periferias. “Todo jovem sonha e cresce querendo ter uma moto, querendo ter um carro, o que é normal. Todo mundo merece ter aquilo que considera bom”, relata Carlos Alves, integrante do Levante Popular da Juventude. Com base em suas vivências, ele continua: “Vemos, por um lado, espaços de lazer e de cultura sendo fechados, reprimidos, como as batalhas de rima, ao mesmo tempo em que os jovens buscam outro tipo de lazer, como fazer um ‘rolezinho’ de moto ou de carro e ainda consumir bebidas alcoólicas”.

O segundo motivo para o alto número de acidentes pode estar relacionado ao aumento de trabalhadores em empresas de aplicativo — como Uber, iFood e 99 —, em consequência da precarização do trabalho e da exaltação de uma mentalidade empreendedora que vem crescendo nos últimos anos. A socióloga Helena Abramo, especialista em temas sobre trabalho e juventudes, além de coordenadora, junto a outros pesquisadores, do estudo “Panorama da situação dos jovens brasileiros: interseções entre Juventude, Saúde e Trabalho”, publicado em 2023 pela EPSJV e Agenda Jovem Fiocruz, reflete sobre esse cenário: “Depois do golpe de 2016 e da interrupção do processo de alargamento dos direitos, nós começamos a ver a diminuição dos direitos. E isso se combinou com o processo de transformação global: tanto no mundo do trabalho quanto de uma precarização generalizada”, contextualiza. Ela acrescenta: “Isso acabou resultando na terceirização, na pejotização e na plataformização, nestes trabalhos através das plataformas digitais”.

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A socióloga destaca ainda que há um processo de estímulo para que os jovens busquem suas próprias soluções, já que, diante da precarização do trabalho, marcada pela perda de direitos, baixos salários e instabilidade, consolidou-se uma propaganda intensa que incentiva a saída da relação assalariada formal. Um exemplo disso é uma postagem na conta do iFood para entregadores no Instagram: em um vídeo, um rapper canta algumas rimas enquanto aparecem imagens de trabalhadores e suas famílias, de formaturas e de entregadores com a mochila vermelha nas ruas. Na tela, surgem palavras como “dignidade”, “liberdade”, “jornada de sonhos” e “oportunidades”. Esse tipo de narrativa busca associar o trabalho por aplicativo à ideia de autonomia e realização pessoal — aspecto que precisa ser visto com cautela: “Na verdade, quando surge essa alternativa de fazer entregas, de trabalhar dessa maneira, ela vem cheia de muitos apelos, como: ‘você que já tem uma relação bacana com a cidade, de circular com a sua bike, com a sua moto, pode fazer o que quiser com seu tempo, pode conciliar com os seus estudos’”, ressalta Abramo.

O Brasil conta com 1,7 milhão de pessoas que trabalham com o transporte de passageiros e entrega de alimentos e produtos. Esse contingente representa quase 2% da população ocupada no setor privado, segundo dados divulgados em outubro de 2025 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc). Em 2022, já eram 1,3 milhão de pessoas nessa condição.

Entre esses trabalhadores, os motociclistas se destacam: em 2024, ano de referência dos dados, eram 1,1 milhão. Desses, 33,5% prestavam serviços por aplicativos — ou seja, um em cada três motociclistas estava vinculado a plataformas, proporção que segue em crescimento. Em 2022, eles representavam cerca de um quarto da categoria.

A pesquisa também permite traçar o perfil desses trabalhadores: homens são 83,9% do total, quase metade (47,3%) tem entre 25 e 39 anos, e 59,3% têm ensino superior incompleto ou estão cursando a graduação. “Estamos falando de uma parcela da população jovem que estava ascendendo, chegando à possibilidade de estudar e de continuar estudando”, analisa Helena Abramo. “Embora o processo de plataformização não seja exclusivo dos jovens, ele afetou fortemente essa geração que estava ingressando no mercado de trabalho — ou já inserida nele — e buscando alternativas em um contexto de desemprego elevado.” Além da crise política e econômica de 2016, apontada pela socióloga como um marco da precarização no país, a pandemia de covid-19 também foi determinante para o aumento da informalidade. Em 2016, o país contabilizava 843,3 mil motoristas de aplicativos, taxistas ou entregadores.

Para o pesquisador André Sobrinho, “o que vemos na sociedade é uma certa ideia da correria”. Ele explica que “essa expressão, inclusive, virou uma categoria: ‘fazer o corre’, que é glamourizada e muito bem manipulada pelas instituições que reproduzem o modelo de sociedade em que vivemos”. Sobrinho complementa: “Essa correria pode ser vista nas mortes na cidade, na pressão por bater metas de entrega, de transporte e de deslocamento de pessoas”.

Quanto mais trabalhadores nas ruas fazendo o “corre”, maior o número de acidentes. Segundo o Atlas da Violência, os acidentes de trânsito envolvendo motocicletas cresceram cerca de 18% entre 2018 e 2023. Pilotar uma moto em uma cidade movimentada; já representa um fator de risco, no caso dos entregadores, essa condição tende a se agravar. “Como a remuneração é muito baixa, e vem diminuindo nos últimos anos, esses trabalhadores precisam fazer muitas entregas para garantir o mínimo no fim do dia”, reflete Abramo. A socióloga acrescenta que o comportamento dos entregadores está diretamente relacionado às pressões impostas pelas próprias dinâmicas dos aplicativos.

Além disso, o pesquisador da Agenda Jovem André Sobrinho destaca que a ideia de solução no mundo do trabalho baseada no empreendedorismo juvenil reforça uma lógica enganosa, que parte da noção de que os jovens são flexíveis e não se alinham ao modelo tradicional de trabalho, como o regime CLT. “[As plataformas e o empresariado] investem nessa narrativa, que expõe a juventude à vida, ou à morte”, diz. Já Helena Abramo destaca a falácia nesse discurso: “A nossa juventude é trabalhadora. Após os 18 anos, a maior parte dos jovens brasileiros já está no mercado de trabalho”.

Mas é preciso observar em que condições esses jovens estão inseridos. “Os jovens sempre tiveram dificuldade para ingressar no mercado de trabalho e, depois, viver nele: enfrentam as maiores taxas de informalidade, recebem menores salários e têm menos direitos”, enfatiza a socióloga. Na contramão, em abril de 2025, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou que 53% dos jovens ocupados até 24 anos são celetistas, e 67,1% recebem até R$ 1.854.

Uma política que pode estar favorecendo esse quadro é a Lei nº 10.097/2000, conhecida como Lei do Jovem Aprendiz. Essa legislação determina que toda empresa de grande ou médio porte contrate um número de aprendizes de, no mínimo, 5% e, no máximo, 15% do seu quadro de funcionários. O aprendiz deve ter entre 14 e 24 anos e estar frequentando, ou ter concluído, a educação básica. A lei prevê o pagamento de um salário mínimo proporcional e todos os direitos garantidos, como 13º salário e FGTS. Segundo o MTE, o primeiro semestre de 2024 chegou a 615.401 vínculos ativos, considerado pelo governo como o melhor resultado desde a criação da lei.

“Para aqueles adolescentes que precisam trabalhar, que seja de forma mais protegida. Nesse sentido é que vem a lei, em uma forma de conciliação com a sua educação formal. Por isso, é necessário que o jovem esteja cursando o ensino médio, que o horário seja compatível com a própria aprendizagem profissional e que tenha uma dimensão de formação”, considera Abramo. Ela acrescenta: “Apesar de ser uma aprendizagem, é considerado trabalho, é formal e o jovem tem todos os direitos daquela categoria”. No entanto, ela faz um alerta sobre a necessidade constante de acompanhamento dessas condições de trabalho: “Falta fiscalização para que essas condições não sejam burladas e para que as empresas cumpram da maneira correta o que está definido na lei”.

A Lei do Jovem Aprendiz é um dos alicerces da Agenda Nacional do Trabalho Decente (ANTD), considerada uma “prioridade política do governo brasileiro” nos anos 2000, segundo o documento oficial de sua divulgação em 2006. A Agenda foi discutida e definida em 11 conferências e reuniões entre setembro de 2003 e novembro de 2005. Ela estabeleceu quatro eixos prioritários para promover o trabalho decente na juventude: mais e melhor educação; conciliação dos estudos, trabalho e vida familiar; inserção ativa e digna no mundo do trabalho; e promoção do diálogo social. A ideia, na época, era que esses debates levassem à criação de um Plano Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (PNTDJ), algo que quase 20 anos após o início dessas negociações, ainda não se concretizou.

Helena Abramo conta que fez parte dessas conversas para a implementação do Plano, bastante debatido nos anos de 2013 e 2016. “A nossa ideia era que a Agenda, que discutiu os diagnósticos e as diretrizes gerais, fosse transformada em um plano para poder fazer com que aquelas diretrizes encontrassem vias de concretização”, relembra a pesquisadora, que completa: “Passamos três anos de uma discussão riquíssima, envolvendo vários atores e vários ministérios, mas, infelizmente, foi abortada exatamente por causa do processo de impeachment e do golpe sofrido pela presidente Dilma [Rousseff]”.

Desde então, o tema não foi retomado pelos governos seguintes. “Uma das coisas importantes a ser feita é recuperar essa discussão — agora com uma atualização, evidentemente. O diagnóstico que fizemos para o Plano é de 2013, 2014. Já se passaram dez anos. As questões se agravaram, e novas pautas surgiram. Nesse sentido, o debate sobre a escala 6x1 deve ser central”, defende Abramo.

Diante do cenário em que os jovens estão inseridos no âmbito profissional, refletir sobre o conceito de trabalho decente também significa discutir saúde. Para Helena Abramo, “a precarização dessas relações expõe os jovens a diversos problemas de saúde”. Ela reforça que é preciso “olhar para as condições em que os jovens estão vivendo experiências fundamentais da vida, muitas vezes marcadas por situações prejudiciais à saúde. O trabalho é uma delas. Precisamos observar de que forma os postos de trabalho acessíveis aos jovens os colocam em condições que podem gerar agravos à sua saúde”.

Redes sociais e saúde mental

No início de 2025, uma série da Netflix chamou a atenção, principalmente de familiares de adolescentes e especialistas. Nela, a atitude de um garoto de 13 anos impacta: ele é acusado de assassinar uma colega de turma. Ao longo da trama “Adolescência”, a imersão dos jovens nas redes sociais e a relação dos pais com os filhos inseridos nesse mundo digital transparece em temas e até em elementos sutis, como o uso de emojis, símbolos que traduzem elementos e emoções, e que dependendo de sua ótica de utilização, podem acabar sendo pouco compreendidos pelos pais.

A ficção chama atenção para temas como bullying e outros conflitos que podem atravessar este período. Entre eles, destaca um fenômeno antigo, mas que ganhou novas dimensões com as redes sociais: o dos chamados incels — abreviação para “celibatários involuntários” (involuntary celibates, em inglês) que formam grupos online compostos por homens que difundem, sobretudo, ideologias misóginas e violentas contra mulheres. “Tudo isso nos mostra a necessidade da regulamentação das redes”, considera Grazielle Nogueira, psicóloga e cofundadora do projeto social Favela Terapia, iniciativa desenvolvida por estudantes de psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O debate sobre a regulamentação das redes sociais leva em conta a criação de leis e normas que definam responsabilidades e limites para o funcionamento das plataformas digitais, como Instagram, Facebook, TikTok, X (antigo Twitter) e YouTube. Nogueira destaca que o objetivo não é acabar com as redes. “Precisamos pensar em estratégias para usá-las de forma mais responsável. É muito importante a regulamentação das redes, especialmente quando se trata da juventude. É preciso saber o que esse jovem está fazendo, se ele está reproduzindo discursos misóginos ou se está sendo exposto de maneira inadequada”, complementa.

Nesse meio-tempo, outro debate também ganhou força: a adultização de adolescentes e jovens nas redes sociais. No início de agosto, o influenciador digital Felipe Bressanim, conhecido como Felca, publicou um vídeo no YouTube denunciando a exploração sexual de crianças e adolescentes na criação de conteúdos online. Dias depois, com a repercussão do tema, o Projeto de Lei nº 2.628/2022 voltou a tramitar no Congresso e, em setembro, foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora transformado na Lei nº 15.211/2025, o texto institui o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital). Assim como o ECA de 1990, a nova legislação estabelece regras inéditas para proteger esse público, desta vez, no ambiente digital.

Arquivo EBC

A lei impõe obrigações claras a aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e serviços online, que devem adotar medidas de prevenção, como verificação de idade confiável, ferramentas de supervisão familiar, resposta rápida a conteúdos ilícitos e regras específicas para o tratamento de dados e publicidade dirigida a menores.
Para Denise Ocampos, coordenadora de Atenção à Saúde das Crianças, Adolescentes e Jovens do Ministério da Saúde, o ECA Digital é uma medida importante para “regulamentar o acesso das crianças e dos adolescentes, mas também para regulamentar as redes sociais, essa indústria tecnológica”. Ela observa que, em um ambiente livre, sem muitas regulamentações, esses jovens podem ficar vulneráveis a violências como o cyberbullying e a exploração sexual pela internet.

Além disso, outros aspectos chamam a atenção sobre o uso das redes e a saúde mental da juventude: “A questão do estímulo, a confusão mental, a agitação, a alteração de memória e de concentração. Tudo influencia na saúde das crianças e dos adolescentes, de uma forma geral, é biopsicossocial”, constata Ocampos. Já a psicóloga Grazielle Nogueira ressalta que “o aumento dos transtornos mentais devido às redes sociais é uma urgência”.

Uma pesquisa publicada em 2024 pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, sobre o Panorama da Saúde Mental no Brasil, constatou que 45% dos casos de ansiedade em jovens de 15 a 29 anos estão relacionados ao uso intensivo das redes sociais. “A construção da identidade ficou voltada para o que se vê nas telas. Os jovens não precisam dizer se estão bem ou não: postam uma foto. Não precisam ir à casa dos amigos para fazer um trabalho [da escola ou da faculdade]: podem fazer uma reunião online ou escrever juntos pela internet”, relata Grazielle Nogueira.

O levantamento também revelou que 65% dos entrevistados enfrentam dificuldades emocionais em algum grau, apontando para o impacto do uso excessivo das plataformas digitais. “As redes sociais, para a geração millennial, trago isso como um demarcador, ampliaram as nossas possibilidades de estudo, de vida, de conexão e de conhecimento. Mas, para essa nova geração, elas são limitadoras”, avalia Nogueira.

"Passar pela adolecência em um período de isolamento social foi anular todas as possibilidades de construção de si", Grazielle Nogueira, psicóloga.

Segundo a mesma pesquisa, jovens que passam mais de três horas por dia em plataformas digitais têm 30% mais risco de apresentar depressão. Nesse sentido, o isolamento provocado pelo uso massivo da internet pode contribuir para o adoecimento.

Imagine, agora, passar parte da juventude em meio a uma crise sanitária global. “A adolescência é um momento de sofrimento e de angústia. O adolescente está passando por uma transição para a juventude, criando responsabilidades e descobrindo o mundo, conhecendo sua sexualidade, seus gostos e sua identidade”, contextualiza Nogueira, que acrescenta: “Durante esse momento de transição, muitos passaram pela pandemia. Passar pela adolecência em um período de isolamento social foi anular todas as possibilidades de construção de si”.

Um cenário que pode estar relacionado ao aumento acelerado dos suicídios entre pessoas de 10 a 29 anos. De acordo com um relatório técnico lançado em 2024 pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), na população geral, a taxa de suicídios em 2022 foi quatro vezes maior do que em 2000. Entre jovens de 20 a 29 anos, o aumento chegou a 6,83 vezes; já entre o público de 10 a 19 anos, o crescimento foi alarmante: 53,6 vezes entre o início e o fim da série histórica. Isso significa que o crescimento de suicídios entre os jovens é mais acentuado do que em outras faixas etárias, e vem se intensificando entre os mais novos.
Tanto o Atlas da Violência 2025 quanto a recente pesquisa da EPSJV com a Agenda Jovem Fiocruz, que analisou as causas de mortes externas entre jovens, apontam que o suicídio é a terceira principal causa de óbito nessa faixa etária. Diante desse cenário, Grazielle Nogueira ressalta a necessidade de fortalecimento das políticas de saúde mental para a juventude: “Quando falamos sobre saúde mental, não é simplesmente entrar no CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] e ouvir que precisa passar pela psiquiatria ou por um atendimento clínico. A juventude quer descobrir, quer recomeçar, e precisa recomeçar a partir de algum lugar.”

Para isso, ela reforça a importância de fortalecer os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), voltados a jovens de até 18 anos. “Quando a gente pensa em política pública, fortalecer os CAPSi é também fortalecer a juventude. Pensar em estratégias de apoio à saúde mental dos jovens é essencial, e também garantir que esse jovem possa escolher”, avalia.

Além disso, as Casas de Juventude, centros de convivência criados por políticas municipais e estaduais para promover acolhimento e ofertar serviços especializados, como ações socioeducativas, aparecem como espaços fundamentais. “Quando pensamos na juventude é preciso pensar também em centros de convivência voltados para ela. São espaços onde acontecem atividades culturais, muitas vezes conduzidas pelos próprios usuários. Mas é mais do que isso: a juventude precisa ter um espaço para pensar sobre si, para falar sobre saúde mental, para criar”, considera Nogueira.
Alguns estados do país já contam com iniciativas desse tipo, como Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro. “Esses espaços de convivência funcionam também como laboratórios, oficinas de grafite, espaços de formação, de capacitação, de geração de emprego e renda. É sobre isso: pensar oportunidades para essa juventude”, conclui a psicóloga.

Políticas para a juventude

Fernando Frazão/ Agência Brasil

Nesse cenário, em que a juventude é o segmento da população brasileira que mais morre, quais são as políticas públicas voltadas a esse grupo? Em 2005, a Lei nº 11.129 instituiu a Política Nacional de Juventude (PNJ), criando a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Essas ações passaram a reconhecer que os direitos dos jovens de 15 a 29 anos devem estar em consonância com uma perspectiva ampla de garantia de uma vida social plena e de promoção da autonomia, segundo texto do Conjuve publicado em 2006.

De acordo com o site da Secretaria Nacional da Juventude, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da República, a PNJ “enfrentou um período de desarticulação geral da rede de políticas setoriais, entre 2019 e 2022, desorganizando a dimensão interfederativa e transversal da política”. A página informa ainda que a Secretaria está retomando seu papel na reconstrução da Política Nacional de Juventude.

A Poli procurou o órgão diversas vezes, por e-mail e por telefone, para comentar os principais desafios dessa retomada e os avanços da PNJ, que completou 20 anos em 2025. Entretanto, não obteve retorno. Em uma última tentativa, por telefone, ao questionar se seria possível encaminhar um dos e-mails a um representante que pudesse conceder entrevista, o atendente respondeu apenas: “Estamos de mãos atadas.”

Alguns anos depois da instituição da PNJ, em 2013, a Lei nº 12.852 criou o Estatuto da Juventude, que definiu orientações para políticas públicas voltadas a esse segmento, e o Sistema Nacional de Juventude (Sinajuve). No entanto, nenhuma política nacional de saúde para a juventude foi aprovada até hoje. “Nós temos uma Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa [PNSPI], uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança [PNAISC], mas a gente não tem da população jovem”, relata Bianca Leandro, professora-pesquisadora da EPSJV.

Ainda antes da aprovação do Estatuto, foram criadas as Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde, documento publicado pelo Ministério da Saúde (MS) em 2010. “Essas diretrizes nacionais deveriam encaminhar uma política nacional de saúde, só que isso ainda não aconteceu”, relembra Leandro, que acrescenta: “Apesar de termos alguns dispositivos nacionais que dão uma baliza para as políticas de juventude, é como uma criança que quer andar, mas não consegue engatinhar direito.”

Denise Ocampos, representante do MS, explica que “as diretrizes são o documento que está vigente até o momento e focam em três eixos: o crescimento e desenvolvimento; saúde sexual e saúde reprodutiva; e atenção ao adolescente em uso de álcool e outras drogas”. Ela situa que, logo depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, discussões para estabelecer normas e programas no âmbito da juventude já estavam sendo colocadas: “Foi instituído o Programa de Saúde do Adolescente, que é o PROSAD, e logo depois foram várias discussões, tiveram atos normativos. Com a política de 2005 [Política Nacional da Juventude], pensou-se novamente em fazer uma política geral [de saúde]. Acabou não caminhando, ficaram pelas diretrizes.”

Esse cenário, no entanto, pode estar mudando. Em agosto de 2024, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução nº 756, sobre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens (PNAISAJ). O documento considera que, “na ausência de uma política específica que direcione as ações estratégicas para essa população”, é preciso aprovar a PNAISAJ, que será publicada em portaria específica do Ministério da Saúde. Quando questionada sobre a previsão para essa publicação, Denise Ocampos conta que ainda não existe, mas se considera esperançosa: “Vamos conseguir avançar bastante com as ações da saúde dos adolescentes e jovens.”

Enquanto as Diretrizes contam com três eixos, a nova Política deverá acrescentar outros dois: prevenção às violências e promoção da saúde mental, “tendo em vista uma incidência de maior número de casos de mortes em adolescentes e jovens por causas externas, que é devido às violências e por questões de saúde mental”, explica Ocampos. A coordenadora de Atenção à Saúde das Crianças, Adolescentes e Jovens também considera que a Política estará dentro dos parâmetros da Atenção Primária à Saúde (APS). “O que vai ser novo será levar para os profissionais de saúde a questão do olhar diferenciado para o adolescente e o jovem, as suas especificidades”, analisa, que completa: “A Política vai vir para fortalecer o que já existe e trazer um novo olhar para os profissionais, que será relacionado à adolescência e à juventude.”

Entre os desafios da legislação destacam-se a extensão territorial do Brasil, a articulação com outros setores e a faixa etária que será contemplada. “Um desafio maior é lidar com a dimensão geográfica do Brasil, levar para todos os estados, com todas as peculiaridades de cada região”, considera Ocampos, que destaca outra questão: “Por exemplo, quando lidamos com as violências, não tem como trabalhar só na saúde. É preciso articulação com outros setores, como a educação, o serviço social e a segurança pública”.

Por fim, a PNAISAJ será voltada a uma faixa etária ampla: de 10 a 29 anos. “É uma política que considero uma faixa etária grande. Então, o trabalho tem que ser dedicado para cada período”, comenta Ocampos. Ela aponta algumas possibilidades: “Talvez o trabalho com os jovens não será em grupos, vão ser só atendimentos individuais. Com os mais novos, podemos ver que grupos podem ser muito interessantes. Vão ser outras formas de trabalhar”, relata.

Carlos Alves, da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude, ressalta a importância da APS oferecer um cuidado especializado aos jovens. “É fundamental promover ações que os envolvam nos territórios, para que contribuam e se tornem multiplicadores da ideia de uma saúde universal”, afirma. Ele também destaca a necessidade de usar uma linguagem próxima à dos jovens e de convidar pessoas reconhecidas pela comunidade para dialogar com o público. “Podemos ‘traduzir’ a linguagem técnica da saúde e utilizar ferramentas da arte e da cultura. O debate sobre saúde, dentro de uma UBS [Unidade Básica de Saúde], pode chamar, por exemplo, um MC [cantor de funk] do território para apresentar o que é a Estratégia Saúde da Família.”

Tornar-se adulto não é um processo simples. As pessoas entrevistadas para esta matéria concordam que a juventude possui suas especificidades e, ao mesmo tempo, uma multiplicidade de experiências. Um jovem negro que vive em uma região periférica, por exemplo, enfrenta realidades distintas das de um jovem branco de classe média. Ainda assim, a sensação de instabilidade, seja em razão do processo de autoconhecimento, seja das condições de vida, é algo que pode ser compartilhado, em maior ou menor grau, por todos. Por isso, Alves é enfático ao afirmar: “Ser jovem no Brasil hoje, é viver nessa corda bamba todos os dias.”