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Ajuste ou mudança no modelo de desenvolvimento?

Mesa após a abertura da Conferência relaciona determinantes a desenvolvimento
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 21/10/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A abertura oficial da Conferência Mundial sobre Determinantes da Saúde, realizada ontem à tarde, foi sucedida por uma ‘mesa de alto nível sobre determinantes sociais da saúde e desenvolvimento’, como foi chamada a atividade. Participaram das discussões a ministra brasileira do desenvolvimento social Tereza Campello, o ministro da saúde e solidariedade social da Grécia, Andreas Loverdos, a secretária de saúde dos Estados Unidos, Kathleen Sebelius, o diretor executivo do Programa das Nações Unidas para Aids (Unaid), Michel Sidibé, a administradora associada do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (Pnud), Rebecca Grysnpan e Margaret Chan. A moderação do debate ficou a cargo da jornalista da Rede BBC Zeinab Badawi.

A primeira a se pronunciar, Margaret Chan, insistiu na responsabilidade dos países com a saúde, como determina a constituição da OMS, e destacou que não é possível falar de desenvolvimento sustentável sem falar nos determinantes sociais. Provocada pela repórter sobre problemas de saúde como tabagismo e questionada sobre se a OMS não se submete à pressão da indústria do cigarro, a diretora reforçou o lema de que “a saúde das pessoas deve estar à frente da saúde das empresas” e que a OMS precisa sim dizer que o cigarro faz mal e que as empresas têm que ser responsáveis por suas próprias ações. “Eu vou entender essa resposta como um não, que a senhora não se submete às pressões das indústrias. Que bom”, comentou Zenaib Badawi.

Tereza Campello iniciou dizendo que a discussão de determinantes sociais não pode abstrair a crise econômica mundial. “Precisamos debater o modelo de enfrentamento à crise para evitarmos retrocessos nas políticas sociais”, ponderou. A ministra reforçou que os resultados do Brasil no combate à desigualdade são frutos de uma decisão política que engloba quatro diretrizes: uma política de valorização do salário mínimo; uma política de incentivo à agricultura familiar; a universalização da saúde, da educação e da assistência social; e a efetivação de programas de transferência de renda. “Mais do que um imperativo ético e moral, os ganhos são também econômicos pela dinamização da economia”, disse. Já em uma segunda rodada de perguntas, a repórter e mediadora do debate lembrou a Rede Cegonha apresentada na fala de abertura pelo ministro da saúde brasileiro Alexandre Padilha, e perguntou à Tereza Campello como o país estava tratando problemas relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, sobretudo questões ligadas ao aborto. Tereza Campello falou dos logros e dos objetivos da Rede Cegonha, mas desconversou sobre o aborto. “Temos que promover uma agenda pública de discussões sobre esses temas”, falou.

O ministro da saúde da Grécia foi interpelado sobre como lidar com as questões de saúde do país que está no “olho do furacão”. A resposta da Grécia, segundo Andreas Loverdos, está sendo a expansão do atendimento em saúde. “Estamos recebendo 30% a mais de pacientes em relação a 2009 e temos 20% a menos de recursos. Com isso, tivemos que reduzir os salários e lutar por preços mais baixos dos insumos. Mas estamos recebendo todo mundo, com ou sem seguro de saúde, imigrantes ilegais ou não”, contou.  De acordo com Loverdos, as ações do governo de diminuir os salários dos médicos têm provocado “reações violentas”, mas, segundo ele, não há outras soluções possíveis.

Kathleen Sebelius falou sobre a nova lei de saúde dos Estados Unidos, implementada pelo governo Obama. A secretária demonstrou preocupação com o estado de saúde da população dos EUA. De acordo com ela, se não houver mudanças nas formas de vida e consumo, em um futuro não muito distante, uma a cada três crianças estadunidenses sofrerão de diabetes. Questionada sobre se toda a população dos EUA está tendo acesso a serviços de saúde, Kathleen respondeu que a nova lei fala na expansão dos serviços de prevenção sem custo algum para a população de cidadãos americanos e residentes legais.  Acrescentou que a nova lei prevê centros comunitários de saúde que estão abertos para atender a todos, inclusive imigrantes ilegais.

Rebecca Gryspan, do Pnud, comentou que a resposta para muitos problemas de saúde não está apenas na área de saúde, e que era disso que se tratava aquela conferência. Questionou sobre como os países têm sido capazes de romper com práticas problemáticas para a saúde em nome do aceleramento do progresso. Rebecca elogiou o fato de que pela primeira vez tantas pessoas reunidas colocavam a equidade no centro da agenda. Para ela, este também deve ser o tom da Conferência Rio + 20, que será realizada no próximo ano no Rio de Janeiro, 20 anos após a Eco 92.

Ao contrário da ministra brasileira, Rebecca e Margaret Chan responderam à pergunta da mediadora sobre aborto. Para a administradora do Pnud, a mulher deve tomar suas próprias decisões e os países não devem se pautar apenas em valores culturais e religiosos para definirem a políticas de saúde. Margaret Chan comentou que enquanto não se falar do tema abertamente, não se chegará a soluções concretas. Defendeu também a necessidade de envolver os homens nas discussões sobre violência doméstica e renda das mulheres.

O diretor executivo da Unaids falou sobre posturas equivocadas existentes nas políticas públicas que muitas vezes isolam ainda mais as pessoas já isoladas e excluídas. Ele exemplificou com o caso de usuários de drogas injetáveis, que, segundo ele, acabam se escondendo ainda mais porque os sistemas de saúde não sabem recebê-los. “Com isso, aumenta-se o problema de saúde. Precisamos tirar as pessoas do isolamento e trazê-las para o centro”, disse.

A jornalista da BBC relatou uma situação na qual visitava a África, seu continente de origem, e presenciou a distribuição de kits de medicamentos para pessoas infectadas com Aids. Zenaib disse que as pessoas recebiam os kits e voltavam para suas casas, que não tinham qualquer condição de saneamento e conforto, “verdadeiros lixos”. Ela perguntou então a Michel o quanto adiantava dar os medicamentos nessas condições.  “Eu não acho que a solução seja não dar os medicamentos, mas precisamos pensar em uma mudança de desenvolvimento. A Aids revela uma metáfora da desigualdade. As pessoas não morrem de Aids no norte do mundo”, finalizou.

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