Brasil, China, Índia, Indonésia, México, África do Sul e Turquia. O que esses países têm em comum? Alguns deles podemos arriscar que são os que estão na moda. Mas isso não é por acaso. Estes países são os que tiveram avanços significativos no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo o relatório do Desenvolvimento Humano ‘A Ascensão do Sul: Progresso Humano num Mundo Diversificado', do Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (Pnud 2013) divulgado agora no mês de março. "Esta conquista se deve ao êxito registrado por alguns dos países mais populosos na erradicação da pobreza extrema: o Brasil, a China e a Índia reduziram, todos eles, de forma drástica a percentagem da sua população em situação de pobreza de rendimentos - o Brasil, de 17,2% da população em 1990 para 6,1% em 2009, a China, de 60,2% em 1990 para 13,1% em 2008, e a Índia, de 49,4% em 1983 para 32,7% em 2010" explica o relatório.
Mas, o resultado deste relatório, embora animador, foi polêmico. Apesar dos dados positivos de crescimento do Brasil, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, protestou que os dados utilizados pelo Pnud estavam defasados e que o país poderia subir 20 posições no ranking se as informações utilizadas fossem atualizadas. O Brasil, com um IDH de 0,730, ficou na 85ª posição da lista que reúne 187 países. "Os dados utilizados na educação foram de 2005, mas é que precisamos usar certos parâmetros para equiparar os países, pois nem todos têm um crescimento tão acelerado em tão pouco tempo como o Brasil", justificou Daniela Gomes Pinto, analista de desenvolvimento do Pnud em entrevista coletiva durante o lançamento do Relatório realizado em 14 de março. Outra explicação dada é o crescimento dos IDHs de outros países neste mesmo período.
A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Arlinda Moreno, em entrevista para a matéria ‘Como medir a qualidade de vida nos países?' no ano de 2010, alertava que os dados do Pnud são contestáveis. A professora enumerou alguns pontos em que a comparação de dados que formam o índice eram falhas. Um deles era a utilização da palavra ‘desenvolvimento' no próprio nome do índice que é um conceito muito comprometido, segundo ela.. Outro é o fato de indicadores como a renda per capita, expectativa de vida e educação poderem aparecer de forma distorcida. O indicador sobre renda per capita foi questionado pela professora por levar em conta a média das rendas; já uma maior expectativa de vida por não significar uma melhor qualidade de vida; e a educação por levar em conta, por exemplo, a taxa de matrícula e não a qualidade do ensino. "Misturar esses parâmetros no IDH e fazer com que isso ainda se transforme em uma outra média, que é a média entre o componente da saúde, da educação e da renda, faz com que essa medida seja um pouco podre na base", afirmou na matéria.
Já a professora e coordenadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense (UFF), Célia Lessa Kerstenetzky afirma que, como qualquer índice, o IDH é reducionista. "Aproxima desenvolvimento de realizações em renda, saúde e educação que, por sua vez, são aproximativamente medidas em indicadores simples e, sobretudo, médios. Não leva em conta outras realizações e mesmo quando mede estas, não leva em conta as desigualdades dessas realizações dentro da população", explica.
Contexto latinoamericano
O relatório apontou também que a América Latina e o Caribe tiveram o segundo maior valor de IDH das seis regiões - Estados Árabes, Ásia Oriental e Pacífico, Europa e Ásia Central, América Latina e Caribe, Ásia do Sul e África Subsariana - que abrangem o relatório. O valor médio foi de 0,741, superado apenas pela média da Europa Oriental e Ásia Central. A pobreza multidimensional é relativamente baixa, e a satisfação geral com a vida é de 6,5 numa escala de 0 a 10, o mais elevado de qualquer região. "A América Latina, contrariando as tendências gerais em nível mundial, tem vindo a registrar uma diminuição das desigualdades de rendimentos desde 2000, embora continue a ser a mais desigual de todas as regiões no que toca à distribuição. A África Subsariana apresenta a maior desigualdade na saúde, e o Sul da Ásia a maior desigualdade na educação", explica o relatório. "Ele [o relatório] manda mensagens que existem novos modelos de desenvolvimento muito interessantes, pois redesenham velhos modelos de cooperação e mostram resiliência", explica a analista de desenvolvimento do Pnud Daniela Gomes Pinto.
Índices brasileiros
Entre 2000 e 2012, o IDH brasileiro saiu de 0,669 para 0,730 e é classificado atualmente como um IDH com Desenvolvimento Humano Alto - este índice foi dado a países que além de experimentarem aumento do rendimento adicional, ainda acumularam valores superiores à média na saúde e educação.
Ao ser comparado a outros países com índice de desenvolvimento humano alto (índice médio de 0,758), o Brasil encontra-se abaixo da média. Também fica em posição inferior ao ser comparado aos países da América Latina e Caribe, que têm um índice médio de 0,741. Já, em relação às economias de rápida ascensão, como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), o Brasil tem melhor desempenho. "No caso brasileiro é interessante observar que o crescimento dos últimos anos foi impulsionado pelas políticas sociais deslanchadas por um Estado pró-ativo, principalmente pelas políticas redistributivas: valorização do salário mínimo e transferências de renda para os mais pobres, que em conjunto estimularam o consumo doméstico e alavancaram o produto. O avanço no lado social acabou também favorecendo o lado econômico da equação", explica Celia Lessa. A analista do Pnud Daniela Gomes, referindo-se às metas do milênio, pondera: "Além disso, o crescimento econômico não se traduz em crescimento humano, que já vem como mote há muito tempo. Mas, os países do sul estão com crescimento econômico junto à saúde, educação e combate à pobreza. Outro fator importante é que Brasil e China, por exemplo, conseguiram alcançar três anos antes a redução da extrema pobreza".
Célia lembra também que a nova mensuração implantada em 2010 do Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade) (IDH -H) - cálculo que leva em consideração as desigualdades - é mais interessante porque desconta as realizações médias do país. "Neste outro indicador, podemos ver as desigualdades dentro do país e, portanto, deveríamos levar bastante a sério o indicador ajustado, que conta uma história mais verdadeira sobre o que se passa em países muito desiguais como o Brasil", analisa. O Brasil no IDH-H fica com o índice de 0,531, uma queda de 27,2%, resultando em 12 posições a menos, figurando então no 97º lugar. O estudo aponta que, de acordo com o IDH ajustado, as desigualdades internas em saúde, educação e renda em países mais ricos como os Estados Unidos, Coréia do Sul e Suécia apresentam forte queda. Os EUA caíram da 3ª posição para 16ª no IDH Ajustado à Desigualdade; a Coreia do Sul de 12º para 28º.
Índice da saúde e educação no Brasil
No relatório, na avaliação específica do Brasil, a saúde foi apontada entre os três itens que mensuram o IDH-H, ou seja que leva em consideração as desigualdades, como a que mais contribui para a ‘pobreza geral por privação', embora no país um Sistema Único de Saúde universal. Do valor total, a saúde contribui para 40,2% com este índice, seguido da educação com 39% e o padrão de vida por 20,7%. "Nosso sistema de saúde segmentado e segregado produz segmentação e segregação de bem-estar. Temos que corrigir a esquizofrenia de ter uma das Constituições mais invejadas do mundo no capítulo da saúde e uma das práticas mais desrespeitosas dos direitos sociais legais dos cidadãos", analisa Celia. Outros dados relevantes apontados no relatório em relação à saúde são a expectativa de vida ao nascer, que é de 73,8 anos, em 2011 esta expectativa era de 73,5. e as despesas do PIB em saúde, que vêm aumentando ao longo de uma década. Em 2000, era de 2,9% e em 2010 foi para a 4,2%. O movimento ‘Saúde Mais Dez' briga para que este índice chegue a 10%.
A relação entre a educação e saúde também é destacada no relatório. "De acordo com dados provenientes de todo o mundo, um melhor nível de instrução dos pais, em especial das mães, melhora a possibilidade de sobrevivência dos filhos. Além disso, as mulheres que trabalham e as que têm um nível de instrução mais elevado (que tendem a concluir a escolaridade antes de terem filhos) têm provavelmente menos filhos. As mulheres instruídas têm, também, filhos mais saudáveis, com mais probabilidades de sobrevivência, o que reduz o incentivo a uma família mais numerosa. As mulheres instruídas possuem também melhor acesso à contracepção e utilizam-na de forma mais eficaz", diz o texto.
Já especificamente na educação, assunto que causou polêmicas na última semana, os anos esperados de estudo são de 14,2, índice este que vem sendo permanente desde 2000. Além disso, outro item que permaneceu estagnado foi a média de anos de escolaridade que é o 7,2 desde 2010. Na educação, o PIB dedicado à educação foi de 4,0 em 2010 e 5,7 em 2010. Vale lembrar que no final do ano passado foi aprovado na Câmara dos Deputados o projeto do Plano Nacional de Educação (PNE) que dedica 10% do PIB para a educação até 2020. O projeto de lei tramita no Senado desde setembro. "Realmente, crescer não é o mesmo que se desenvolver. É preciso saber se estamos criando capacidades para sustentar o crescimento, se o crescimento está se convertendo em bem-estar social, se as desigualdades estão diminuindo, se chagas como a pobreza e a miséria estão sendo eliminadas, se a população conta com direitos civis e políticos efetivos, se há equidade de gênero, se a democracia é vigorosa etc. Certamente um PIB mais robusto ajuda a financiar o bem-estar social e concorre para o desenvolvimento, sobretudo se é gerado em um contexto de crescimento redistributivo, em que a renda é menos concentrada e as pessoas têm oportunidades relativamente iguais para se desenvolver", analisou Célia da UFF.