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Casa da Morte quer ser Casa da Vida

Local que abrigou diversas torturar na época da Ditadura em Petrópolis (RJ) pode ser transformado em Centro de Memória.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 13/03/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

"Ninguém saía vivo da casa". As palavras do Dr. Teixeira, codinome do major do Exército Rubens Paim Sampaio em relato à Comissão Nacional da Verdade, apontam a regra que comandava a casa localizada na rua Arthur Barbosa, 668, bairro de Caxambu, no município de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, durante a ditadura civil-militar. A Casa da Morte, que traz em sua história mais de 20 mortes e apenas uma sobrevivente, luta para virar "casa da vida", como aponta o teólogo Leonardo Boff, um dos coordenadores do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), que está conduzindo o processo junto à prefeitura de Petrópolis, a Comissão Estadual da Verdade, e mais recentemente, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Os dados descobertos até hoje sobre a localidade foram recolhidos, principalmente, pelos testemunhos de Inês Etienne, única sobrevivente, da casa, à Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e de um de seu torturadores, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, mais conhecido como "Doutor Pablo", em entrevista ao jornal O Globo. Outras referências sobre o local apareceram em entrevistas e livros de colaboradores do regime, como o oficial médico Amilcar Lobo, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) e o delegado da Polícia capixaba Cláudio Guerra, aponta o CDDH.

De acordo com os depoimentos, os mortos eram esquartejados e enterrados nos arredores da casa, que pertencia ao alemão Mario P. C. R. Lodders, ligado ao integralismo e acusado, inclusive, de ser espião nazista. A casa foi emprestada a Fernando Ayres da Motta, um ex-comandante da Panair do Brasil, uma empresa de aviação aérea subsidiária de uma empresa norte-americana , que a cedeu ao Centro de Informações do Exército. O presidente da Comissão Estadual da Verdade do RJ, Wadih Damous, defende que reconhecer a casa é reconhecer o nosso passado. "Este é apenas um passo do que devemos às famílias e à memória das pessoas que sofreram violência do Estado. Junto a isso, precisamos pressionar a abertura dos arquivos para podermos fazer diversas outras iniciativas', explica.

Para transformá-la em centro de memória, já foram dados alguns passos: o primeiro foi a promulgação de um decreto por parte da prefeitura de Petrópolis,que declara a casa de interesse público e, mais recentemente, foi realizada a avaliação do imóvel, que, de acordo com o levantamento, está em R$ 1,2 milhão. Uma vez sendo adquirida, já foi aprovada pelo Congresso uma emenda ao Orçamento, apresentada pela deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB -RJ), destinando R$ 600 mil para a restauração, reforma e organização da casa. "Essa verba não pode ser utilizada para a desapropriação da casa. O que precisamos agora é saber quem vai pagar a conta da compra da casa", explica Rafael, que acrescenta: "A Secretaria de Direitos Humanos propôs recentemente um grupo de trabalho que engloba a procuradoria do município de Petrópolis, a secretaria de direitos humanos do RJ, a secretaria nacional, Ministério Público Federal e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)para a discussão do tema".

Rafael explica que o projeto do grupo de trabalho que discute a transformação da casa da morte em um centro de memória é que ela não seja transformada em museu. "Queremos fazer um espaço vivo, um lugar onde os jovens de hoje, que também sofrem violências do Estado, possam fazer atividades, além de contar com um acervo histórico", explicou.

Outras iniciativas brasileiras

Além da Casa da Morte, ainda no Rio de Janeiro, está em processo de construção um outro centro de memória no prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), localizado no Centro da cidade. O prédio, em fase de restauração, está ainda em disputa pela Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio), que defende a criação do Centro, e pela Polícia Civil, que pretende inaugurar ali o Museu da Polícia. Em nota, a polícia civil se pronunciou informando que concorda em ceder parte do local para a CEV. "Ficou acordado que parte do terceiro andar do Palácio da Polícia será destinado à comissão", informa.

Em São Paulo também foi criado o Museu da Resistência, no extinto Dops. E, de acordo com a CNV, ainda está em andamento a destinação do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio e de São Paulo, e do Dops de Minas Gerais como espaços de memória . Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o Centro de Memória Ico Lisboa, que transformou o chamado antigo ‘Dopinha', foi inaugurado em dezembro de 2013. O imóvel, que na década de 1960 abrigou um centro clandestino de tortura e desaparecimento, que, de acordo com os pesquisadores do local, foi o primeiro da América Latina. Ela foi financiada pela prefeitura de Porto Alegre e pelo governo do Rio Grande do Sul.