Durante o seminário que discutiu, ao longo do último dia 29 de março, o caso TKCSA, a siderúrgica que vem sendo acusada de causar danos à saúde e ao ambiente na região de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, foi algumas vezes chamada simplesmente de TK – parte da sigla que se refere ao grupo alemão Tyssenkrupp. Noutras ocasiões, pesquisadores e integrantes de movimentos sociais se referiram à fábrica como CSA, que significa Companhia Siderúrgica do Atlântico. Embora as duas abreviações da sigla estejam corretas, elas não são precisas num aspecto crucial: não apontam a Vale como uma das proprietárias da siderúrgica. A menção ao nome da megamineradora brasileira ganha importância quando se lembra que a Samarco, dona da barragem que se rompeu no ano passado em Minas Gerais e causando um dos maiores acidentes ambientais da história do Brasil, também é de propriedade da Vale. Dispostos a analisar a atividade da TKCSA dentro do contexto maior da produção mundial de commodities e as consequentes injustiças ambientais decorrentes do modelo adotado na América Latina, uma das mesas da parte da tarde no seminário questionou, diante dos desastres que temos assistido, a validade desse modelo. A discussão foi precedida de uma mesa que abordou outros aspectos econômicos e jurídicos do caso TKCSA.
Ao abrir a mesa de debates, na parte da tarde do seminário, o pesquisador Henri Acselrad, do Ippur/UFRJ, fez uma explanação sobre o avanço da lógica neoliberal sobre os direitos nas últimas décadas, uma conjuntura da qual a TKCSA é um exemplo emblemático. “As reformas neoliberais dos anos1990 favoreceram a liberação das forças econômicas para que pudessem efetuar uma espécie de chantagem de localização dos investimentos em nome da geração do emprego a qualquer custo. Esse, por sinal, foi o caso da atração da TKCSA pelo Brasil, muito festejada, à época, a despeito de saber tratar-se de uma tecnologia ultrapassada, recusada no país sede da empresa, no caso a Alemanha. Para facilitar essa atração, foram flexibilizados dispositivos legais, mexeu-se no zoneamento industrial, editou-se um decreto que permitiu intervenção excepcional numa área de preservação permanente enquadrando esse complexo siderúrgico como sendo de utilidade pública. Essas estratégias liberais, hoje dominantes, esforçam-se por substituir a cultura dos direitos, criada ao longo de uma dinâmica de lutas sociais, pela defesa estrita do direito privado de propriedade, ao qual se remete com frequência.”
A promotora Vanessa Martins, do Ministério Público do Rio de Janeiro e integrante do grupo de atuação especializado em meio ambiente (Gaema), apresentou, em seguida, uma fala técnica sobre o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a partir do qual a TKCSA opera. “Em um TAC, só se tem espaço para negociar tempo, lugar e forma, mas o núcleo rígido das obrigações não é negociável, porque o poder público, que é o tomador do compromisso, é regido pela legalidade estrita. Então, o Estado não pode negociar com o núcleo rígido do direito ao meio ambiente e não pode prever obrigações que sejam menos do que a reparação integral do meio ambiente ecologicamente desequilibrado. Parece que existe um certo abuso na celebração e renovação indefinida de TACs. Em tese, o tomador de compromisso pode negociar a forma e o prazo, só que esse prazo é tão repetidamente concedido que acaba violando o próprio direito ao meio ambiente, porque o prolongamento da indefinição de uma situação no tempo faz com que o próprio meio ambiente venha a ser irreversivelmente lesado.”
Também abordando as contradições do uso do TAC, Karina Kato do CPDA/UFRJ e do PACS afirmou que o termo tem sido utilizado pela TKCSA como um substituto da licença ou um licenciamento às avessas. “Como uma empresa siderúrgica, que é a maior da América Latina, que tem duas ações penais, com inúmeras ações na defensoria, com várias denúncias, até no parlamento europeu, na ONU, funciona a plenos vapores, há seis anos? Na verdade, o TAC tem sido utilizado como uma estratégia para evitar o licenciamento. Eu me lembro de uma audiência em que se chamou a atenção para um erro do projeto. Então, o TAC é uma tentativa de um remendo nesse projeto malfeito.”
Por fim, Karina lembrou que, em algumas semanas, o prazo do TAC vencerá e a TKCSA pode conseguir uma Autorização Ambiental de Funcionamento para operar. A pesquisadora fez um apelo aos presentes para que não esmoreçam em sua luta contra a injustiça ambiental que tem vitimado a população vulnerável de Santa Cruz. “Temos que lutar para que a Baia de Sepetiba não vire uma grande lixeira que simplesmente exporta as riquezas brasileiras e degrada tudo que está em volta e mata as pessoas que ali estão.”
Coordenada por Justa Helena Franco, diretora do Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN), a última mesa do seminário propôs uma reflexão sobre a mineração no Brasil fazendo um paralelo entre as ações da TKCSA em Santa Cruz e o desastre da barragem da Samarco, que se rompeu no ano passado, em Minas Gerais. Ao chamar os integrantes da mesa, Justa Helena fez um breve balanço das discussões travadas ao longo do dia, no seminário. “Nosso tempo para a próxima mesa será curto, mas, felizmente, isso aconteceu devido à grande participação de todos nos debates. Vocês estão de parabéns, porque o interesse de vocês fez com que a gente avançasse no tempo.”
O primeiro a falar foi Luiz Jardim, do grupo Política, mineração, ambiente e sociedade (PoEmas). Ao comparar o desastre da Samarco com o caso TKCSA, Luiz mostrou as diferenças e semelhanças entre eles. “No caso da TKCSA, temos um desastre de tempo lento. No caso da Samarco, foi um desastre de tempo rápido. Curiosamente, o desastre de tempo rápido causa maior impacto visual e chama mais atenção. Falamos muito de Mariana nos últimos meses, mas a TKCSA pouco é falada. Parece que ninguém vê. Mas o que une os dois empreendimentos são as redes que os constituem. Trata-se de uma rede minerosiderúrgica que busca a exportação, principalmente e pertence a um modelo de desenvolvimento que visa uma intensificação da exploração dos recursos naturais. Temos as diretrizes do plano nacional de mineração até 2030, que visam aumentar a exploração e a produção de ferro em três vezes até 2030”.
O pesquisador do Cesteh/ENSP Marcelo Firpo participou também dessa mesa e destacou as contradições da adoção desse modelo de exploração de recursos naturais no Brasil. “Eu tenho trabalhado com o tema dos riscos e a inserção brasileira na divisão internacional do trabalho, com essa nova onda de retorno a uma economia primária e intensificação da exploração do trabalho e da natureza. Na América Latina, nós temos o petróleo, a mineração, o aço bruto, o agrotóxico, tudo colocado a serviço, inclusive, de grupos de governos de esquerda que utilizam esse discurso do desenvolvimento e do produtivismo para justificar um certo tipo de política social de redução de miséria e aumento de investimento em educação, o que em parte é verdade, mas é uma grande cilada. A TKCSA é a concretude dessa cilada do modelo de desenvolvimento.”
Luís Paulo, do Movimento dos Atingidos pela Mineiração (MAM) também abordou o modelo de exploração de recursos naturais adotado em nosso país. “Para as grandes corporações vale muito a pena a manutenção desse modelo de exploração de commodities, primeiro porque são riquezas raras, que não existem em outros lugares do planeta. Por isso a voracidade do grande capital. Além disso, há um baixo custo de exploração, o que garante para essas corporações a obtenção de lucros extraordinários. Agora, se perguntarmos se vale a pena para a sociedade em geral, para o povo brasileiro, definitivamente não vale, por diversos motivos, a começar pela forma em que é orquestrado esse modelo. Não é feito pelo povo e para o povo. É um modelo em que nossas riquezas se vão e a pobreza fica.”
Encerrando a mesa, Getúlio Vargas Pereira Jr., do Sindicato Metabase Inconfidentes, relatou o que as comunidades de Minas Gerais vêm sofrendo com esse modelo de mineração. “Em Congonhas, a CNS descarrega toneladas de poeiras em cima das casas. Na região, Congonhas é conhecida como a cidade suja. Se você esbarrar em uma parede, pode ter certeza de que vai sujar sua roupa com algum rejeito da mineração. Temos alternativa para esse modelo? Nós acreditamos que existe uma alternativa econômica e social diferente. Agora, esse é um projeto que não se constrói acreditando que ele vai vir de um decreto do governo federal. Temos uma ferramenta e uma saída: a luta organizada da classe operária, dos trabalhadores da siderurgia, com os movimentos sociais, com as comunidades. Temos que construir uma forte unidade entre trabalhadores, comunidades, academia e todos os setores sociais que querem fazer parte da construção de um novo modelo. É uma luta contra esse sistema que só visa lucro e só destrói as nossas vidas.”
* Matéria reproduzida do site ENSP/Fiocruz