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Curso de Agentes Comunitários Indígenas de Saúde encerra primeira fase

Alunos concluem etapa do ensino médio e seguem na parte técnica.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 27/04/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Desde a cha Formaturamada colonização, a relação com os indígenas sempre foi um processo de imposição da cultura, educação e religião. Depois de muitos movimentos em prol dos direitos à diferenciação étnica, o processo educacional é um dos que vem evoluindo a passos pequenos, mas já com grandes conquistas. Exemplo disso é a formação da primeira turma do projeto-piloto do Curso Técnico de Agente Comunitário Indígena de Saúde (CTACIS) do Alto Rio Negro, no Amazonas, que concluiu a parte do ensino médio em cerimônia realizada no dia 30 de março, em São Gabriel da Cachoeira.

O curso está sendo realizado pela EPSJV/Fiocruz em parceria com a o Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), a Secretaria de Educação do Amazonas, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, o Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (DSEIRN), e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). A formação, que está sendo dividida em duas fases: ensino médio e ensino técnico, certificou 153 Agentes Indígenas de Saúde (AIS) no ensino médio. Esses alunos se juntarão a outros 47 estudantes para concluir a etapa técnica do curso. "Reunir instituições e parceiros foi um exercício nada fácil, com experiências e expertise diferentes. O exercício de aproximação entre os campos de educação e saúde foi interessante e necessário para que fosse construída uma proposta coerente e dentro da legalidade", comentou um dos coordenadores do curso e pesquisador do ILMD/Fiocruz Amazônia, Sully Sampaio. O curso teve autorização para funcionamento e foi reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação - CEE/ AM e Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena - CEEI/ AM.  

Sobre o curso

O Curso Técnico de Agentes de Saúde Indígena surgiu em 2007 nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Além das parcerias citadas acima, o processo de construção do curso contou com a participação de alunos e professores de escolas indígenas por meio de oficinas. No total, são 1440 horas em modalidades presencial e semipresencial em um formato que reafirma também a interculturalidade, bilinguismo, relação dialógica, especificidade e diferença, diversidade cultural, além de priorizar a pesquisa e o trabalho como princípios educativos. 

Ao final do curso, 200 alunos terão título de técnicos em Agentes Comunitários Indígenas de Saúde, pertecentes às etnias tukano, wanano, tuyuka, piratapuia, dessano, kubeo, taraiano, baré, baniwa, werekena, coripaco, hüpda e Nadeb, residentes em comunidades indígenas da área de atuação e abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro. O curso é dividido nos eixos cuidado; política; cultura; território e informação, planejamento e educação em saúde. "A questão do aumento da escolaridade de indígenas na região do Alto Rio Negro é antiga. O movimento dos professores indígenas avançou neste sentido, enquanto os Agentes de Saúde nunca conseguiram. A FOIRN, notando que os processos de formação de agentes de saúde eram desfragmentados e descontínuos, procurou o ILMD/ Fiocruz Amazônia questionando sobre a possibilidade de oferecer um curso de formação para os Agentes de Saúde visando à profissionalização a partir do aumento dos níveis de escolaridade dos agentes", comentou Sully. O coordenador explica que a partir daí, o Instituto passou a buscar parcerias para a execução da proposta.

Para a construção do curso, muitos projetos foram desenvolvidos com o conjunto de instituições. O livro, "Saúde Indígena: uma introdução ao tema ", organizado pela professora-pesquisadora da EPSJV Ana Lucia Pontes e a pesquisadora do ILMD Luiza Garnelo, ambas e coordenadoras do CTACIS, traz reflexões sobre a saúde indígena que resultaram da construção do curso. Outras movimentos como a Assembleia da Associação dos Agentes Indígenas de Saúde do Alto Rio Negro, em 2008, e o Seminário Povos Indígenas, Saúde e Educação: a formação profissional do Agente Indígena de Saúde, em 2011, entre outras iniciativas, contribuíram para a reflexão sobre a formação dos Agentes Indígenas de Saúde. 

Temáticas específicas

 Por ser um curso diferenciado, as temáticas abordadas também devem refletir o cotidiano dos indígenas. De acordo com Ana Lúcia Pontes, a epidemiologia dos povos indígenas da região foi levada em conta. "São muitos problemas que têm maior prevalência nessa população. Estamos em uma fase do curso técnico que focamos na vigilância alimentar e nutricional. O principal problema hoje é a desnutrição", fala. 

A professora detalha que doenças como tuberculose, diarreia e malária também são recorrentes nas populações indígenas, mas os problemas como a anemia e o alcoolismo acabam chamando atenção em relação aos demais. "A formação discute questões como prevenção de doenças e do alcoolismo e promoção de ambientes saudáveis. Além disso, o curso busca uma dimensão política, de estímulo às lutas indígenas conjuntamente com associações indígenas e outros", conta Ana Lúcia. 

O professor-pesquisador da EPSJV Felipe Machado, do Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde (Laborat), acrescenta ainda que as parcerias na construção deste curso devem ser lembradas como aspecto importante e grande diferencial na proposta. "O trabalho da ESPJV junto às lideranças indígenas, os trabalhadores, além da incorporação e parceria dos movimentos sociais nessa ação fez com que pudéssemos construir um curso mais rico e que respeitasse e reconhecesse as características dos grupos, os conhecimentos e as particularidades de cada um", ressalta. 

O perfil e o papel do técnico 

Os Agentes Indígenas de Saúde teêm papel fundamental nas comunidades onde vivem e atuam. Agravantes como a dificuldade de acesso às aldeias faz com que a presença de um profissional como este seja crucial para a atenção em saúde nas regiões. A vivência, conhecimento da língua, familiaridade com os conhecimentos tradicionais potencializa essa ação dos AIS. 

 

A grade curricular do curso obedece a parâmetros de formação de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes Indígenas de Saúde propostos pelo Ministério da Saúde. "Como se trata de um curso técnico, o diferencial é a oferta do Ensino Médio, com aumento da escolaridade e profissionalização dos alunos egressos", complementa Sully. Segundo ele, esta é uma iniciativa pioneira, tendo em vista que, em experiências anteriores, não houve possibilidade de aumento de escolaridade. 

Os formandos, após concluírem a segunda etapa do curso, trabalharão com a vigilância em saúde dos povos indígenas das comunidades do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro, com cerca de 700 assentamentos, visando desenvolver ações de cuidado, educação, promoção da saúde e prevenção de doenças. "O curso é oferecido aos agentes de saúde que possuem contratos com a SESAI e a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, portanto, continuarão atuando em seus locais de origem, fazendo a vigilância em saúde de suas comunidades", explica Sampaio. 

Próximos passos do programa

A previsão é de que a turma conclua a etapa do ensino técnico no final de 2013. Apesar de ser um projeto piloto, como a iniciativa foi exitosa, já está despertado interesse de outros órgãos. "A Secretaria de Educação do Amazonas recebeu proposta de mais dois distritos e o pessoal de Angra dos Reis (Rio de Janeiro) me procurou. Mas, a princípio, não pensamos em executarmos o projeto em outros lugares. Queremos produzir material e compartilhar nossas experiências para que nosso conhecimento adquirido possa ser adaptado ou refletido para outros lugares", diz Ana Lúcia Pontes. 

De acordo com a pesquisadora, um seminário já está sendo pensado para discutir a proposta formativa do curso e compartilhá-la com outras Escolas Técnicas de Saúde (ETSUS). "Há uma discussão sobre a formação profissional do AIS, se deve ser feita somente uma formação inicial ou formação técnica, qual seria o perfil, qual nível de escolarização", observa.

Conheça mais sobre os agentes indígenas de saúde na série Profissões do site da ESPJV e da edição de nº 10 .