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Direito à alimentação, saúde e agroecologia em pauta na EPSJV

Seminário organizado por Fiocruz, Articulação Nacional de Agroecologia e Associação Brasileira de Agroecologia reúne movimentos sociais, governo e academia para discutir o desafio de promover políticas para o enfrentamento da insegurança alimentar com participação social
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 31/03/2023 12h44 - Atualizado em 31/03/2023 12h58
Foto: Virginia Damas (CCI/Ensp/Fiocruz)

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) sediou na última terça-feira (28) o seminário “Direito Humano à Alimentação Adequada, Agroecologia e Saúde: políticas públicas de futuro”. Organizado pela  Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em conjunto com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), durante o evento foram apresentadas e debatidas iniciativas desenvolvidas pelas instituições nos últimos anos a partir da interação entre agroecologia e saúde coletiva. Reunindo representantes de organizações da sociedade civil, da academia e representantes de diferentes ministérios, o seminário foi uma oportunidade de refletir e propor caminhos para cumprir com alguns dos compromissos políticos apresentados pelo governo federal que tomou posse em janeiro desse ano, como o de superação da fome, que voltou a patamares elevados nos últimos anos, da promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional, do fortalecimento do Sistema Único de Saúde, do enfrentamento das desigualdades sociais e do fortalecimento da democracia, com aperfeiçoamento dos mecanismos de participação social.  

Recém-eleito para ocupar o cargo de presidente da Fiocruz após a saída de Nísia Trindade de Lima para a chefia do Ministério da Saúde, Mario Moreira destacou a centralidade da agroecologia dentro da Fundação e como estratégia para o combate à fome no país. “A fome é algo inaceitável e que tem que ser prioridade absolutamente zero. O presidente Lula já tem dado sinais claros dessa prioridade, não só do ponto de vista do papel do Estado brasileiro, mas também de uma mobilização social, que é fundamental. Neste processo de reconstrução, o governo sozinho não vai dar conta; todos os movimentos sociais, os segmentos da sociedade têm que estar engajados no esforço de botar o país no trilho de outro padrão de desenvolvimento: inclusivo, que reconheça a profunda desigualdade do país”, afirmou Moreira. 

André Búrigo, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz, chamou a atenção para a existência de mais de 100 experiências que trabalham com agroecologia na Fundação. “Esse encontro veio da vontade de lançar, de forma conjunta, um olhar para o trabalho em rede realizado nesses últimos anos. Necessitamos de uma ruptura do sistema alimentar dominante, e transicionar para sistemas agroalimentares mais agroecológicos. Quem diz isso é o SUS”, disse Búrigo.

Paulo Petersen, do núcleo executivo da ANA, destacou a oportunidade de reabrir canais de diálogo com o governo federal após um ciclo de desconstrução de políticas públicas de base agroecológica ao longo dos últimos anos. “A agroecologia é o veículo pelo qual relações democráticas serão construídas dentro da sociedade. É pelas políticas que temos a possibilidade de criar ambientes democráticos dentro dos territórios”, afirmou.

Virginia Damas (CCI/Ensp/Fiocruz)

Papel do Estado

Ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo de Dilma Rousseff, Tereza Campello, que atualmente integra o conselho de administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) defendeu que a transição do atual modelo de produção alimentar para um modelo agroecológico é fundamental para o combate à fome e ao desmatamento, e lembrou do papel do Estado na promoção do modelo do agronegócio. “Quando a gente olha cada grão de soja, está lá embarcado um subsídio gigantesco de investimento da Embrapa, das nossas instituições de pesquisa federais, da garantia de preço mínimo, isenção fiscal, crédito subsidiado… Cabe ao Estado ser promotor desta transição. Transição segura, responsável, para produzir de forma sustentável, não agressiva ao meio ambiente, que respeite a biodiversidade, que promova emprego verde”, afirmou. E completou: Temos um desafio de falar que a transição pra agroecologia é urgente e não vai acontecer se falarmos para nós mesmo. Temos que colar na pauta de saúde”.

A secretaria-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAAF) Fernanda Machiavelli garantiu que há um compromisso do governo federal com a agroecologia e o diálogo com movimentos sociais e sociedade civil para construção de políticas públicas que tenham como foco o direito à alimentação e a produção de alimentos saudáveis e sustentáveis. Segundo ela, abril será um mês marcado por anúncio de políticas para reforma agrária e que em maio o Plano Safra vai vir com a marca do alimento saudável, trazendo “uma marca não só da reconstrução, mas também dessas políticas de nova geração que a gente está desafiada a construir”, disse.

Silvio Porto, diretor-executivo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) defendeu que a decisão do governo federal em realocar a Conab do Ministério da Agricultura e Pecuária para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar sinaliza um passo na direção de uma guinada das políticas de abastecimento “O estrago foi muito grande nesses últimos seis anos, é um enorme desafio voltar a uma perspectiva que é possível fazer algo diferente. Mais da metade da população brasileira em algum nível de insegurança alimentar. “Estamos em um processo de redução de alimentos cruciais, como arroz, feijão, mandioca, que são importantíssimos na nossa base alimentar. Sem falar nos produtos regionais - frutas, verduras, raízes, legumes -, tão presentes e relevantes na nossa alimentação e que estão se perdendo, fruto de um processo hegemônico da indústria de alimentos e do crescimento avassalador das grandes redes de supermercados”, destacou Porto. Ele apontou que o governo federal deve lançar até maio um programa voltado a promoção da agricultura familiar e agroecológica. “Até o fim de maio teremos um bom desenho sobre uma política capaz de resolver esse desafio, em diálogo com movimentos sociais e com diferentes setores do governo”, garantiu.

Lilian Rahal, secretária de segurança alimentar e nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), reforçou a necessidade de se recolocar a segurança alimentar e a sustentabilidade como centrais, a partir da recomposição de programas como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa de Cisternas e o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Ela também deu destaque para a reinstauração do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), anunciadas recentemente pelo governo federal, e cobrou uma maior articulação entre diferentes setores do governo. “Precisamos ter uma articulação mais efetiva entre o SUS, o SUAS [Sistema Único de Assistência Social], o SISAN [Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional], para encaminhar pessoas em situações de desnutrição”, disse.

Virginia Damas (CCI/Ensp/Fiocruz)

Iniciativas agroecológicas são tema de publicações

O seminário também foi uma oportunidade para fazer a divulgação de iniciativas desenvolvidas pela Fiocruz e pela Articulação Nacional de Agroecologia. Uma delas foi um conjunto de publicações lançada pela ANA em 2022 que trouxeram o tema das políticas voltadas ao fortalecimento da agroecologia em âmbito municipal, estadual e federal e fizeram um inventário dos retrocessos dos últimos anos. O documento ‘Brasil, do flagelo da fome ao futuro agroecológico’ reúne os principais atos de desmonte de políticas públicas federais de apoio à agricultura familiar, à agroecologia e à segurança alimentar e nutricional no país, além de fazer um levantamento de propostas do movimento agroecológico para reconstituição e aprimoramento de propostas de base agroecológica no país. Outras duas publicações sistematizam as políticas públicas e normativas que fortalecem a agroecologia nos níveis estadual (‘Entre desmontes e resistências’) e municipal (‘Municípios agroecológicos e políticas de futuro’).

Outro estudo apresentado durante o evento foi o ‘Tecendo Redes de Experiências em Saúde e Agroecologia’, da Fiocruz, ABA e ANA. A publicação partilha resultados de um processo de mapeamento e sistematização de experiências em saúde e agroecologia realizado entre 2020 e 2021, na plataforma do Agroecologia em Rede (AeR), iniciativa da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, ABA e ANA.

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