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Favela também é lugar de lutas ambientais

Evento debate problemas enfrentados por moradores de comunidades vulneráveis em relação á preservação ambiental e relança livro de Elmo Amador.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 25/06/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

 "A Baía está viva por causa das pessoas que vivem no entorno dela". Com as palavras e as ideias de Elmo Amador o encontro ‘A Luta da Favela pela Saúde Ambiental: Pela Participação Popular nos Comitês de Sub-bacia da Baía de Guanabara', no dia 21 de junho no Espaço Saúde, Ambiente e Sustentabilidade na Cúpula dos Povos apresentou os problemas socioambientais, as lutas e as ações das comunidades que vivem no entorno da Baía de Guanabara. A mesa contou com representantes do Morro do Alemão, de Manguinhos, da Maré e da Vila Residencial do Fundão, além do professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Alexandre Pessoa, todos integrantes do Grupo da Sub-Bacia do Canal do Cunha. 

Na abertura, Edson Gomes, da Ong Verdejar - Proteção Ambiental e Humanismo, explicou um pouco da história e atuação na preservação da Serra da Misericórdia, no Complexo do Alemão. Ele apontou também como um dos pontos críticos na região a falta de saneamento básico e que, para contornar a situação, a Verdejar busca versões alternativas para suprir a falta do Estado. Gomes lembrou também da campanha "O Lago é Nosso", que reivindicou o direito da utilização de um lago recentemente descoberto no Complexo do Alemão e a vontade dos moradores de transformá-lo em área de lazer. No entanto, segundo ele, o Estado criminalizou o espaço, chamando-o de "piscinão do tráfico". A principal bandeira da Ong hoje é criar um Parque Ecológico na Serra da Misericórdia, além da desativação das mineradoras da região. "Quando vamos defender o nosso projeto, as pessoas perguntam se existe lugar para lutar para o meio ambiente na favela. É claro que a gente enfrenta questões ambientais, mas temos a vulnerabilidade. Somente no Morro do Alemão existem 15 nascentes e muitas delas estão poluídas. Temos diversos espaços que poderiam ser área de lazer, mas estão cheios de lixo", protestou.

Problemas ambientais e de saúde também são compartilhados pela população de Manguinhos. Darcília Alves, representante do Fórum de Manguinhos, complementou que a região é formada por 13 favelas e que apenas uma recebeu os investimentos do PAC. "Nós tivemos a obra do PAC, mas não supriu as nossas necessidades. Espero que o poder público olhe para a gente porque somos sobreviventes em Manguinhos", lembrou. 

Para Carlos Alberto, professor de física do Centro de Estudos de Ações Solidárias da Maré (Cead) o acúmulo de lixo, o odor forte, as enchentes, são alguns dos problemas vivenciados pelos moradores da Maré, mas, para enfrentá-los, é necessário mais consciência. "Hoje o termo favelado é pejorativo. Isso mostra como a favela é deixada de lado. Precisamos participar das grandes decisões do nosso espaço porque depois só recaem sobre nós as consequências", levantou.

Ressaltando pontos importantes da história da Vila da Sapucaia, na Ilha do Fundão, uma das representantes da comunidade, Rejane Gadelha, relembrou que a especulação imobiliária vem crescendo a cada década desde 1970. Além disso, desde 2000, quando deu início ao processo de remoção da comunidade, algumas conquistas foram alcançadas, mas destas, muitas já foram re-significadas. "Com o processo de remoção da comunidade que aconteceu em 2000, nós resgatamos a história da comunidade para mostrar nossa relação com o território era de direito e, com isso, construímos uma identidade. Só que no decorrer destes 10 anos nossas bandeiras foram resignificadas pelas nossas próprias conquistas como, por exemplo, a urbanização. Nós conquistamos uma urbanização que garantiu uma elevatória de esgoto, que não atende só a nós como também um parque industrial e isso traz uma série de problemas, explicou.

De acordo com Rejane, a localização geopolítica do território é um dos pontos relevantes para a disputa pelo local, que agora, enfrenta a questão da regularização. "O que estão querendo oferecer para nós é uma falácia por meio de uma regularização contratual que virá com uma remoção posterior. Em 2000, a ideia era nos levar para Itaguaí, agora não temos nem ao menos para onde ir", explicou.

Pertencimento do território

 Com a introdução do vídeo Olhar do Mangue , o pesquisador social Beto Aranha contou sobre o seu projeto de preservação da fauna e flora do mangue da Baía de Guanabara. A cada três meses, Beto organiza passeios pelo manguezal para crianças, jovens e adultos que aprendem um pouco sobre as espécies de animais e de vegetação local e ainda compartilham lições de preservação do ecossistema. "Muitas crianças que passaram por aqui mudaram a visão do local, passam a conhecer os animais como, por exemplo, os caranguejos, e, a partir daí, se preocupam com a preservação", diz. Aranha defende a ideia de que a escola deveria ter em sua grade curricular a história dos territórios em que estão inseridas. "Com essa aproximação, as crianças passariam se sentir parte de onde vivem e cuidariam mais de seu território".

Alexandre Pessoa acrescentou que o papel das instituições também engloba a questão socioambiental dos territórios vulneráveis e que a comunidade precisa estar envolvida. "É um engano pensar que o conhecimento vem somente da academia e das escolas. O Estado deve reconhecer que o saber também vem da comunidade, que é um lugar que se constitui na história de vida desses moradores", afirmou. O pesquisador lembrou de uma conversa com um colega de trabalho sobre a questão da luta ambiental das favelas."Quando ele me perguntou se a comunidade está preocupada com o meio ambiente, eu fiquei impressionado com a visão que academia tem das comunidades. Minha resposta foi que as comunidades discutem meio ambiente todos os dias, antes e depois da Rio+20", enfatizou.

Amador, presente!

No mesmo dia, em forma de homenagem a um dos ambientalistas que mais defendeu a Baia de Guanabara, foi relançado o livro ‘Baía de G uanabara: Ocupação histórica e avaliação ambiental', de Elmo Amador. Com a presença da família e amigos, a homenagem foi saudada também por poesia e música.

A esposa do ambientalista, Zumira Amador ressaltou a particularidade do ambientalista de estar sempre aberto a movimentos sociais. "Gostaria de agradecer a continuidade que meus filhos estão dando ao trabalho do pai. Ele sempre foi contra o capitalismo e a favor da coletividade", contou.

Alexandre Pessoa lembrou o momento em que conviveu com o ambientalista e o legado deixado por ele. "Muitas organizações que existem hoje, inclusive as que estavam presentes hoje aqui, são frutos do trabalho de Elmo e de sua dedicação pelos ecossistemas e manguezais", comentou.

De acordo com o filho, o livro, fruto de sua tese de doutorado escrita em 1997, virou uma referência por abordar vários aspectos geológicos, ambientais e históricos do local. O lançamento oficial está previsto para agosto deste ano. "É muito importante ver a continuidade das lutas ambientais que meu pai travava. Achamos que tinha tudo a ver integrar esses dois eventos. A obra mostra que os pescadores e a população de periferia são os que mais sofreram e ainda sofrem com os impactos socioambientais", levantou.

Agenda:

No dia 11 de julho, às 14h, o Grupo da Sub-Bacia do Canal do Cunha se reunirá na EPSJV. O encontro estará aberto a pessoas que queiram contribuir com o grupo.

 

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