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Formar para a agroecologia

Completa 27 anos neste dia 16 de abril, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, Pronera, que tem ajudado a fortalecer o debate a prática da agroecologia. Desde muito antes, no entanto, instituições de ensino, movimentos sociais e políticas governamentais já investiam em cursos e metodologias que ajudam a promover outra concepção de campo
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 15/04/2025 14h36 - Atualizado em 15/04/2025 15h15
Foto: IFPA

“Hoje nós temos um avanço na discussão que incorpora a agroecologia não apenas na matriz formativa, mas como concepção, como um projeto de campo, articulado a um projeto de sociedade”. A frase é de Gilmar Andrade, professor da Escola Família Agrícola do Sertão da Bahia (Efase), referindo-se ao projeto político-pedagógico dessas instituições de ensino que há mais de 50 anos atuam no Brasil rural. Mas a mesma conclusão poderia ser aplicada à análise mais ampla sobre o lugar que a agroecologia vem ocupando na formação da população do campo em geral. De acordo com um mapeamento feito por Romier Sousa, professor do campus Castanhal do Instituto Federal do Pará (IFPA), o Brasil tem hoje 43 cursos superiores ativos de agroecologia, sendo 33 de tecnólogo e dez bacharelados, distribuídos em 20 estados, além de 13 pós-graduações. Já segundo o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, que teve sua última versão atualizada em 2020, 243 instituições do país oferecem formação técnica nessa área, embora não necessariamente todos estejam com turmas abertas ou em andamento. Isso sem contar as experiências em que o debate sobre a agroecologia está presente de forma transversal e estruturante também no currículo de outros cursos. Certamente ainda há muito o que se caminhar, mas há avanços, que são resultados de décadas de lutas e disputas pela concepção e prática da educação no campo, num processo que atravessa diferentes fases da história mais recente do país.

Da carência ao pacote da Revolução Verde

“Praticamente não tinha escola no campo”. Até meados do século passado, esse era o retrato da zona rural brasileira, nas palavras de Romier Sousa. “E as poucas que havia formavam o sujeito para sair do campo e ir para a cidade”, completa o professor. De fato, o êxodo rural – que entre 1960 e 1980 fez cerca de 27 milhões de brasileiros migrarem para áreas urbanas –, não cessaria tão cedo, mas já nos anos 1950, o cenário da formação no campo começaria a mudar. Mundialmente, fortalecia-se naquele momento um modelo de mecanização do campo que prometia mais produtividade e progresso a partir da aplicação de um verdadeiro ‘pacote tecnológico’ que envolvia o uso de sementes melhoradas, adubos químicos e, principalmente, agrotóxicos. Era a ‘Revolução Verde’.. “Havia uma campanha no Brasil de que o nosso campo era extremamente atrasado, que os agricultores familiares viviam num processo de baixíssima produtividade agrícola e, consequentemente, baixa tecnologia e que havia necessidade de modernizar esse campo para que ele pudesse produzir alimentos em quantidade suficiente para alimentar toda a população e exportar seus excedentes”, explica Sousa, que ilustra: “Para que um milho híbrido chegasse ao seu potencial máximo de produtividade, por exemplo, ele precisaria ser adubado quimicamente. E obviamente que plantar um milho de monocultura em uma larga escala geraria ataque de pragas e doenças, então você precisaria usar agrotóxicos para combater”.

O fato é que para garantir a disseminação desse ‘pacote’ mundo a fora, era preciso ensinar os agricultores a aplicar essas técnicas e lidar com esses insumos. “Há toda uma estratégia norte-americana de formação de sujeitos que possam trabalhar com esse modelo”, resume Sousa. E a verdade é que essas inovações tiveram forte adesão. O resultado foi uma mudança profunda também na educação dessas áreas rurais, que envolveu principalmente a formação profissional, tanto de nível médio quanto superior. “A Revolução Verde conseguiu um certo sucesso na disseminação dessas tecnologias. Nós estamos em 2025, com todos os cientistas do mundo preocupados com as mudanças climáticas, e, ainda hoje, existem currículos de faculdade de agronomia e de escolas agrotécnicas extremamente tecnicistas, parecidos com o que existia nas décadas de 1970 e 80”, critica Sousa, ressaltando o poder de influência das grandes empresas que controlam o mercado de insumos dos quais esse novo modelo de produção agrícola é dependente.

Movimentos sociais do campo reagem

Passada a adesão, houve também reação. Ao longo dos anos 1980, multiplica-se o debate sobre uma “agricultura alternativa”, que fugisse desse modelo importado, resultando em diversos encontros sobre o tema promovidos por organizações de profissionais e estudantes de agronomia, professores universitários, técnicos, agricultores e movimentos sociais do campo. Foi só na década seguinte, no entanto, que as críticas ao modelo de produção agrícola e à concepção de educação que prevalecia nas áreas rurais se encontraram de forma mais orgânica. “Nos anos 1990, a partir principalmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST], começa-se a provocar cientistas, universidades e o governo sobre a necessidade de se pensar uma outra educação, porque aquela baseada na Revolução Verde mudava toda a lógica de produção e criava a dependência dos assentamentos em relação às indústrias, aos grandes empreendimentos do agronegócio”, conta Sousa. Um importante marco desse contexto foi o 1º Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária, realizado em 1997, em Brasília. Entre os 14 pontos do Manifesto construído no evento, estão a defesa de que haja escolas públicas em todos os assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, com participação da comunidade na gestão, e uma “identidade própria das escolas do meio rural, com um projeto político-pedagógico que fortaleça novas formas de desenvolvimento do campo, baseadas na justiça social, na cooperação agrícola, no respeito ao meio ambiente e na valorização da cultura camponesa”.

Alguns termos eram novos. E a mobilização social em torno do tema também. Mas a mudança que se pretendia instituir não era propriamente inédita: afinal, uma prática educativa muito próxima do que se demandava naquele momento já era realidade nas Escolas Família Agrícolas (EFAs), um modelo de instituição formativa rural que chegou ao Brasil no final da década de 1960, originalmente como uma iniciativa de setores progressistas da igreja católica, principalmente aqueles ligados à Teologia da Libertação. “A experiência [de uma outra prática pedagógica, voltada para uma agricultura alternativa] existia e era referência nos territórios [em que atuava], mas isso não tinha uma expressão nacional sistematizada”, afirma Gilmar Andrade.

Pois foi desse esforço de sistematização, em meio a todo esse caldo de debate e mobilização social que se intensifica com o fim da ditadura, que surgiria, como uma ‘bandeira’ de educadores e movimentos sociais, a concepção de Educação do Campo, que a diretora do campus Rural Marabá do IFPA, Maria Suely Gomes, resume como “uma educação construída com as populações do campo, que pense um currículo a partir da realidade do campo, que pense um projeto de sociedade a partir da agricultura familiar e da agroecologia, contrapondo-se ao agronegócio”.

O local e o global, ontem e hoje

IFPAFoi exatamente nesse contexto de afirmação da importância de uma Educação do Campo (e não apenas no campo) que nasceu a instituição que Gomes dirige, que tem desenvolvido experiências interessantes de formação em agroecologia na região Norte. De acordo com a diretora, sua criação, em 2007, é resultado direto das demandas e lutas dos movimentos sociais do campo, em sintonia com a mobilização em torno dessa pauta, que acontecia em vários cantos do país. “Não podemos pensar este campus desligado do movimento maior da Educação do Campo”, diz, explicando que naquele final da década de 1990, principalmente o MST e a Fetag [Federação dos Trabalhadores na Agricultura] identificaram a necessidade de se ter técnicos de agropecuária na região e, buscando garantir que essa formação atendesse aos interesses dos camponeses, passaram dez anos lutando junto ao governo federal para construir a escola agrotécnica que depois viria a se tornar Instituto Federal. E a prova maior da prioridade desse projeto é que, como não tinha lugar para se construir a escola, o IF foi instalado numa área de 354 hectares que pertencia a um assentamento da Reforma Agrária e foi doada ao governo federal por iniciativa do MST.

Hoje essa unidade do IFPA oferece dez cursos, construídos por demanda e em diálogo com os movimentos sociais locais, inclusive aqueles que representam as populações indígenas. Uma dessas formações, inclusive, elaborada a pedido desses movimentos, é o técnico em agroecologia integrado à Educação de Jovens e Adultos (Proeja), voltado para os Parakanãs-povo Awaeté, que já foi oferecido anteriormente para outro povo indígena, os Mundukuru. O Instituto oferece ainda o tecnólogo – que é de nível superior – em agroecologia e uma licenciatura em Educação do Campo.

Naquele longínquo final dos anos 2000, no entanto, a criação da escola não garantiu orçamento imediato para a oferta de cursos. Por isso, a primeira formação oferecida no que hoje é o campus Marabá Rural foi financiada com recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o Pronera, outra conquista da luta do movimento por uma Educação do Campo. “O Pronera é a primeira política pública do Estado brasileiro que motiva a criação de cursos profissionais em agroecologia”, diz Romier Sousa.

Pronera: a luta cria política pública

Criado em 1998, de certa forma como resposta à mobilização que se seguiu ao Massacre de Eldorado dos Carajás, o Pronera é voltado para assentados e acampados cadastrados pelo Incra, quilombolas reconhecidos pelo mesmo instituto e assentados do crédito fundiário, que é uma política do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). E, na origem, o Programa nem tinha o objetivo direto de promover um modelo alternativo de produção para o campo brasileiro. “O Pronera surge da necessidade de escolarização da população acampada e assentada na segunda metade dos anos 1990, começo de 2000”, conta a gestora nacional do programa, Clarice dos Santos, explicando que, por isso, o foco naquele período eram os cursos de Educação de Jovens e Adultos. Daí até 2010, segundo ela, torna-se fundamental a formação de professores para as escolas dos assentamentos, o que gerou maior investimento em cursos de pedagogia e licenciatura. “Você tem um povo já escolarizado, com nível médio, já se começa a construir escolas e a luta pelas escolas está associada a essa necessidade de formação de educadores”, diz. O momento seguinte, de acordo com Santos, foi de intensificação da demanda por formações, de nível médio, superior ou mesmo de pós-graduação, voltadas para um “outro paradigma de produção agrícola”. “Então começam os cursos de agroecologia e agrofloresta”, conta.

Ao longo dos seus 27 anos de existência, o Pronera financiou muitos cursos diferentes que, embora não necessariamente formem na área específica de agroecologia, por serem desenvolvidos a partir da demanda e iniciativa dos movimentos sociais, em geral estão voltados para o debate de outras alternativas para o campo brasileiro. Clarice Santos explica que, neste momento, além de reestruturar o programa, que, segundo ela foi profundamente enfraquecido durante o governo anterior, uma das prioridades é a promoção de cursos que respondam ao desafio das mudanças climáticas. E a agroecologia é parte essencial nesse debate. “Mais do que nunca, temos a necessidade de um novo projeto em relação a essas tragédias e emergências que o Brasil está vivendo, e que, na nossa concepção, são em grande parte provocadas por esse modelo devastador e desmatador, que expulsa populações das suas áreas, que é contra os povos indígenas e contra a natureza como um todo”, diz. Outra prioridade para esse período, segundo a gestora, é o incentivo a formações na área da saúde, tendo como referência tanto o aprendizado a partir da recente pandemia de covid-19 quanto o amadurecimento da compreensão dos movimentos sociais sobre a “profunda implicação que existe entre alimento e saúde”. “Estamos falando de um outro projeto de agricultura, uma forma de produzir comida saudável, comida de verdade, e isso necessariamente tem a ver com a saúde”, argumenta. Um dos projetos futuros do Programa, de acordo com Santos, é, inclusive, fomentar a formação de agentes comunitários de saúde (ACS) para as comunidades rurais, visando tanto contribuir para a promoção da saúde dessas localidades quanto criar oportunidade de trabalho para cerca de 700 mil jovens que, segundo ela, hoje vivem em assentamentos no país. Neste momento, 42 cursos têm financiamento aprovado pelo Pronera – entre eles quatro diretamente de agroecologia e um de agropecuária com ênfase em agroecologia –, ofertados por 26 instituições de ensino, entre elas quatro Institutos Federais e a EPSJV/Fiocruz.

Como educar para a agroecologia?

No campo educacional, a agroecologia é uma área de formação que pode se expressar em cursos técnicos, tecnológicos, de graduação e pós-graduação. De acordo com o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (CTNC), a formação de nível médio em agroecologia, que integra o eixo de ‘recursos naturais’, deve ter pelo menos 1,2 mil horas. Das mais de 240 instituições que ofertam esse curso, segundo a relação fornecida pelo CNCT, apenas 14 são privadas, das quais dez são comunitárias, no modelo das Escolas Famílias Agrícolas ou Casas Agrícolas, e uma integra o Sistema S, pelo Serviço Nacional do Comércio, Senac de gestão empresarial. Já o curso superior de tecnologia precisa ter no mínimo 2,4 mil horas – nesse caso, o Catálogo não informa a lista de instituições ofertantes. Em relação ao mundo do trabalho, tramita na Câmara desde 2019 o Projeto de Lei nº 3.710, de autoria da deputada Margarida Salomão (PT-MG), que propõe a regulamentação do exercício da profissão de agroecólogo àqueles que fizerem essa formação em nível superior. No momento em que esta reportagem foi finalizada, o texto tinha sido entregue para avaliação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Mas o enfoque na agroecologia não precisa estar restrito a um curso específico: como eixo estruturante, pode atravessar diferentes formações, influenciando tanto o conteúdo curricular quanto o método e as atividades práticas. O curso técnico de meio ambiente com ênfase em saúde do campo desenvolvido em territórios da Reforma Agrária do Ceará e Paraná pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) da Fiocruz em cooperação com o MST, entre 2012 e 2013, é um dos muitos exemplos desse esforço – que foi, inclusive, sistematizado e publicado numa coleção de livros com o objetivo de contribuir para o trabalho de outras instituições formativas e movimentos sociais que queiram atuar nessa área. No desenho curricular da habilitação técnica, a agroecologia era uma disciplina de 80 horas. Mas, de acordo com um dos coordenadores do curso, André Burigo, a perspectiva agroecológica atravessou toda a formação. “Numa outra disciplina que abordava a ‘habitação saudável e saneamento ecológico’, nós trouxemos a permacultura [planejamento baseado em soluções mais sustentáveis] como um elemento para dialogar com a engenharia sanitária que se discute na saúde pública. A ideia era discutir o planejamento entendendo a moradia como o centro dos agroecossistemas”, exemplifica, ressaltando que, nesse caso, de um curso oferecido por uma instituição de saúde, existia ainda o desafio de articular essas áreas. “A gente trabalhou todo o processo de diagnóstico das condições de vida e de situação de saúde dos assentamentos discutindo os agroecossistemas e fazendo o debate sobre o uso de agrotóxicos e as estratégias de transição agroecológica, muitas delas já existentes nos assentamentos e acampamentos. Um dos estágios do curso foi um mergulho de 15 dias no SUS [Sistema Único de Saúde], por dentro de uma rede assistencial complexa e o outro foi na Assistência Técnica de Extensão Rural, para que os educandos tivessem uma formação forte em agroecologia indissociada do aprendizado sobre a saúde”, conta, lembrando que em 2024 a Fiocruz completou duas décadas de “cooperação técnico-político-pedagógica com o MST”. Com essa experiência amadurecida, a instituição hoje desenvolve vários cursos, de diferentes níveis de formação, que tematizam a questão da agroecologia e são desenvolvidos em parceria tanto com organizações da sociedade civil quanto com equipamentos do SUS, como parte do reconhecimento da importância da agroecologia para a área da saúde (leia mais na pág. 2). Um exemplo, nesse caso, é o curso de aperfeiçoamento em Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos, que a Fiocruz Brasília desenvolve junto à secretaria de saúde do Distrito Federal, buscando fortalecer experiências agroecológicas em unidades do SUS. Assim, a instituição tem priorizado a perspectiva da agroecologia em formações voltadas para variados temas, como o uso de plantas medicinais na atenção básica e as boas práticas de cozinhas solidárias promotoras de saúde – ambos realizados também pela EPSJV/Fiocruz –, o que não impede de oferecer, por exemplo, um curso específico de agroecologia voltado para os seus trabalhadores – uma iniciativa do projeto Terrapia, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP). “O acúmulo desse trabalho que a Fiocruz vem desenvolvendo com movimentos sociais do campo e, mais recentemente, também com movimentos que atuam com agroecologia em comunidades urbanas e povos tradicionais oxigena o nosso próprio processo de formulação sobre o SUS como um todo, ajudando a pensar e fortalecer políticas públicas de forma intersetorial”, analisa Burigo, que hoje participa de um esforço de sistematização das experiências da instituição que envolvem a agroecologia.

Também o campus Rural Marabá do IFPA prevê, tanto no seu Projeto Político-Pedagógico (PPP) quanto nos projetos dos cursos em geral, conteúdos e uma abordagem próxima da agroecologia, ancorada principalmente, segundo Maria Suely Gomes, nos princípios da produção de alimentos saudáveis, da biodiversidade e da soberania alimentar. A escola tem professores de agroecologia que, embora se dediquem mais às formações específicas, atuam também nos outros cursos, e conta com um Núcleo de Agroecologia que se ocupa, especialmente, das atividades práticas dos estudantes. “Falando assim, fica parecendo que é tudo maravilhoso”, brinca a diretora, apontando a existência de problemas que expressam as contradições ainda presentes na realidade do campo. “Tem profissionais que defendem o agronegócio”, exemplifica. Mas ela garante que toda a parte prática da formação que é estruturada dentro do campus é voltada para a agricultura familiar e agroecológica, permitindo que os professores trabalhem com os estudantes em diferentes “sistemas agroflorestais”, que envolvem desde a criação de animais – suínos, caprinos, aves e abelhas – até uma reserva de mata.

Gilmar Andrade também alerta que, no caso das Escolas Família Agrícolas, apesar do pioneirismo na promoção de um projeto alternativo de campo, seria um “equívoco” afirmar que todas as cerca de 250 instituições desse tipo que existem hoje no Brasil têm agroecologia na sua matriz curricular. “Há EFAs [cujos currículos] ainda não romperam com a Revolução Verde”, lamenta. Mas, referindo-se especificamente à experiência da Bahia, ele ressalta que está muito destacado para essas escolas o seu papel de “fazer o enfrentamento do agronegócio e construir a agroecologia”. “Isso perpassa os componentes curriculares, as práticas e o desenvolvimento das atividades dentro das escolas, apesar de, às vezes, nos projetos pedagógicos ainda não estar explícita a dimensão da agroecologia”, diz.

As Escolas Família Agrícolas são instituições comunitárias, formalmente privadas e, embora muitas ainda sejam ligadas à igreja, nos tempos mais recentes várias foram criadas a partir da demanda e iniciativa dos movimentos sociais. Oferecem toda a educação básica e, nos cursos técnicos, priorizam a modalidade integrada com o ensino médio. Por definição legal, qualquer estudante pode estudar nessas escolas, mas seu objetivo é acolher educandos indicados por movimentos sociais, sejam os próprios militantes ou seus filhos. Por isso, independentemente da forma de ingresso, todos os alunos precisam se articular com alguma entidade local, na qual ele deverá desenvolver algumas atividades do tempo comunidade – isso porque, coerente com os princípios da Educação do Campo e o respeito às especificidades da população rural, todos os cursos da Escola seguem a Pedagogia da Alternância, uma metodologia em que a formação se divide entre momentos na instituição de ensino e atividades, também educativas, no território em que o educando vive. Em dezembro de 2023, a Lei 14.767 incluiu a pedagogia da alternância como possibilidade no texto da LDB, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

EfaseTanto quanto no aprendizado direto da prática de cultivos, essa forma de organização do trabalho pedagógico a partir dos espaços coletivos e engajada com a realidade da comunidade tem tudo a ver com o projeto de campo e de sociedade da agroecologia. “A gente tem desde o projeto, por exemplo, que busca fazer processo de geração de emprego e renda no campo da economia solidária, a formação de associações cooperativas a partir dos princípios da economia solidária, desenvolvimento de grupos produtivos para trabalhar a partir da potencialidade do próprio bioma”, ilustra. Andrade, que tem orgulho em destacar a capacidade de formação de lideranças da instituição, garantindo que, entre cooperativas, sindicatos, partidos políticos e outros movimentos sociais, “não existe uma organização que não tenha um egresso” seu.