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Oitenta mil vão às ruas

Maior manifestação em décadas, a Marcha Global da Cúpula dos Povos reuniu organizações da sociedade civil de todo o mundo no Centro do Rio.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 23/06/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz

Um, dois, três. Quatro, cinco... Oitenta mil. Esse é o número estimado de participantes de uma das maiores marchas já vistas no Rio de Janeiro. Aconteceu na quarta-feira (20), na Avenida Rio Branco, coração da região central da cidade, resultado da mobilização de
organizações da sociedade civil presentes na Cúpula dos Povos. A 'Marcha Global', como foi chamada, levou às ruas reivindicações amplas e confluentes - como aquelas contra a economia verde e seus mecanismos de financeirização da natureza - sem deixar de lado espaço para pautas mais específicas e locais, como às dos grevistas das instituições de ensino superior federais (já são 55 em todo o país). 

Convidado para se pronunciar no ato de encerramento da marcha, João Pedro Stédile, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou a mobilização histórica. "Desde 1989 que o povo brasileiro não vai para as ruas com esse contingente. Isso é um basta! Isso é um sinal de que o povo está começando a caminhar com suas pernas. É um sinal que já não aguentamos mais as políticas econômicas neoliberais e que a única maneira de sairmos dessa crise é tomas as ruas", disse.

Para Stédile, todos que participaram da marcha devem voltar para seus países e renovar suas lutas. "Deveremos nos comprometer a voltar aos nossos locais de trabalho e moradia e lá lutar todos os dias contra uma multinacional, contra aqueles que depredam o meio ambiente, contra aqueles que exploram o povo".

De acordo com Sandra Quintela, coordenadora do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) da Rede Jubileu Sul, também membro da coordenação da Cúpula, a ideia da organização do evento desde o início foi dar visibilidade às pautas dos movimentos sociais indo para as ruas. "Todos os dias houve marchas. Primeiro a marcha das mulheres, depois ato contra o retrocesso do Código Florestal, criticando a atuação da presidente de não vetar integralmente o texto, seguida por uma marcha grande contra empresas transnacionais e ato em solidariedade aos moradores da Vila Autódromo, no Rio, que correm o risco de serem despejados pelo poder público por causa das obras da Copa e Olimpíadas", listou. 

Presente na Marcha, André Burigo, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), explicou que as marchas são importantes estratégias de visibilidade para os debates da Cúpula. "A marcha é importante para a Cúpula no sentido de botar na caixa de som, dar amplitude ao grito que vem sendo dado no Aterro do Flamengo de crítica ao que está sendo discutido enquanto proposta de economia verde no Riocentro. A marcha quer sensibilizar a população carioca, mostrar as várias bandeiras e também, simbolicamente, expressar que os povos estão unidos contra o capitalismo. A marcha é anticapitalista, assim como a Cúpula", definiu.

Muitas lutas

A Marcha Global estava marcada para as 15 horas, com concentração da Igreja da Candelária, ponto histórico da capital fluminense, mas antes disso, outras manifestações já aconteciam em ruas próximas, como a passeata pela educação pública de qualidade e pela greve que tomou a Rua Primeiro de Março e o ato da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que ocupou parte da Avenida Presidente Vargas. Mas nada preparou quem chegou no horário marcado na Candelária para o mar de gente que já tomava a Avenida Rio
Branco, em ondas de cartazes coloridos e rostos pintados.  

Com a Rio Branco ocupada pela metade antes mesmo da Marcha começar, indígenas da etnia Xavante habitantes da região do Araguaia no Mato Grosso chamaram atenção de toda a imprensa. Em protesto ao retrocesso da política de demarcação de terras indígenas e ao investimento do governo federal  em uma matriz energética que aposta em grandes hidrelétricas como Belo Monte, aproximadamente dez Xavante correram a avenida no sentido inverso à Marcha, passando por alas de vários movimentos e por baixo de andeirões já estendidos na via. Munidos de um tronco de madeira - que segundo o xavante Humberto, simbolizava sua cultura ancestral de carregar toras - os indígenas foram acompanhados por outros manifestantes que dias antes tinham realizado protesto semelhante e entoavam o refrão "Igual à Dilma, eu vou de ré". 

Mais tarde, foi a vez do Levante! da Juventude falar mais alto. Um grupo de centenas de jovens pulavam no ritmo das palavras de ordem do movimento, animando a Marcha. "Estamos na marcha principalmente para dialogar com a juventude sobre a necessidade de se
organizar para que possamos pensar um projeto popular de transformação da sociedade brasileira. Temos um conjunto de reivindicações amplas, que são direitos de toda a sociedade brasileira e achamos que a juventude tem que ser protagonista nessa luta. Por isso estamos aqui dando nossa mensagem, nosso recado. ", explicou o estudante Paulo Henrique, da direção nacional do movimento.

A Via Campesina, que organizou importantes mobilizações durante a Cúpula, também esteve presente na Marcha Global. Dentre os vários movimentos que integram a Via, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foi às ruas reivindicar suas pautas. "Estamos aqui fazendo um questionamento desse modelo de sociedade que, a partir de grandes projetos, têm provocado problemas sociais e ambientais nas regiões onde atuamos. Principalmente no tema das hidroelétricas, a gente questiona o modelo de sociedade e o modelo energético brasileiro que é pautado para garantir energia para grandes industriais enquanto o povo paga a conta", expôs Rogério Paulo, do MAB e atua na região da hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída no Pará. 

Para Luciana Carraro, da organização argentina MOcases que também integra a Via Campesina, o modelo de agronegócio já conhecido no Brasil também tem afetado os povos tradicionais da província de Santíago del Estero, onde mora. " Dizemos não aos agrotóxicos, Santíago del Estero é a primeira província fundada na colônia espanhola, a vida dos povos originários era parecida com a vida dos camponeses. Agora, estamos sendo golpeados pelo avanço da fronteira agropecuária, as plantações de soja. Agora com a soja as pequenas populações que ainda habitam seus territórios, acostumadas com o uso comunitário da terra, se veem atacadas pelas estradas de ferro". Ela também denunciou o assassinato de um companheiro de luta: "Um companheiro nosso foi assassinado há alguns meses, pedimos justiça por Cristián Fechera e outros tantos que nesses últimos anos de governo na província de Santíago del Estero, um governo do desmonte que mata os camponeses que lutam por seus territórios".

Já para o haitiano Carmejan Rublio, a principal reivindicação é que a missão das Nações Unidas, conhecida como Minustah, saia de seu país. "Queremos que as tropas estrangeiras saiam do nosso território porque a Minustah está dentro da política de neoimperialismo para o Caribe. Estamos denunciando a total ineficácia dessa missão que não está contribuindo para que o povo haitiano saia da crise, ao contrário. Exigimos a saída das tropas e demandamos por formas autênticas de solidariedade para o povo do Haiti", argumentou.

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