As recentes manifestações que proliferaram no país tiveram um estopim: o aumento das passagens de ônibus. Mas o Movimento Passe Livre, que levantou a bandeira na maioria dos estados, pedia ainda mais: a gratuidade da passagem para todos os cidadãos. Antes mesmo desta onda de manifestações, desde 2011, tramitava nas duas casas do legislativo, o Estatuto da Juventude que, entre outras demandas, legislava sobre meia passagem para estudantes de até 29 anos, independentemente da finalidade da viagem no transporte interestadual. A sanção presidencial que aconteceu no dia 5 de agosto fez com que esta garantia caísse para duas viagens gratuitas e outras duas com desconto de 50% para jovens de baixa renda.
A relação do transporte é também diretamente ligada à educação, como apontam duas pesquisas que tratam do assunto. A ‘Transporte Urbano e Inclusão Social: Elementos para Políticas Públicas’, de Alexandre Gomido, diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que o motivo ‘escola’ chega a ser 60% das razões de viagens para as pessoas com renda familiar de até um salário mínimo. Já a outra, denominada “Motivos de evasão escolar ”, do Todos pela Educação em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a escola distante de casa e a falta de transporte estão entre os principais motivos de os estudantes abandonarem os estudos, assegurando 25% dos casos de evasão.
O geógrafo e especialista em planejamento urbano e uso do solo Jorge Borges ,em entrevista para a matéria ‘Direito de ir e vir’, indicou que a condição de estudante já deveria garantir a gratuidade dos transportes públicos. “O aluno deveria receber o direito de ir a uma biblioteca, a uma atividade cultural, de desporto... O fato de ser estudante já seria suficiente para ele receber esse direito de passe livre, e não se limitar, como é hoje, ao trajeto casa-escola, de segunda a sexta. Há municípios que nem incluem os sábados letivos”, explicou o especialista.
Esta opinião também é compartilhada pela representante do Movimento Passe Livre Nina Cappello, que ainda acrescenta que a questão da gratuidade não se restringe ao jovem. “Quando a gente fala do passe livre, fala da efetivação de um direito, de um transporte como um direito, e não um transporte para os estudantes ou determinados setores da sociedade. Defendemos que ele seja universal. É claro que a juventude se beneficia muito, assim como a classe trabalhadora. Muitos estudantes deixam de ir às escolas por conta do pagamento da tarifa”, explica.
O outro veto da presidenta foi em relação ao financiamento dos Conselhos de Juventude, por meio de previsão da lei orçamentária dos três entes federativos.
Pontos polêmicos
Um dos pontos polêmicos deste Estatuto que já havia sido modificado durante a tramitação foi a questão a meia-entrada, que agora terá cota de 40% de ingressos disponíveis para cada evento. Esta restrição vale para jovens de baixa renda e estudantes até 29 anos. “O problema é que o projeto regulamente uma lei que dá maiores direitos para reduzi-los”, informa a integrante do Movimento Passe Livre.
A vice-diretora de Educação e Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Paulea Zaquini, defende que a cultura é elemento essencial para a formação de um aluno. “Existe um tipo de formação não-formal, que vem da vivência do mundo, de espaços como museus, cinemas, cursos, ou seja, neste último quesito, o aluno que não tem condições de ter este tipo de atividade já sai atrás dos demais. E essa exclusão se dá pela forma como a cidade se organiza. Nós temos muros invisíveis a uma parcela de jovens", analisa.
Outro ponto que foi bastante polêmico e não mudou com a sanção presidencial é a questão da brecha para o ensino privado. Na matéria publicada no site da EPSJV ‘Jovens estão mais perto de garantir seus direitos?’, Ana Karina Brenner, pesquisadora do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense, chamava a atenção para a redação, que não garantia o ensino público, mas sim gratuito. Apesar de reconhecer a importância de programas como o Prouni [Programa Universidade para Todos] como uma solução imediata para ampliar o acesso das camadas populares ao ensino superior, ela destaca a interferência das instituições privadas. "O ensino privado tem uma força muito grande nesta discussão. Desde a Constituição de 1988 o ensino privado tem um lobby muito forte e parece que não foi diferente neste caso”, diz, e completa: “É preciso fazer sempre a defesa do fortalecimento do ensino público”. No caso do ensino superior, o texto é ainda mais direto em relação à educação privada. Diz o artigo 20: "O jovem tem direito à educação superior, em instituições públicas ou privadas, com variados graus de abrangência do saber ou especialização do conhecimento".
Ações concretas
Durante a cerimônia, a presidente Dilma Rousseff assinou o decreto que cria o Comitê Interministerial da Política de Juventude. O intuito deste comitê é reunir todos os ministérios que tenham pautas relacionadas à política de juventude para funcionarem como um espaço permanente de ações e discussões.
Para a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Vic Barros, em nota publicada no site da Instituição, o Estatuto representa o aprofundamento da democracia por integrar de forma protagonista a juventude na sociedade. “O Estatuto amplia o leque de direitos dos jovens e nossas possibilidades de interferir na vida política do país. O Brasil só avançará se tratar com respeito e seriedade sua juventude”, afirmou, e acrescentou: “O estatuto é fruto de lutas travadas nas ruas, nas periferias e nas salas de aula do nosso país”.
O estatuto está em tramitação desde 2011 e foi aprovado na Câmara, última instância para a sanção presidencial em 31 de julho deste ano.