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Perdão aos planos de saúde

Campanha pressiona presidente Dilma Rousseff a vetar artigo em MP que flexibiliza dívidas de empresas de planos de saúde.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 30/04/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Nesta semana, a campanha #VetaDilma nas mídias sociais chegou a 5ª posição dos trendtops, que posiciona os assuntos mais falados na rede mundial de computadores. O pedido à presidente da república, Dilma Rousseff, se deve ao veto ao artigo 101, da Medida Provisória 627/2013 , - proposta pela então ministra da Casa Civil Gleise Hoffmann - , que hoje se encontra em sanção presidencial. O artigo trata sobre a anistia de multas aplicadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a empresas de saúde suplementar. A MP propõe ainda, entre muitos outros pontos devido a 513 emendas parlamentares, a desoneração fiscal de diversos setores da economia. Estima-se que, somente com o artigo que trata sobre os planos de saúde, R$ 2 bilhões deixariam de ser arrecadados, quase que o equivalente ao investimento da assistência oncológica no último ano ou a metade do orçamento do Governo Federal na ampliação das Unidades Básicas de Saúde em 2013.

Em nota enviada à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), a ANS se posicionou contra a inclusão do artigo. "A MP vai trazer muito prejuízo para os mais de 50 milhões de brasileiros que têm plano de saúde, na medida em que prejudica muito a capacidade de fiscalização da ANS. Essa emenda perdoa multas emitidas contra as operadoras que cometeram irregularidades, e isso não ajuda em nada a melhorar o sistema de saúde de suplementar e a qualidade do atendimento prestado aos beneficiários de planos de saúde", explica. Procurada pela redação da EPSJV/Fiocruz, a assessoria do Ministério da Saúde informou que o posicionamento do órgão segue a linha da Agência.

O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), relator da MP, que, de acordo com a assessoria de imprensa não quer falar mais sobre o assunto, publicou uma nota oficial no site de seu partido. Na nota, ele justifica que o Governo Federal mudou a postura durante a tramitação da medida. "A posição do Governo era favorável até aquele momento da discussão sobre o relatório final, inclusive com adequação do texto, limitando até o fim de 2014. Eu mesmo, depois dessa polêmica e pela dúvida, embora discorde do equivocado conteúdo de perdão inexistente divulgado pela imprensa, acho melhor mesmo vetar a tal emenda", explica e acrescenta: "Várias sugestões chegam aos relatores das medidas provisórias em geral e o procedimento é o mesmo, com os relatores repassando o texto ao governo para que ele opine e apresente suas ponderações. Concluído esse processo, o relator decide, em função da opinião do governo e do debate em torno no texto, se inclui ou não cada item. A partir daí, o plenário da comissão acolhe ou não o texto final".

Na nota ela ainda afirma que a questão do perdão da dívida é inverídica, uma vez que as multas retroativas não sofrerão redução no pagamento. "Não preciso ficar várias vezes desmentindo um inexistente de perdão às multas dos planos de saúde simplesmente porque não existe esse perdão que insistem em afirmá-lo como conteúdo do texto da MP".

De acordo com um documento elaborado pela Associação dos Servidores e demais Trabalhadores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Assetans), a mudança em relação a multa traz cortes significativos. Por exemplo, quando empresas plano de saúde de até 20 mil beneficiários nega 50 procedimentos hoje ele deve pagar algo na casa de R$ 1 bilhão, com a aprovação da MP, este valor será de R$64 mil; a mudança para as empresas de 100 mil beneficiários será de R$ 3,2 bilhões para R$ 128 mil; e de 200 mil beneficiários será de R$ 4 bilhões para R$ 160 mil.

Como informado por um relatório publicado recentemente pela ANS, de janeiro a agosto de 2013, as empresas de planos de saúde e odontológicos receberam R$ 243,35 milhões em multas, representando 4,8 vezes as multas aplicadas em todo o ano de 2009, que somaram R$ 50,7 milhões. Entretanto, apenas uma pequena parte das multas foi paga, o que já faz parte da rotina destas ações. Entre os principais motivadores de geração de multas estão a falta de cobertura representando 25,67% em 2009 e, até agosto de 2013, 53,35% do total de multas.

Parceria com planos de saúde não é de agora

O financiamento aos planos de saúde, que vem desde a época da Ditadura, como mostra a matéria ‘Saúde: a voz das ruas e a voz do mercado ' publicada na Revista Poli, edição 29, tem aumentado ao longo dos anos. Somente referente ao gasto tributário - recurso que o governo deixa de arrecadar - do serviço privado de saúde mais do que dobrou de 2003 a 2011, segundo estudo realizado pelo pesquisador Carlos Octávio Ocké-Reis, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). ‘Em 2011, apenas com o imposto de renda pessoa física (IPRF), o governo deixou de arrecadar R$ 7,7 bilhões - o total dos gastos tributários foi de quase R$ 16 bilhões'. Segundo a pesquisa, o gasto tributário com imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ), ou seja, o valor que as empresas abatem por oferecer assistência médica, odontológica ou farmacêutica aos funcionários, ficou em quase R$ 3 bilhões em 2011.

Em relação ao IRPF, o estudo comparativo de 2003 a 2011, feito pelo Ipea, mostra que o gasto tributário com plano de saúde cresceu mais de 10%, enquanto as outras modalidades - hospitais, clínicas e profissionais de saúde no Brasil e no exterior - se mantiveram estáveis ou regrediram. Segundo Carlos Octavio Ocké-Reis, 'uma das conclusões possíveis é que as pessoas estão substituindo o desembolso direto para consultas e outros serviços pela compra de planos de saúde. O mesmo estudo mostra que, nesse período, o lucro líquido do mercado de plano de saúde cresceu mais de 2,5 vezes, um desempenho acima da inflação', diz a matéria.

Vale lembrar ainda que, de acordo com o estudo ‘Representação política e interesses particulares na saúde: o caso do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil', do professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da professora do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia a relação entre as empresas de planos de saúde e os candidatos é antiga. ‘Nas eleições de 2010 as empresas de planos de saúde destinaram R$ 11.834.436,69 em doações oficiais para as campanhas de 153 candidatos a cargos eletivos. O apoio financeiro dos planos de saúde contribuiu para eleger 38 deputados federais, 26 deputados estaduais, três senadores, além de quatro governadores e da presidente da República, Dilma Rousseff. Outros 81 candidatos receberam apoio mas não foram eleitos'. Entre os partidos que mais receberam com doações de operadora estão o PMDB, com R$3,5 milhões, partido do relator da MP, Eduardo Cunha; PSDB com R$ 2,1 milhões, PT com R$ 1,6 milhões, PV com R$ 1,2 milhão e DEM com R$ 910 mil.

De acordo com o estudo, o número dos representantes da saúde suplementar cresceu na Câmara dos Deputados. Em fevereiro de 2011 tomaram posse 38 deputados federais que tiveram, entre seus doadores oficiais declarados, empresas de planos de saúde. Em 2006, haviam sido eleitos 28 deputados com o apoio deste segmento. ‘O campeão de recursos recebidos de planos de saúde em 2010 é Marco Aurélio Ubiali (PSB-SP), beneficiado com R$ 285.000,00, seguido pelo ex-Ministro da Saúde José Saraiva Felipe (PMDB-MG), com R$ 270.000,00, Willian Dib (PSDB - SP), beneficiado com R$ 154.000,00 e Dilceu João Sperafico (PP - PR), com R$ 105.000,00'.

Dente os deputados estaduais eleitos, 26 receberam doações de empresas de planos de saúde. Foram eleitos ainda sete deputados para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, seis em São Paulo, cinco no Paraná, cinco no Rio Grande do Sul, dois no Amazonas e um no Rio de Janeiro informa o relatório. ‘Outros 47 candidatos a deputados estaduais foram beneficiados pelos planos de saúde nas eleições de 2010, mas não se elegeram'. Já os senadores, três foram eleitos nas eleições de 2010 com apoio dos planos de saúde. Ana Amélia (PP-RS), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Lúcia Vânia (PSDB-GO) foram beneficiados com R$ 30.000,00 cada. O candidato Cesar Maia (DEM-RJ), beneficiado com R$ 300.000,00, sendo a maior quantia recebida, não foi eleito. Quatro governadores eleitos em 2010 também receberam doações, são eles Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), Wilson Martins (PSB-PI) e Agnelo Queiroz (PT-DF). Para a presidência, os dois principais candidatos na última eleição receberam doações. A Qualicorp Corretora de Seguros doou R$ 1.0000,00 para a campanha da Presidente eleita Dilma Rousseff e a metade deste valor, R$ 500.000,00, para a campanha do candidato derrotado, José Serra.

Flexibilização da Anvisa

A ANS vem sofrendo determinadas pressões ao longo de alguns anos. Recentemente, como publicado no site da EPSJV , a agência teve como indicação a diretor, o presidente da Confederação Nacional da Saúde (CNS) José Carlos de Souza Abrahão, que se posicionava contra uma das principais pautas da agência, o ressarcimento dos planos de saúde. Em 2009, o Conselho Nacional de Saúde manifestou desacordo com a indicação de nomes como Maurício Ceschin, ex-diretor da Qualicorp e da Medial e Leandro Reis Tavares, ex-diretor da Amil para a diretoria da Agência. Tavares e Ceschin, apesar do repúdio público, acabaram compondo a diretoria colegiada. Outro nome apontado para diretoria da ANS em 2013 foi o de Elano Figueiredo, que pediu exoneração do cargo em seguida. Na ocasião, Elano havia omitido em seu currículo o fato de ter trabalhado para a operadora de saúde Hapvida.