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Piso dos ACS pode ser votado na primeira quinzena de novembro

Uma das principais bandeiras da categoria pode ser votada, mas existem outras que ainda precisam ser discutidas, apontam sindicalistas e pesquisadores.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 31/10/2013 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Uma das principais pautas dos agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de combate a endemias (ACE), o piso nacional das categorias poderá ser votado nesta próxima semana, no dia 12 de novembro, na Câmara Federal. O Projeto de Lei 7495/06, do Senado Federal, que prevê esta e outras questões, voltou a tramitar na Casa no mês de outubro. Nesta ocasião, o líder do PT e deputado federal Arlindo Chinaglia (PT/SP) pediu o adiamento da votação por não concordar com a responsabilidade da União em assegurar os custos trabalhistas do piso, sem dividir com estados e municípios. O projeto não foi apreciado por conta do encerramento da sessão, mas a matéria agora tramita em caráter de urgência. "Este projeto não é novidade nem para a categoria nem para o Governo. A gente está com este texto na mesa de negociação desde 2010. Mas, o governo sempre colocou como barreira o financiamento tripartite e a categoria cansou de esperar. Desistimos de qualquer diálogo com o governo que não passasse pelo Congresso Nacional. No início do mês de abril, fizemos um congresso nacional da categoria e saímos com o objetivo de pautar e votar o projeto do jeito que ele estava em 2011", conta Elane Alves, assessora jurídica da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (Conacs). O PLque traz ainda diretrizes para a criação de um Plano de Cargos, e Salários, regulamenta os incisos 4º e 5º do art. 198 da Constituição, e dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51.

A categoria não tem um piso salarial em âmbito nacional, mas, por meio da portaria 260/2013, o Governo Federal repassa aos municípios um incentivo de R$ 950 mensais por agente comunitário de saúde. Não há exigência, no entanto, de que este valor seja repassado inteiramente como salário para os ACS. Há relatos, de acordo com a Confederação Nacional dos Agentes Comunitários (Conacs), de agentes comunitários de saúde que chegam a ganhar R$ 270 mensais. A proposta apresentada pelo PL é de que o piso salarial comece no valor de R$ 950 e, de forma escalonada, ainda em 2014 chegue a R$ 1.012. O horizonte é alcançar dois salários mínimos até 2019, o que daria cerca de R$ 1356, de acordo com o salário mínimo atual.

"Agora no dia 12 de novembro, vamos apresentar duas emendas: uma em relação à correção de valores, porque o cálculo tal como está no projeto está defasado, e a outra é a retirada do escalonamento porque o que nos resta diante da falta de diálogo com o governo é sair com o piso regulamentado", explica Elane Alves, , que informou que proposta reajustada é de que o piso nacional inicial seja de R$ 1012.

O diretor de formação e prática sindical do Sindicato dos Agentes de Saúde e Combate a Endemias de Pernambuco (Sindacs-PE), Ednai Silva, informa que esta proposta de emenda não é consenso entre os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. "A luta dos agentes é por dois salários mínimos e não o acordo que a Conacs fez com alguns deputados de transformar o repasse atual [R$ 950], de acordo com a portaria 260, em piso. Além disso, a discussão de escalonamento não deve ser colocada de lado", avalia.

Outra defesa do Projeto de Lei é de que os agentes tenham vínculo com órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional. Hoje a Emenda Constitucional 51 estabelece o vínculo destes trabalhadores diretamente com o município, mas nem todas as secretarias de saúde cumprem esta determinação. "De 2006 a 2010 focamos na efetivação deste processo do vínculo empregatício. Hoje podemos dizer que grande parte dos ACS do país tem este vinculo direto, embora ainda existam situações preocupantes nas regiões sudeste e sul, dando destaque para o Rio de Janeiro e São Paulo. A análise que fazemos sobre o vínculo precário é diferente destes gestores. Para nós, tem que ser cumprido o vínculo direto, como estabelece a Emenda 51, para eles a não-precarização já se dá por meio da contratação pela CLT", explica Elane.

Avanços e Retrocessos

Como mostrou a matéria ‘Desafios da gestão municipal do SUS', da Revista Poli nº 26, pesquisa realizada pela Conacs em 2011 mostra que a forma de contratação dos ACS está avançando. "A região Nordeste teve avanços significativos: em Sergipe, por exemplo, 100% dos ACS são atualmente contratados diretamente pelos municípios. Em seguida vêm o Amapá, onde apenas 1% dos agentes não têm vínculo direto com o município; e o Rio Grande do Norte, onde esse percentual é um pouco maior: 1,12%. Na outra ponta, o maior problema está no sudeste: o Rio de Janeiro lidera o ranking de ‘desobediência' à lei, com 20,31% dos agentes comunitários do estado contratados por terceirização. Em seguida, vem o estado de São Paulo, com 10,55%", diz a matéria.

"Existe ACS com contrato de boca. O caso do Rio de Janeiro é emblemático quando se fala em contratação de profissionais. Além de serem contratados por meio de organizações sociais, eles ainda têm metas a cumprir, o que é um absurdo ao se tratar do trabalho do ACS", avalia o professor-pesquisador do curso técnico dos agentes comunitários de saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Gustavo Dantas, que exemplifica com a situação oposta: "Em Recife os agentes comunitários de saúde são servidores públicos, ou seja, com estabilidade. Além disso, conquistaram plano de carreira e atribuições pactuadas com a categoria em nível regional e nacional e com a comunidade. Existem ainda outras conquistas a serem feitas neste município, mas já pode ser um norte para outros", avalia.

Outras questões

A formação técnica é outra bandeira defendida pelos agentes. Atualmente, os ACS são os únicos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) contratados sem uma formação específica. A EPSJV/Fiocruz tem experiência nesta formação com um curso de 1.200 horas-aula, realizado em três etapas. Mas a maioria dos municípios oferece somente a primeira fase, a única que é financiada pelo Ministério da Saúde. "A conclusão da formação técnica dos agentes comunitários de saúde e a formação dos agentes de combate a endemias é ponto fundamental para a Conacs. A Confederação entende que foi positivo o início de cursos técnicos para os ACS, mas, ao mesmo tempo, muito frustrante o cancelamento do financiamento da segunda e terceira etapas por parte do Ministério da Saúde. Hoje teríamos mais de 300 mil profissionais mais qualificados e estamos abrindo mão disso para investimento na saúde de urgência e emergência", avalia Elane e informa: "O próximo passo de disputa, sem dúvida, é o plano de cargos e salários que vem atrelado à formação. Mas são passos que devemos saber a hora de dar para não atropelar as coisas", explica.

Para Gustavo Dantas, a falta de formação técnica acarreta o não reconhecimento do agente comunitário como um profissional de saúde da equipe técnica. "Isso acaba limitando seus espaços de atuação. O agente comunitário é uma categoria de muita potência, porque eles conseguem fazer um processo de transformação no próprio modelo de saúde e operar processos emancipatórios na comunidade. A formação coloca suas discussões em outro patamar", explica.

Em Recife também há outra experiência relevante em relação à formação. Todos os agentes contratados pela prefeitura foram formados por um curso em que o conteúdo pedagógico foi elaborado de forma coletiva com trabalhadores técnicos, de outras áreas da saúde e agentes comunitários atuantes na área. Esta formação foi uma parceria entre o município e o estado, por meio da Escola de Saúde Pública de Pernambuco. "As etapas dois e três custaram mais de R$ 3 milhões para a prefeitura, mas foi possível. Vemos que esta realidade não é assim em outros lugares porque está faltando compromisso. A partir do momento em que o agente estiver empoderado do conhecimento técnico, ele poderá reivindicar melhor os seus direitos. Se eu dou formação, ele vai servir melhor à sociedade, mas também vai me cobrar mais", avalia Ednai.

Desvio de atribuições

Gustavo Dantas também aponta como ponto central de discussão as atribuições dos ACS. "Esta é uma categoria que ao longo do tempo assumiu muitas atribuições. As mudanças não foram só quantitativas, também se descaracterizou o sentido original deste sujeito, que é construir, a partir de uma relação com a comunidade, o processo de luta da saúde enquanto direito, o cuidado da comunidade em exercer a sua saúde. Isso tudo vem sendo desconstruído por uma série de políticas gerencialistas", explica.

Ednai, que também é agente comunitário, informa que as condições de trabalho dos agentes são precárias. "Os agentes comunitários de saúde não são respeitados pelos gestores nem pelos representantes no legislativo e executivo. Estamos nos desviando do sentido real dos agentes, que é o de atender àa população menos favorecida da sociedade. Somos considerados educadores em saúde, uma orientação que o agente de saúde faz deixa de causar muitos problemas para aquela família", relata e denuncia: "Existem hoje atribuições que são impostas aos agentes comunitários de saúde, que se sobrecarregam com atividades que não são deles, como o preenchimento de planilhas, agendamento de consultas, medição de pressão, coleta de sangue, coleta de dados para o bolsa família, entre tantas outras".

Caminhos do cuidado

Lançado há uma semana, dia 23 de outubro, em Brasília o projeto ‘Caminhos do Cuidado' tem como intuito qualificar agentes comunitários de saúde (ACS) e auxiliares e técnicos de enfermagem em saúde mental para lidar com questões relacionadas ao crack, álcool e outras drogas. Ele prevê a capacitação de 290.760 profissionais. Este projeto é uma parceria entre o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e o Centro de Educação Tecnológica e de Pesquisa em Saúde - Escola GHC do Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, e está inserido no plano integrado de combate às drogas ‘Crack, é possível vencer'.

Gustavo Dantas, da EPSJV, avalia que este tipo de iniciativa é válida, mas que isto demonstra que o projeto de formação técnica não faz parte dos planos do governo. Embora avalie que "toda formação é algo que entendemos que se deve disputar e não recusar", ele pondera: "Este é mais um exemplo de formações segmentadas que demonstram o não interesse de uma formação mais densa e integral, que é o que defendemos que deveria ser o norte destas políticas que envolvem os ACS", opina.

Elane concorda e diz que hoje os ACS estão tendo que aprender ‘na marra'. "Se ele fosse um profissional técnico, teria capacidade de atuar nestas diferentes frentes. Mas colocam as situações desta forma. O ACS não vai ter capacidade de enxergar aquele novo conhecimento e aplicar como deveria fazer porque não vai ter o conhecimento básico do seu papel, de como agir, como entrar na casa da pessoa, como orientar e conduzir isso. O conhecimento não pode ser isolado: ele tem que vir atrelado ao conhecimento do que é saúde preventiva, que é o papel originário dos ACS", avalia.

Ato dia 12

De acordo com os sindicalistas, no dia 12 de novembro, haverá uma grande paralisação dos ACS em nível nacional, como forma de pressionar a votação do projeto na Câmara.