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Problemas no edital do ensino fundamental

MEC retira do PNLD 2023 indicativo de exclusão de obras que veiculem estereótipos e preconceitos e outros princípios que orientaram editais anteriores
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 18/05/2021 08h01 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

No dia 12 de fevereiro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação publicou o edital PNLD 2023, de chamada para obras didáticas e literárias que atenderão crianças entre seis e dez anos, que cursam as séries iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano).

O documento mobilizou o debate público durante semanas quando se constatou uma alteração nada trivial. Não estão mais lá alguns dos princípios que guiaram os dois editais anteriores – PNLD 2014 e PNLD 2019 – que indicavam a exclusão da obra que veiculasse estereótipos e preconceitos de condição socioeconômica, regional, étnico-racial, de gênero e de orientação sexual. O documento atual fala em “promover positivamente a imagem do Brasil e a amizade entre os povos e os valores cívicos, como respeito, patriotismo, cidadania, solidariedade, responsabilidade, urbanidade, cooperação e honestidade”.

O PNLD 2019 indicava a exclusão dos livros que abordassem a temática de gênero por um viés não igualitário e fazia uma referência explícita à homo e transfobia. Também orientava os autores a darem “especial atenção para o compromisso educacional com a agenda da não violência contra a mulher”.

O PNLD 2023 não fala sobre nada disso, limitando-se a apontar de maneira genérica que os livros devem ser isentos “de qualquer forma de promoção da violência” e devem construir uma imagem positiva dos brasileiros “homens e mulheres”.
Também foi retirada a exigência de que não se aborde de forma negativa a cultura e história afrobrasileira e dos povos indígenas e, na seção do edital que trata de princípios éticos, não se veem mais as expressões “democráticos” e “respeito à diversidade”.

Segundo Milton Ribeiro, o PNLD precisa estar de acordo com as diretrizes da BNCC, que prevê que a violência contra a mulher só seja abordada no 9º ano do ensino fundamental, na disciplina de história. “Os conteúdos relacionados ao combate ao racismo também se concentram em duas habilidades na disciplina história, nos 8º e 9º anos”, escreveu no Twitter. “A respeito do preconceito regional, o edital preconiza o respeito a todos os brasileiros”, continuou.

Para Paula Szundi, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as mudanças no edital devem ser analisadas a partir do decreto nº 9.099, que promoveu uma série de alterações no PNLD.

“Antes, todo o processo de avaliação dos materiais era coordenado por universidades ou instituições de educação básica, como os Institutos Federais. Todo o processo de avaliação era coordenado por especialistas”, explica.

A partir do decreto, continua ela, esse processo passou a ser coordenado pelo MEC – “ainda que auxiliado por especialistas”. Szundi, que participou da comissão técnica de especialistas do PNLD 2020 – publicado no governo Michel Temer, mas operacionalizado no governo Jair Bolsonaro –, indica que teve “total liberdade” de avaliação.

Mas pondera: “Embora o processo de avaliação seja realizado por especialistas, a Coordenação de Materiais e Recursos Didáticos do ministério coordena todo o processo. O coordenador desta área, por sua vez, é indicado pelo governo da vez. No governo atual, um militar sem experiência alguma foi indicado para esse cargo e, mais recentemente, uma professora defensora veemente do Escola Sem Partido. Essa mudança pode fazer com que o PNLD fique refém de políticas de governo, quando deveria continuar sendo uma política de Estado”, observa ela, para quem o sinal de alerta se acende justamente com o edital de 2023. “Princípios fundamentais que têm orientado o PNLD foram excluídos”, resume.

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