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Saúde do Adolescente

Desemprego, violência e gravidez precoce são alguns dos desafios do Brasil no cuidado com a sua juventude
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 19/10/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O Estatuto da Juventude, que acaba de ser aprovado na Câmara dos Deputados, parece que veio em boa hora. Atingido por um fenômeno chamado ‘bônus demográfico’, o Brasil nunca teve um momento tão favorável para “investir” na sua juventude. A conclusão é de Francisco Inácio, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict) da Fiocruz, durante o painel ‘Os determinantes sociais da saúde do adolescente’, realizado ontem como uma das atividades paralelas na programação da Conferência Mundial de Determinantes Sociais em Saúde. A programação principal da Conferência começa hoje, no Rio de Janeiro. Também participou da mesa-redonda o professor Robert Blum, da Escola de Saúde Pública John Hopkins Bloomberg. Como relato de experiência, participaram ainda a coordenadora do Plan, uma estratégia internacional voltada para adolescente na região das Américas, Melanie Swan, e Maurício Sousa, um jovem de 15 anos que participa de ações do Plan no Maranhão.

Num panorama da questão da saúde do adolescente no Brasil, Francisco Inácio explicou a transição estrutural da pirâmide etária pela qual passa o país. Segundo ele, em 25 anos, o Brasil teve uma queda de aproximadamente 56% da fertilidade, que hoje encontra-se, inclusive, abaixo da taxa de reposição. Isso indica, segundo ele, que, pelo menos até 2045, a população entre 25 e 64 anos, faixa etária em que se concentram os contribuintes, deve aumentar tanto em termos absolutos quanto relativos. Já o segmento de jovens entre 15 e 24 anos deve ter um crescimento negativo nesse período. É esse fenômeno que estudiosos chamam de bônus demográfico. E a definição de ‘como’ aproveitar esse bônus aponta para desafios que se relacionam diretamente com os determinantes sociais da saúde.

O primeiro deles é a questão do emprego. Porque, segundo Francisco Inácio, é esse segmento jovem que mais pressiona pela entrada no mercado de trabalho. E encontra muitas dificuldades. Ele destacou que isso é importante, inclusive, porque é o trabalho desses jovens que, futuramente, vai garantir os recursos necessários para políticas de saúde e previdência da população mais velha que está aumentando. Outro “gargalo” apontado pelo pesquisador são os baixos níveis de educação formal desses jovens no país.

Mas há ainda outro complicador, mais diretamente associado à saúde da juventude: embora esteja caindo significativamente na população como um todo, a fertilidade não apresenta declínio entre as adolescentes, apontando ainda um número significativo de casos de gravidez precoce. Segundo Francisco Inácio, uma pesquisa realizada na maior maternidade pública de São Paulo em 2007 mostrou, ao longo de 492 dias de estudo, que 24,3% das pacientes eram adolescentes, com 17 anos em média, que procuravam o serviço para realizar o parto (a maioria) ou um aborto. Noventa e três porcento delas eram das classes C, D e E. Do total de adolescentes admitidas na maternidade, pouco mais de 81% não tinham planejado a gravidez.

Perfil do jovem

Segundo Robert Blum, os jovens entre 10 e 24 anos correspondem hoje a 27% da população mundial, e 86% deles vivem nos países em desenvolvimento. De acordo com o pesquisador, as dez maiores causas de morte nessa faixa etária no mundo são, nessa ordem: acidentes de trânsito (responsáveis por 10% das mortes), ferimentos auto-infligidos, violência, infecções respiratórias, tuberculose, HIV/Aids, afogamentos, incêndios, meningite e guerra.

Na apresentação, ele deu destaque, no entanto, para problemas relacionados à saúde mental, incluindo o uso de álcool, cigarro e outras drogas. Blum mostrou dados da Organização Mundial de Saúde que dizem que 1 em cada 5 jovens apresentam significativos problemas de saúde mental, principalmente “transtornos afetivos”, como ansiedade e depressão. Segundo ele, a OMS estima que esse número vai aumentar em 50% nos próximos 20 anos.

Já o uso de álcool, cigarro e outras drogas representavam, segundo Blum, 9,8% da carga total de doenças para os jovens em 2002. Mas outros dados ainda parecem mais preocupantes: de acordo com Blum, cerca de 75 mil jovens de países pobres e de renda média começam a  fumar todos os dias e, especificamente na América Latina, o uso de álcool por jovens aumentou 400% nos últimos 25 anos.

Esse é um problema que afeta a juventude também no Brasil. Segundo Francisco Inácio, embora, no geral, o uso de cigarro tenha diminuído consideravelmente no país — uma queda média de 2,5% ao ano —, não necessariamente essa realidade vale para o conjunto da população. Ele apresentou dados de um estudo de base populacional realizado em escolas de Salvador, na Bahia, que mostrou que cerca de 16% dos jovens entrevistados tinham experimentado cigarro, 61% destes antes dos 15 anos. A pesquisa associou essa iniciação ao cigarro ao tabagismo paterno e à influência da mídia.

Em outra pesquisa realizada em escolas privadas de São Paulo, de acordo com Francisco Inácio, mais de um terço dos jovens entrevistados descreveram episódios de embriaguez em curtos períodos de tempo. Apresentando mapas das chamadas ‘cracolândias’ — apelido que ele ressaltou ser equivocado —, em Salvador e no Rio de Janeiro, o pesquisador chamou atenção ainda para o crescimento do uso crack no Brasil, um fenômeno que, por ser relativamente recente, ainda está em estudo.

O uso de álcool e outras drogas aparece associado também aos episódios de violência, que são responsáveis por um número significativo de mortes no Brasil. De acordo com Francisco Inácio, dados de 2007 mostram uma taxa de homicídios de 26,8 por 100.000 pessoas; já as mortes por acidentes de trânsito representaram 23,5 por 100.000 pessoas no mesmo ano. Mas o que isso tem a ver com a juventude? A resposta é simples, e traz à tona novamente a relação desses dados com os determinantes sociais da saúde: a maioria das vítimas e também dos “perpetradores” dessa violência, no Brasil, são jovens do sexo masculino, negros e pobres.

O pesquisador brasileiro também destacou a Aids como um problema para o qual se deve atentar quando o grupo estudado são jovens e adolescente. Ele lembrou que a epidemia da doença tem se mantido estável no Brasil nos últimos cinco anos. Mesmo esse registro, no entanto, precisa ser lido geograficamente: embora diminua nas áreas metropolitanas, principalmente no sudeste, a doença vem aumentando em cidades pequenas e médias. Além disso, segundo ele, uma nova geração de pesquisas tem mostrado dados preocupantes, como uma elevada prevalência de contaminação por HIV e sífilis entre homens que fazem sexo com homens, especialmente jovens.

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