
Depois de quase uma hora subindo por uma trilha dentro da mata, vemos uma gruta. Se do lado de fora os termômetros marcavam cerca de 35ºC, a temperatura, ali entre as pedras, caía abruptamente. De frente para aquele espaço silencioso, Adilson Almeida, líder do Quilombo do Camorim e presidente da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro (Acquilerj), pediu permissão a seus ancestrais e nos convidou a entrar no espaço: um santuário onde pessoas escravizadas se reuniam no passado, não apenas para se protegerem durante a fuga, mas para manterem viva sua fé. Duas imagens em cima das pedras, uma de Xangô, orixá iorubá que simboliza a justiça e a verdade no Candomblé e na Umbanda; e um Preto Velho, que representa a ancestralidade africana na Umbanda, testemunham um canto de pássaro ao fundo. “Estão ouvindo o Uirapuru cantando? É um bom sinal. Ele não canta para todo mundo”, diz ele.
A gruta é uma de tantas que o atual Sítio Arqueológico do Camorim, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, abriga. Acredita-se que o Quilombo do Camorim teve sua origem a partir de 1622, com a edificação do Engenho do Camorim. Ele foi sendo formado tanto por indígenas que já estavam na região, quanto por pessoas negras escravizadas fugidas, além daquelas que permaneceriam no espaço após 1888, diante da falta de políticas compensatórias após o fim da escravidão. Hoje, conta com 14 hectares de área preservada, por onde caminhamos com Adilson nos apresentando a história da região. A trilha que passa por trás de onde fora uma das “casas grandes” do engenho é desafiadora. Ela atravessa o rio Camorim e sobe uma montanha. Depois desse percurso, o líder do Quilombo nos convida a uma reflexão: “Eu gostaria que vocês fechassem os olhos por um minuto e pensassem como devia ser viver nestas condições. Precisando cruzar matas fechadas no escuro, sem sapatos, roupas que o protegessem, com fome, fugindo dos maus tratos, fugindo para preservar a própria vida. Vocês conseguiriam?”, pergunta. Ficamos em silêncio.
Direitos

O Decreto nº. 4.887, de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas define os quilombos como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofridas”. Quilombo vem da língua africana banto e significa “povoação”, um espaço de resistência e luta contra a escravidão que se dava à época. Formados por pessoas escravizadas fugidas de uma vida de submissão e violência, os quilombos se instalavam em locais de difícil acesso e se organizavam a fim de se protegerem de tropas coloniais. Seu objetivo primordial era a liberdade. Hoje, comunidades quilombolas permanecem como sinônimo de resistência e ancestralidade, mas não sem a necessidade de permanecer travando lutas diárias pela garantia de seus direitos humanos mais básicos.
É por isso que para a própria comunidade, ser quilombola vai além da definição mais conceitual. “É manter o legado. É entender de onde você veio e saber para onde você quer ir”, reflete Almeida. Sua fala é corroborada por Mateus Brito, coordenador Nacional da Conaq, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e membro do Quilombo Lagoa de Maria Clemência, em Vitória da Conquista (BA). “Ser quilombola hoje é insistir na resistência, insistir em reafirmar a sua identidade étnico-racial e buscar ser guardião da cultura, da ancestralidade, da territorialidade de onde você vem, do território onde você pertence”, afirma.
Quando se pensa nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), de universalidade, integralidade e equidade, percebe-se que ainda há um longo caminho a avançar, especialmente na saúde da população quilombola. Isso porque a cidadania desses grupos ainda não é exercida efetivamente, apesar da existência de legislações apontando nesse sentido, pelo menos, desde 1988, quando os direitos quilombolas foram reconhecidos na Constituição Federal. Em seu artigo 68, ela já afirmava que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Mas esta garantia, efetivamente, ainda não se deu. Só com o decreto de 2003, durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi regulamentada a previsão de 1988, e entre os avanços da nova legislação esteve a atribuição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como responsável pela regularização das comunidades. Outro destaque do decreto foi a noção de que pessoas quilombolas têm o direito de se autorreconhecerem como tal – de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), oficializada
no ano de 2002, no Brasil.
Em 2004, foi criado o Programa Brasil Quilombola (PBQ). Anos depois, se tornou base, da Agenda Social Quilombola (ASQ), por meio do Decreto nº, 6.261/2007. Sob a coordenação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) seus objetivos se voltaram a quatro eixos: acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local e direitos e cidadania. No mesmo ano foi instituído por meio do Decreto nº. 6.040/2007, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com objetivo de reconhecer, fortalecer e garantir os direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais dos quilombos. Já em 2010, com a promulgação da Lei nº 12.888, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial, definindo que “os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde.
Mas a pergunta que fica é: o que tudo isso tem significado na prática, e como pensar em uma saúde ampliada, que vá além da ausência de doenças, sem que a articule com outros condicionantes socioeconômicos? A questão do território, por exemplo, é, ainda hoje, o maior foco de luta e resistência para as comunidades. “A identidade quilombola está, necessariamente, ligada a uma territorialidade”, afirma Mateus Brito. Em 2022, pela primeira vez, a população quilombola foi identificada como grupo étnico no Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicado em 2023. Esses dados apontaram que, no Brasil, há mais de 1,3 milhão de quilombolas, distribuídos em 1.693 municípios, 24 estados e no Distrito Federal. A concentração maior de quilombos se deu no Nordeste (68,19%). De todas as localidades registradas, apenas 15% estão em territórios oficialmente reconhecidos pelo Estado.
O coordenador da Conaq explica que tanto em quilombos rurais, quanto nos urbanos, existem conflitos. “As ameaças são por disputas territoriais, fundiárias nas comunidades rurais. Tem muito conflito com relação a fazendeiros, grileiros de terra. Tem também os megaempreendimentos, que às vezes devastam esse território, inclusive com o próprio aval do Estado brasileiro, que muitas vezes também é um violador do direito desses territórios”, relata, complementando: “O Estado brasileiro é o maior garantidor, mas também o maior violador dos direitos quilombolas”.
Uma pesquisa realizada pela Conaq em parceria com a Ong Terra de Direitos demonstrou que, entre 2008 e 2022, 70 quilombolas foram assassinados. Desses, cerca de um terço dos casos estava relacionado a disputas de terra. “Nossos direitos são negados a todo tempo. E não dá para relaxar com essa questão de território. É uma disputa”, relata o líder do Quilombo do Camorim.
Um dos desafios para dar conta da amplitude de ações necessárias às populações quilombolas é a necessidade de articulação com diferentes ministérios, o que se tentou promover com o Programa Aquilomba Brasil (Decreto nº. 11.447/2023), criado com o intuito de promover medidas intersetoriais na garantia de direitos. Sob coordenação do Ministério da Igualdade Racial (MIR), a legislação apontou diversas medidas para a melhoria da condição de vida nos quilombos, como: promover sua segurança e a soberania alimentar e nutricional; garantir seu acesso à saúde física, mental, integral e de qualidade; garantir a regularização fundiária dos territórios, entre outros. Segundo Ronaldo dos Santos, secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT/MIR), o Aquilomba Brasil atualiza e amplia o decreto do Brasil Quilombola, fazendo frente às necessidades que se acumularam em um hiato de políticas. “Atuamos de forma sistêmica, uma vez que partimos do ponto de que as políticas precisam ser sempre integradas e transversais na busca de direitos e bem-viver para a nossa população”, explica.
A indissociabilidade entre território, sustentabilidade e este “bem-viver” das comunidades está presente também no Decreto nº 11.786, que instituiu, no dia 20 de novembro de 2023, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ). Por isso a questão da regularização dos territórios torna-se fator primordial nas discussões sobre saúde quilombola, porque mais do que apenas um pedaço de terra, eles favorecem a manutenção da biodiversidade, os alimentos e a preservação da cultura e ancestralidade. De acordo com o Censo de 2022, apenas 495 territórios estavam oficialmente delimitados no Brasil. Mas, se em teoria o processo já não é simples, na prática ele é ainda mais complexo.
De quem é a terra?

O primeiro passo é a autodefinição quilombola, com certidão emitida pela Fundação Cultural Palmares, que deve ser apresentada ao Incra. Em um segundo momento, é feito o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), com o objetivo de identificar os limites das terras. Com tudo certo, é publicada uma portaria pelo presidente do Incra reconhecendo tais limites no Diário Oficial da União e dos estados. É neste ponto também que ocorre o decreto de desapropriação, quando há imóveis privados no território. Os imóveis são então vistoriados e, após avaliação conforme o preço de mercado, uma indenização é dada àqueles que precisam desapropriar seus imóveis. “Esse é o momento que tem os maiores conflitos, porque é quando tem as perseguições das lideranças. E essa é também a desculpa que o Estado utiliza para não avançar na titulação”, reforça Brito.
Após concluídas todas essas etapas, o presidente do Incra realiza a titulação por uma concessão de título coletivo, por tempo indeterminado e “pró-indiviso” à sociedade, ou seja, torna-se um bem ou direito comum àquele quilombo. Fica também proibida a venda ou penhora do território. Além disso, cabe também aos estados e municípios expedirem os títulos às comunidades quilombolas localizadas nestes domínios. “São 8 mil territórios quilombolas e apenas 500 contam com algum tipo de regularização, ou seja, se seguir nesse ritmo, o Estado brasileiro vai precisar de mais 2.500 anos para poder titular todos os territórios. E sendo que desses 500, a maioria deles não foi titulada pela União, pelo governo federal, mas pelos estados”, afirma o coordenador da Conaq.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Incra afirmou que entre os maiores desafios neste processo estão a limitação de corpo técnico, a disponibilidade orçamentária para a realização dos estudos necessários e a indenização dos imóveis privados que incidem nas terras reivindicadas pelas comunidades. Também afirmam que “é preciso levar em conta que cada comunidade e cada trabalho de campo tem desafios muito peculiares. Determinados problemas só são conhecidos depois que as atividades para elaborar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) começam”.
Ainda segundo o órgão, outras situações importantes a serem consideradas são o tamanho do território (ou a quantidade de comunidades que ele tem), a distância em relação à superintendência regional do Incra, a maior ou menor dificuldade no acesso, a existência de tensões e conflitos no local e o número de imóveis de terceiros. Mas reforça que “o Incra sempre buscou estratégias para agilizar o processo de regularização fundiária dos territórios quilombolas”. Já o secretário Ronaldo dos Santos, do MIR, afirma que avançar nas etapas que levam à titulação das terras quilombolas tem sido uma prioridade do governo. “O Ministério da Igualdade Racial atua não apenas como articulador nesse processo que leva à titulação, mas principalmente como formulador de políticas públicas para as comunidades quilombolas, sejam elas já tituladas ou não”, explica Santos.
Saúde para quem?
São inúmeros os entraves para o acesso à saúde – incluído aí seu sentido mais literal. Logo na entrada do Quilombo do Camorim, por exemplo, há um ponto final de vans, e são elas que favorecem a mobilidade dos moradores, já que o transporte público não chega ali. Somado a isso, há o fato de que a Clínica de Família mais próxima está localizada a quatro quilômetros. A pé, leva em torno de uma hora e meia. “Está para ser construída uma mais próxima daqui”, diz Almeida, mas pondera: “Se realmente há uma prioridade, ela não se percebe. Quando você ‘bate’ no SUS, a gente tem uma medicação que é cara. E aí [o SUS] não fornece. Quando é para fornecer, está em falta. Graças a Deus, eu tenho minha saúde tranquila. Mas e quem não tem?”, questiona.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola (PNASQ), primeira política do Ministério da Saúde voltada especificamente à essa população, está sendo desenvolvida para defender o acesso à saúde. Segundo o MS, ela representa uma resposta do Ministério frente às propostas e recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), resultantes da 17° Conferência Nacional de Saúde (2023).
Mateus Brito conta que a Política está em processo de pactuação tripartite, ou seja, em fase de negociação entre Ministério da Saúde, governos estaduais e municipais para que haja um consenso sobre a Política, definindo ainda os recursos que serão alocados. O coordenador da Conaq explica que ela foi pensada dando conta de três desafios principais. O primeiro é o de aproximar a atenção primária dos territórios quilombolas, através de um plano chamado “Aquilomba SUS”, com adoção de critérios de priorização para os médicos do programa Mais Médicos atuarem nessas comunidades. Uma segunda dimensão é a formação de profissionais para a saúde quilombola. “Os profissionais de saúde às vezes não sabem o que é quilombo, não veem isso na graduação”, diz Brito. Por fim, ele aponta a inclusão dos quilombolas nas redes de atenção, que por vezes têm seus serviços centrados na zona urbana. Já para a Secretaria do Ministério da Igualdade Racial, a expectativa quanto à Política é permanecer avançando em sua formulação, até que esse movimento culmine em sua implementação. “Os dois órgãos [MIR e MS] seguem em diálogo constante, cada um atuando em sua esfera, de forma complementar, comprometidos com uma política que possa considerar a população quilombola em suas especificidades”, afirma Ronaldo dos Santos.
O saneamento básico (ou a ausência dele) também foi um dos pontos trazidos pelo Censo 2022. Chamou a atenção o fato de que apenas 33,6% dos moradores quilombolas utilizavam a “rede geral de distribuição” como método principal de abastecimento; 24,7% dos moradores quilombolas não tinham banheiro de uso exclusivo do domicílio; 12,9% tinham apenas sanitário ou buraco para dejeções, inclusive os localizados no terreno, enquanto 6,2% dos residentes não tinham banheiro ou sanitário. “Aqui no Quilombo do Camorim, nós não temos saneamento básico. Ele chega só até a igrejinha [que fica na entrada da comunidade]. Da igreja para cima não tem. As casas jogavam o esgoto in natura no rio, então a gente fez um trabalho de colocar biodigestores para purificar a água. Agora ela já vai, pelo menos, com uma porcentagem limpa, não polui mais tanto o rio”, revela Almeida. “Isso é uma grande demanda que eu tenho com os órgãos, de trazer o básico para dentro da nossa comunidade. De 200 casas que jogavam esgoto in natura nos rios, hoje fica na base de umas 50”, conta.
Dia de Zumbi
O dia 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, foi instituído pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, como um símbolo da luta antirracista no país. Mas o nome traz em si uma disputa de sentidos sobre para quem ele é voltado. “Eu chamo essa data de ‘Dia da Resistência Preta’. Porque quando fala de ‘consciência’, fica parecendo que nós não temos. E quanto ao ‘negra’, sempre associam tudo de ruim a este nome: nuvem negra, lista negra... Já à cor preta, não. O feijão preto, por exemplo, todo mundo gosta”, afirma Almeida, que apesar das críticas sempre realiza uma festa na comunidade para celebrar a data. “Para falar desse 20 de novembro, a gente tem que refletir sobre as nossas ações. Se eu quero viver um presente de igualdade e respeito, eu tenho que criar isso para o futuro. Não é uma luta de um movimento em que criaram uma ‘consciência negra’, porque consciência nós temos. Se eu não tivesse consciência, eu não estaria lutando por esse espaço, para manter toda essa memória viva”.
Apesar das contradições que envolvem estas datas, já são 137 anos desde a “oficialização” da abolição da escravidão no Brasil – o último país do continente americano a fazê-lo. De lá para cá, apesar das conquistas, fica claro que há uma disparidade no acesso a direitos entre a população em geral e os descendentes de pessoas que foram escravizadas no país. Mais do que isso: de que, sem mobilização, a vida digna, negada a toda essa população há mais de cinco séculos, permanecerá como um direito não concretizado. Ainda que os riscos de resistir, segundo Adilson Almeida, permaneçam tão perigosos quanto no passado, ceder não é uma opção. O líder do Quilombo do Camorim cita Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018, por motivações políticas relacionadas à expansão das milícias. “Ela foi uma pessoa que me ajudou muito aqui. Conheci ela pessoalmente, de luta. E o que aconteceu com ela?”, pergunta. “É por isso que eu falo. Minha vida hoje é tensa. Porque mexeu com o sistema... Mas eu não vim para agradar o sistema, eu vim para lutar contra ele”, conclui.
Preservação do ambiente
Há uma associação direta entre populações quilombolas e preservação ambiental. Segundo o “Projeto MapBiomas – Mapeamento anual de cobertura e uso da terra no Brasil entre 1985 e 2022”, realizado por uma rede colaborativa com ONGs, universidades e empresas de tecnologia, territórios quilombolas brasileiros estão entre as áreas de menor desmatamento do país. São 3,4 milhões de hectares de vegetação nativa, o que representa 0,6% do total nacional. Os dados apontam que, entre 1985 e 2022, a perda de vegetação nativa nesses territórios foi de 4,7% contra 17% em áreas privadas. Ainda de acordo com o levantamento, essa vegetação nativa está concentrada na Amazônia (73%), seguida do Cerrado (12%) e Caatinga (10%). Para se ter uma ideia, em quilombos na Mata Atlântica houve ganho de 7.8 mil hectares de vegetação nativa. “Em 40 anos, os territórios quilombolas preservaram, deixaram a floresta de pé, mais do que áreas privadas, mais até do que territórios indígenas,”, afirma Mateus Brito.
O coordenador da Conaq fala sobre essa proteção, ainda que diante de um contexto de constantes ameaças. “Apesar de toda a violência e disputa, do conflito territorial no qual mais de 30 lideranças foram assassinadas só de 2018 para cá, os territórios quilombolas contribuem para o conjunto da sociedade brasileira mantendo a floresta de pé”, reforça, e faz um alerta sobre o papel fundamental que os quilombos têm na preservação da sociobiodiversidade. “Esse é um processo que os territórios fazem não só para eles próprios, mas para toda a sociedade brasileira, para o mundo todo. Em tempo de crise climática, manter a floresta de pé, preservada, é um trabalho que as comunidades quilombolas fazem, apesar de estarem no meio de conflito, de disputa, e não terem o seu território protegido”, assegura Brito.