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Um sonoro não à ‘economia da morte’

Em conferência, Jaime Breilh falou sobre a vocação predatória do capitalismo e analisou as faces contemporâneas desse modo de produçã.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 07/04/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

As potências de uma economia da vida versus a degradação da natureza e dos povos. Esse binômio foi o fio condutor da conferência proferida por Jaime Breilh, professor da Universidade Andina Simón Bolivar (Equador) no encerramento do V Seminário da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, que aconteceu no Rio de Janeiro entre 27 e 29 de março. Parafraseando o escritor Gabriel García Marquez, Breilh começou sua fala caracterizando a América Latina como ‘um manancial de criatividade insaciável, pleno de infelicidade’. “Essa combinação é o cenário triste e promissor do que estamos lutando para alcançar na Saúde Coletiva. Estamos ávidos por alimentar essa criatividade e impulsioná-la até a emancipação, mas necessitamos urgentemente operacionalizar a infelicidade que nos impuseram em termos de saúde para que essa natureza pródiga não siga nas mãos dos corsários, dos megapiratas que converteram a vida numa grande feira de cobiça”, afirmou.

Breilh acredita que a resposta está no Bem Viver ou, em outras palavras, em uma economia da vida que tenha como ponto de partida a compreensão de que o ser humano forma uma unidade dinâmica com a natureza. Contrapondo as bases da reprodução social do sujeito comunitário à lógica hegemônica da reprodução social do capital, Breilh desenvolveu a teoria dos quatro ‘S’, princípios que operam em todos os espaços onde a vida se desenvolve, mas que, no capitalismo, foram subvertidos. O primeiro deles é a sustentabilidade, base da relação dos povos originários com a natureza, que tiram dela apenas o necessário para viver. Em seguida, vem a solidariedade, que supõe a construção e sustentação de laços sociais fortes; a soberania dos povos e a seguridade integral, que se opõe à fragmentação setorial.

No capitalismo, os quatro ‘S’ foram transformados em seu contrário, pois a lógica antropocêntrica vê a natureza como “recurso natural” pronto para ser explorado. Os interesses privados minaram a solidariedade, substituída pela solidão. Os povos têm sua soberania sistematicamente desrespeitada, sendo submetidos a papeis degradantes e subalternos, enquanto que a compreensão integral da segurança social é esfacelada, como nas metas e resoluções das Nações Unidas que usam indicadores, como diminuição da contaminação das águas e redução da mortalidade materno-infantil, sem nunca relacionar esses problemas e combatê-los desde a raiz.  “Esse fracionamento sobre indicadores de Bem Viver é a grande mentira. O Bem Viver está na integralidade e isso não se alcança com cosmética social, mas com transformação revolucionária da sociedade”, disse, completando: “Toda a marcha da sociedade capitalista se dá em torno da reprodução social do capital, não do sujeito vivo. Essa reprodução tem um nome, se chama acumulação do capital, que é a ordem dominante sobre as relações na sociedade e, desta, com a natureza”.

Degradação acelerada

Se a orientação da força produtiva capitalista é, na essência, dirigida para a produção de bens e mercadorias, o que caracteriza o capitalismo no século 21? Breilh sustenta que a diferença é a aceleração da acumulação do capital, que pode ser dimensionada a partir de três mecanismos: a convergência de capitais para uso produtivista das tecnologias, o despojo e o choque. O equatoriano citou como exemplo da primeira dimensão o fato de pesquisas envolvendo nanotecnologia, biotecnologia, neurociências, geoengenharia, dentre outras tecnologias, estarem a serviço do aumento do lucro dos monopólios transnacionais, principalmente empresas da agroindústria que contaminam massivamente o planeta. Já o despojo pode ser visualizado a partir das estatísticas crescentes do chamado ‘land grabbing’, fenômeno em que transnacionais compram ou arrendam quantidades enormes de terra fértil, problema particularmente agudo em países africanos como Libéria, Serra Leoa e Etiópia. Já o choque pode ser entendido a partir da saúde pública, como no episódio da epidemia da gripe H1N1: “O choque é um grande negócio porque o pânico faz com que os governos invistam uma grande quantidade de recursos em compras massivas de medicamentos que, depois, ficam estocados até perder a validade”.

Ciberespaço

Breilh também falou sobre outra dimensão do capitalismo contemporânea: o ciberespaço. Segundo ele, as novas tecnologias de informação e comunicação são hoje um espaço não só de controle policial, mas de acumulação de capital. “Do mesmo modo que há a submissão real do trabalho nas linhas de montagem e a submissão através do consumo, temos hoje a submissão cibernética. As redes sociais criaram um espaço próprio para acumulação acelerada de capital e circulação instantânea de bens e mercadorias. Não é só controle, espionagem e bullying, mas um processo de proletarização inconsciente de todos nós na internet. Quando entramos no Facebook, trabalhamos de forma inconsciente, convertemos nossa vida privada em mercadoria. Isso requer uma nova teoria de poder”, analisou.