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Uma obra contra a invisibilidade

Historiador Lucas Cabral de Castro analisa relevância do livro 'Mocambos e quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil'.
Revista Poli - EPSJV/Fiocruz | 06/11/2015 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

O  novo livro de Flávio Gomes, ‘Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil’, publicado pela editora Claroenigma, trata esses espaços de resistência escrava durante os séculos 16-19. O livro faz parte da coleção ‘Agenda brasileira’ que, a tomar pelos outros títulos, diz muito sobre o objetivo do livro: apresentar ao grande público um tema candente na sociedade através de lentes que o tornam mais complexo. E ‘Mocambos e Quilombos’ o faz através de uma linguagem acessível, oferecendo ao curioso uma extensa lista bibliográfica e excelente introdução da resistência escrava e negra na história do Brasil.

Quilombos ou mocambos, termos da África central, foram os nomes dados às diversas aglomerações de escravos fugidos das grandes zonas monoculturoras da América portuguesa. Porém, a administração colonial, ao reduzir esses fenômenos a um nome, igualaram as muitas e diversificadas experiências de resistência. Espaços de contestação da ordem escravista, sua presença era contínua, visível no extenso levantamento que o autor oferece sobre o número de quilombos ao longo do tempo em diversas regiões do Brasil. Mas o autor também deixa claro que essa não é uma especificidade da colonização portuguesa, sendo comuns tais ajuntamentos em outras regiões da América.   
Talvez um dos grandes méritos do livro seja a desconstrução da imagem do quilombo como local apartado do resto da sociedade, aparecendo somente em momentos de afirmação da ordem escravista através da lógica do conflito. Flavio Gomes demonstra como eles eram espaços integrados a complexos circuitos comerciais – em alguns casos, construindo relações efetivas sobre as fronteiras, mais imaginárias do que reais, das zonas coloniais americanas. Assim, os quilombolas ocuparam zonas no interior da colônia, desenvolvendo uma agricultura fundamental para o abastecimento das regiões urbanas e fazendas, formando um campesinato negro que ainda demonstra sua influência no interior do Brasil, inclusive por manter relações com os ameríndios e compor comunidades mestiças singulares.

E ainda assim representavam um símbolo de resistência que necessitava ser combatido, pois eram um polo de atração de escravos insubordinados. Importantes, pois, os quilombos eram edificados segundo as suas necessidades de defesa, em locais estratégicos que permitiam a fuga, com a construção de postos avançados e armadilhas em seu entorno. O autor demonstra como os conflitos entre escravos/quilombolas e senhores assumem formas variadas, desde uma “greve” de escravos na Bahia do século 18 que se transformou em um quilombo dentro das terras senhoriais, até iniciativas de ataque por parte dos quilombolas a vilas e fazendas, roubando provisões e armas ou exigindo tributos dos moradores urbanos.

Assim, ‘Mocambos e Quilombos’ é um livro fundamental nesses tempos de afirmação dos direitos sociais de minorias. Depois do 13 de maio de 1888, como afirma Flávio Gomes, os quilombos sumiram da documentação oficial, invisibilizados pela liberdade que conquistaram. Porém, hoje, com o número expressivo de reinvindicações por demarcação por parte dos remanescentes quilombolas, essas comunidades mostram que continuaram a exercer um papel importante na dinâmica socioeconômica e cultural das regiões em que habitam. Continuaram existindo, mesmo invisibilizadas. Como lente de aumento de tais reinvidicações, o livro é uma contribuição essencial para dar visibilidade essa história.

Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. Flávio Gomes. Ed. Claroenigma, 2015, 240p.

Por: Lucas Cabral de Castro, historiador e mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da PUC-RJ