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Brasil perdeu a chance de conter avanço rápido da covid usando estrutura de atenção primária

A capacidade de atendimento da rede de Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil poderia ter mudado significativamente a evolução da pandemia em solo nacional. No entanto, a falta de coordenação e de unidade de ações por parte do Ministério da Saúde levou o país a perder a oportunidade de desacelerar a propagação do coronavírus ainda no início da emergência em sanitária.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Medicina da Família e Comunidade, especialistas avaliam que a APS já demonstrou que tem capacidade para enfrentar situações críticas e emergenciais diversas vezes no Brasil e citam as experiências com a dengue, zika e ebola como exemplos.

O sistema tem potencial de atuar como mecanismo importantíssimo de prevenção, rastreamento, diagnóstico, tratamento e reabilitação de pacientes. Isso porque tem o "atributo da orientação comunitária, que possibilita reconhecer as necessidades de saúde coletiva em um território por meio da análise epidemiológica combinada ao contato direto com a população".

Na pandemia da covid-19 esse papel ficou "aquém de suas potencialidades" e a inação do governo federal está diretamente ligada a esse cenário.

"O Brasil, que dispõe de ampla cobertura de APS alcançada por meio da Estratégia Saúde da Família, no decorrer do primeiro ano de pandemia, teve orientações do Ministério da Saúde limitadas a protocolos clínicos para o manejo de pacientes com sintomas respiratórios", diz o texto.

Segundo uma das autoras do artigo, a professora e pesquisadora Michele Fernandez da Universidade de Brasília (UNB), unidades de APS chegaram a ser fechadas para dar espaço a uma estratégia que priorizou os casos mais graves e deixou a prevenção de lado.

"No início da pandemia, houve negligência na reorganização da atenção primária para atuar nesse contexto de emergência sanitária. O foco foi na preparação hospitalar, leitos de UTI e respiradores. Em muitos lugares, a atenção primária foi inclusive fechada para que os profissionais pudessem atuar em outros níveis de atenção, que passaram a ocupar um lugar central pela opção de enfrentamento da pandemia que o governo realizou, com foco na atenção hospitalar em detrimento da atenção primária."

Além de ter perdido a chance de controlar o coronavírus no começo com ações de prevenção, essa estratégia escolhida pelo governo federal também foi responsável pela superlotação de hospitais e leitos de UTI. O efeito dominó foi devastador e, menos de um ano após o primeiro registro da covid-19 no país, o sistema de saúde colapsou e enfrentou um caos nunca antes registrado na história brasileira.

Metodologia e futuro

Além de Michelle Fernandez, assinam o artigo Luísa da Matta Machado Fernandes, do Instituto Rene Rachou (Fiocruz Minas Gerais), e Adriano Massuda, da Fundação Getúlio Vargas.

Para chegar às conclusões apresentadas no texto, o grupo analisou documentos publicados durante o primeiro ano da pandemia. Na lista estão orientações, portarias, protocolos, guias e recomendações do Ministério da Saúde e de outras entidades do poder público, como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas técnicas divulgadas por sociedades científicas também foram avaliadas.

O levantamento mostra que a ação insuficiente do Ministério da Saúde no preparo e no uso da atenção primária teve como contraponto as tentativas de organização de estados, municípios e da sociedade civil.

O artigo conclui que estratégia de combate à pandemia do Brasil falhou no que diz respeito às responsabilidades de coordenação do governo federal. Mesmo com alertas de diversas entidades nacionais e internacionais, o papel da APS foi subestimado.

Pouco do que foi proposto pela pasta da Saúde chegou à fase de implementação por questões básicas, "falta de recursos financeiros, de orientação adequada, de recursos humanos, de acesso a insumos e de treinamento de forma coordenada".

Ainda assim, as autoras e o autor ressaltam que há tempo de aproveitar a estrutura da atenção primária para evitar novos impactos, levando em consideração que a pandemia não acabou.

Para isso é preciso "retomar a centralidade" da APS no Sistema Único de Saúde (SUS). Michelle Fernandez afirma que vencer os desafios atuais da covid-19 depende diretamente do fortalecimento da atenção primária. É nela que a vacinação tem andamento e que pacientes com sequelas encontram a porta de entrada do SUS.

"Começamos a enfrentar novos desafios que o novo momento da pandemia traz. Eu salientaria dois desses desafios. O cuidado dos pacientes com covid longa, uma condição que ainda vem sendo estudada e que tem a atenção primária à saúde como uma potencial porta de entrada para o atendimento dessas pessoas. Uma segunda frente importante é a vacinação. A atenção primária à saúde é onde a vacinação é implementada no SUS. Focar na vacinação é importante para proteger as pessoas, para conter o surgimento de novas e cepas e, portanto, o prolongamento da emergência sanitária."

Edição: Nicolau Soares

Por: Juliana Passos e Nara Lacerda, do Brasil de Fato

Categoria(s):

Repórter SUS