Um relatório anual que observa globalmente os impactos das mudanças climáticas na saúde aponta que o Brasil precisa de sistemas alimentares mais sustentáveis e socialmente justos para enfrentar o problema. O documento Lancet Countdown é uma publicação internacional que monitora as ações dos países para frear os impactos da devastação ambiental na população. Ele avalia o cumprimento dos compromissos feitos pelos governos no Acordo de Paris.
Em conversa com o podcast Repórter SUS, o coordenador da área de ambiente da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Guilherme Franco Netto, afirma que o aquecimento global atinge todas as dinâmicas do planeta e a humanidade precisa de adaptações nesse cenário.
"A Terra está mais quente. Objetivamente falando, nós estamos ultrapassando 1.5° Celsius do limite esperado para uma situação de controle, de conforto, vamos dizer assim, de manejo dessa situação da mudança do clima. Esse aquecimento global afeta todos os componentes da vida humana, não apenas a saúde, mas toda a dinâmica de todos os seres vivos que habitam o planeta. Nós temos que fazer adaptações e arranjos capazes de fazer com que a gente sobreviva a essa situação.”
Consideradas a maior ameaça à saúde da atualidade, as mudanças climáticas no Brasil estão diretamente ligadas aos modos de produção dos alimentos e das commodities. A conta para chegar a essa conclusão é simples e direta: 73% das emissões de gases em território nacional estão ligadas à agropecuária e às mudanças no uso do solo. Em 2022, mais de 95% do desmatamento foi causado pela agropecuária.
“Neste contexto, o consumo excessivo de carne vermelha, carne processada e produtos lácteos pode causar doenças crônicas evitáveis e morte prematura. Essas duas perspectivas, complementares, destacam o duplo impacto negativo dos sistemas alimentares atuais que afetam o planeta e a saúde das pessoas”, exemplifica o relatório.
Outra consequência visível das mudanças climáticas são os grandes desastres, incluindo uma histórica onda de calor no inverno, catastróficas enchentes no Rio Grande do Sul e recordes de secas e incêndios florestais na Amazônia.
São extremos meteorológicos que trazem consequências profundas na saúde e no bem-estar das populações, não apenas pela exposição a altas temperaturas e à poluição do ar, mas também pela destruição de moradias, meios de subsistência, serviços e direitos essenciais.
“Há uma afetação de centenas de milhares de pessoas, que têm todo o seu sistema de vida completamente alterado, seja por falta de acesso a uma alimentação razoável, acesso dificultado à água para consumo humano e outros aspectos, como o agravamento das doenças crônicas, degenerativas e aumento da área de influência de doenças, como, por exemplo, a dengue”, afirmou Franco Netto ao Repórter SUS.
Para frear esses processos, o relatório aponta a necessidade de iniciativas governamentais amplas e integradas, que garantam acesso equitativo a alimentos saudáveis com produção de baixa emissão, assim como um alinhamento das práticas agrícolas com metas de redução de emissões.
O documento destaca a necessidade de maximizar o papel dos agentes comunitários de saúde na promoção do Guia Alimentar para a População Brasileira. Políticas públicas que integrem sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis como parte da ação climática são primordiais. “Desde a produção agrícola primária até o consumo de alimentos - ou, do campo à mesa”, diz o texto.
Na conversa com o podcast, Guilherme Franco Netto apontou o Sistema Único de Saúde (SUS) como um trunfo que precisa ser utilizado frente ao avanço desse cenário. “Nós temos no Brasil uma oportunidade extraordinária que precisa ser aproveitada, que é a existência do SUS. Pouquíssimos países têm um sistema de saúde como o nosso.”
Segundo ele, a estrutura, a capilaridade e a participação popular no sistema têm potencial de garantir respostas mais eficazes aos impactos das mudanças climáticas na saúde da população.
“Ele é sistêmico, estruturado, está em todos os níveis interfederativos envolvidos, tem um forte envolvimento da sociedade no seu planejamento, na formulação de políticas, no acompanhamento, na gestão. O que nós precisamos essencialmente no Brasil é fazer com que essa política pública tão bem sucedida consiga se tornar resiliente à mudança do clima, que, infelizmente, nós não temos como impedir. Isso vai ser uma constante entre nós.”
*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz)
Foto: Adriano Gambarini / WWF Brasil / Divulgação
Edição: Rodrigo Chagas
Por: Juliana Passos e Nara Lacerda, do Brasil de Fato