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Crise em terras Yanomami tem raízes em ideia perversa sobre indígenas

Há cerca de dez dias, desde que o governo federal declarou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional nos territórios Yanomami, o Brasil assiste a cenas que ilustram uma verdadeira tragédia humanitária.

Na lista de violações dos direitos humanos estão casos de mortes por desnutrição severa, surtos de malária, água contaminada, violência e até estupros contra mulheres indígenas, inclusive adolescentes.

Apesar do foco recente, as denúncias não são novas. Desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL), as próprias comunidades, organizações e movimentos populares passaram a notar crescimento intenso do garimpo ilegal na região. A atividade criminosa é vista como principal causa da crise que assola o território indígena.

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Pesquisadora da Fiocruz, a professora Ana Cláudia Vasconcellos, que atua na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) afirma que o cenário tem raízes em um pensamento “retrógrado e perverso”, que considera a existência dos indígenas e a preservação dos modos de vida dos povos originários um atraso para o país.

“Infelizmente, há muitas pessoas que pensam dessa forma e que acreditam que as terras ocupadas pelos povos indígenas, que representam 13,8% do território nacional, deveriam ser usadas para produção de commodities, como milho e soja, criação de gado, extração de madeira e para outras atividades exploratórias. Ou seja, uma parte importante do povo brasileiro acredita que terras da União não deveriam ser disponibilizadas para usufruto de comunidades indígenas, porque seria um desperdício.”

Ela alerta que a situação piora quando autoridades endossam esse discurso, como aconteceu ao longo da gestão bolsonarista.

“Quando esse tipo de pensamento, nocivo e colonialista, é defendido por autoridades do governo, como foi o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, produz consequências muito graves e perigosas. Um exemplo disso, é privar os Yanomami de ter acesso aos seus direitos constitucionais, como água potável, assistência à saúde, segurança alimentar, moradia.”

Água contaminada

Um dos focos das pesquisas de Ana Claudia Vasconcellos está nas consequências da exposição humana ao mercúrio, metal usado no garimpo. Ele causa contaminação da água e dos peixes, impede o uso do recurso para irrigação de roças e leva doenças às comunidades.

No ano passado, uma nota técnica assinada pela pesquisadora e por outros pares, que também atuam na Fiocruz, trazia um alerta sobre os altos níveis de mercúrio encontrados em pescados da Bacia do Rio Branco, em Roraima.

A análise aponta que a ingestão em crianças menores de cinco anos poderia chegar a ser 32 vezes superior aos limites definidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU). O governo Bolsonaro não comentou o documento e não tomou nenhuma ação para reverter o cenário.

Para resolver problemas dessa magnitude, Vasconcellos afirma que a saída é a retirada total e imediata de garimpeiros e outros invasores da terra indígena. Segundo ela, é preciso atuar para punir os responsáveis pelos crimes praticados.

“É uma atividade que provoca o desmatamento, a erosão do solo, o assoreamento dos rios, mas que também provoca a contaminação do ecossistema amazônico por mercúrio. O mercúrio que o garimpeiro usa é chamado de metálico, mas ele é muito conhecido na Amazônia como azougue."

"Esse azougue lançado em sistemas aquáticos se transforma em metilmercúrio pela ação de bactérias que vivem no sedimento do rio. O metilmercúrio é a forma mais perigosa do mercúrio. Todo tipo de animal que vive dentro do rio se contamina e esses animais são muito usados para alimentação. É assim que as pessoas se contaminam. Ele tem uma ação muito específica no organismo humano e provoca lesões no sistema nervoso central das pessoas”

Pesquisas apontam que a permanência do mercúrio no meio ambiente poder chegar a um século. Mas, de acordo com a pesquisadora, há estudos mostrando que a interrupção do garimpo traz também resultados em curto e médio prazo. Segundo Ana Paula Vasconcellos, além de todas as medidas já anunciadas pela gestão de Lula (PT) para a região, será necessário acompanhamento das populações expostas à contaminação.

No mesmo dia em que declarou estado de emergência para a região, o governo federal determinou a criação de um grupo de trabalho envolvendo diversos ministérios para conter a tragédia humanitária. Por decreto, a força tarefa tem 90 dias para atuar e. nos primeiros 45 dias de trabalho, precisará apresentar um "plano de ação estruturante" com respostas à crise.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

Por: Juliana Passos e Nara Lacerda, do Brasil de Fato

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