Uma parceria entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai criar coletivos de saúde voltados para o atendimento de comunidades impactadas por esses empreendimentos e pelas mudanças climáticas.
A ideia será implementada inicialmente em oito estados, com objetivo de desenvolver políticas e ações adaptadas às particularidades de cada território e população.
Para isso, o projeto será permeado pelo diálogo entre saberes populares e científicos. A formação das lideranças terá foco na capacitação para atuar localmente, mas também para articular soluções com o poder público.
O Brasil tem cerca de 4 milhões de pessoas que já foram ou são impactadas pelas barragens. Os casos mais emblemáticos ocorreram nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho, há oito e cinco anos respectivamente.
As tragédias causaram centenas de mortes, destruíram diversas cidades e impactaram rios, cursos d’água, biodiversidade e modos de vida tradicionais. Mais recentemente, as barragens também foram um problema nas chuvas excessivas do Rio Grande do Sul. Houve risco de rompimento e algumas estruturas foram danificadas.
"O primordial nessa cooperação é que a gente realmente está o tempo todo em parceria com o movimento. Temos pesquisadores de diversas unidades da Fiocruz e pesquisadores do MAB. Nós, realmente, trabalhamos em cooperação", ressalta Gabriela Lobato, assessora da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz.
Antes da etapa de formação dos coletivos, as duas organizações precisaram superar um problema crônico de falta de informação oficiais sobre o tema. MAB e Fiocruz se reuniram para sistematizar dados e entender os efeitos da presença das barragens na saúde humana e no meio ambiente.
Foram analisados estudos e documentos publicados entre 1940 e 2022. Esse processo também ouviu as comunidades de atingidos e atingidas em diversas regiões do Brasil. A conclusão é de que os impactos dos grandes empreendimentos são sentidos não só na saúde mental, mas interferem até mesmo no aumento das doenças crônicas.
"É importante explicitar que a população vê essas barragens nas mídias quando acontecem desastres. Mas o que aprendemos muito com o movimento é que o anúncio de uma barragem já causa danos à saúde de uma população e de uma comunidade", pontua Lobato.
Os impactos observados passam por doenças infectocontagiosas e parasitárias e aumento de males crônicos como diabetes, hipertensão e cardiopatias e doenças respiratórias.
Além disso, as consequências sociais ampliam a ocorrência de violência de gênero, assédio sexual e até gravidez na adolescência. Águas e territórios contaminados causam intoxicações e impedem a produção de famílias agricultoras.
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Gabriela Lobato explica que a ocorrência das tragédias exige disponibilidade de cuidados emergenciais para pessoas feridas, por exemplo. Mas o trabalho não termina por aí.
"Concluímos também que as doenças crônicas passam a aumentar demais. Por exemplo, as pessoas começam a ter acidente vascular cerebral (AVC) pouco tempo depois. Temos estudos que mostram que esses casos aumentaram de seis meses a um ano depois das tragédias."
Ela também ressalta que as populações e profissionais da saúde precisam lidar com a limitação de acesso e o interrompimento de tratamentos anteriores aos desastres. "Um paciente HIV positivo, com hepatite ou um cardiopata, por exemplo, tem uma desregularização do tratamento, então a possibilidade dessa doença crônica piorar e trazer outras consequências é muito grande."
*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
Foto: Pedro Strapasolas/Brasil de Fato
Edição: Martina Medina
Por: Juliana Passos e Nara Lacerda, do Brasil de Fato