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Mesmo no SUS, custos para manter tratamentos de saúde das crianças comprometem renda das mães

Uma pesquisa realizada entre pacientes pediátricos em um hospital de referência do Rio de Janeiro indica que questões básicas, como transporte e alimentação, podem se transformar em verdadeiros empecilhos para a continuidade de tratamentos.

O estudo foi publicado na revista mensal Cadernos de Saúde Pública (CSP), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Foram entrevistadas pessoas responsáveis por crianças que aguardavam consultas para avaliação de cirurgia pediátrica no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE). Elas responderam questões sobre o custo do transporte para dar continuidade ao tratamento e que tipo de consequências e ajustes na vida cotidiana precisaram ser feitos.

Para boa parte, o tratamento significou despesas extras com deslocamento, comida, cuidadores e cuidadoras para as outras crianças da família, perda de renda e até mesmo desligamento total do mercado de trabalho.

A médica Lisieux Eyer de Jesus, uma das autoras do estudo e que atua no Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense e no HFSE, pondera que não é possível generalizar os resultados. Ainda assim, é consenso que questões sociais e a desigualdade podem prejudicar a continuidade de tratamentos. 

"O que persiste em torno do contexto social do paciente influencia muito diretamente no resultado ou até no que é factível em um tratamento. Absenteísmo altera o tratamento, dificuldade de acesso aos meios médicos altera tratamento."

Cerca de metade das crianças observadas pela pesquisa tinham até 5 anos de idade e mais de 89% das famílias recebia renda mensal de até R$ 1.999. Entre os casos de alta complexidade, 9,33% das mães entrevistadas abriram mão de exercer qualquer atividade remunerada regular para conseguir acompanhar filhos e filhas no tratamento. Foi relatada perda de pagamento e diárias por 39,6% das pessoas que participaram da pesquisa. 

Para 87,13%, as despesas a mais com alimentação precisaram ser inseridas no orçamento. Quase 6% tiveram que pagar cuidadores ou cuidadoras para outros filhos e filhas nos dias das consultas.

"Verificamos que existe um custo muito alto, proporcionalmente ao poder aquisitivo da nossa população, simplesmente para ir ao hospital, principalmente representado de forma direta pelo custo do transporte e pelo custo de estar no hospital e pagar alimentação. O tempo de transporte dos pacientes é muito grande, em média 2 horas para ir e mais 2 horas para voltar. Isso também pesa porque não é possível, por exemplo, para a maioria das famílias, recuperar um turno de trabalho. O tempo que as pessoas levam entre a casa delas, chegar ao hospital, esperar o atendimento e voltar para a casa delas não permite" aponta Lisieux Eyer de Jesus.

Esses custos, que não estão ligados diretamente ao pagamento de despesas médicas, influenciam diretamente a frequência de atendimento e as faltas em consultas ambulatoriais. O problema é mais crítico para a população com menor poder aquisitivo.

"É um custo indireto muito sério para as famílias perder o dia de trabalho, principalmente se avaliarmos que a população brasileira atualmente tem um nível muito alto de pessoas que trabalham por conta própria, trabalhadores que não são assalariados. Até assalariados têm dificuldade muito grande de conseguir dispensa de trabalho para levar os filhos para atendimento, porque a lei não faculta esse direito de forma direta. Outra coisa que é muito relevante é que as mães de crianças com doenças crônicas e de alta complexidade, pela falta de estrutura de apoio, têm que abrir mão de qualquer atividade remunerada para poder cuidar dos filhos e isso quer dizer que elas ficam mais pobres."

A médica afirma que as soluções para essa questão não são simples, mas sinaliza a necessidade de medidas em várias frentes e articuladas. A telemedicina é uma possibilidade, mas não atende a todos os casos e precisa ser definida a depender das complexidades de cada paciente.

Estabelecer subsídio para passagens, ações de preparo pré-operatório e segmento pós-operatório também estão entre os possíveis caminhos para solucionar o problema. Ela cita ainda ações organizacionais, como o agendamento de eventuais consultas em várias especialidades para um mesmo dia, o que diminui a quantidade de idas ao hospital.

A atenção primária tem papel importante no cenário. Lisieux Eyer de Jesus alerta ainda que a legislação precisa ser mais firme na garantia de direitos trabalhistas para as mães que precisam acompanhar crianças em tratamentos médicos, a fim de evitar perda de renda e trabalho por impossibilidade de comparecimento. Nas palavras da especialista, "é uma obrigação legal dos pais atenderem às necessidades de saúde dos filhos, então não é razoável que isso seja fonte de uma punição do ponto de vista de trabalho."

Edição: Thalita Pires

Por: Juliana Passos e Lara Lacerda, do Brasil de Fato

Categoria(s):

Repórter SUS