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Por que somos contra a MP da reforma do Ensino Médio?

O ensino médio brasileiro está falido e precisa sofrer uma reforma?

Não. O ensino médio enfrenta problemas sérios, como, por exemplo, os altos índices de evasão. Mas as razões para esse problema precisam ser procuradas também fora da escola, na vida que a nossa sociedade tem oferecido aos jovens, principalmente os mais pobres, que frequentam as escolas públicas. Para as famílias de baixa renda, tem sido cada vez mais difícil manter os filhos maiores na escola, não só porque o simples ato de ir à escola implica algum custo mas também porque o tempo de estudo muitas vezes precisa ser usado para trabalhar e ajudar em casa. Além disso, a falta de financiamento e de prioridade por parte dos governos faz com que boa parte das escolas públicas esteja sucateada, com problemas de infraestrutura e falta de professores e de outros profissionais da educação. Portanto, a escola pública, principalmente na etapa de formação dos jovens, precisa de mais investimento e de uma relação permanente com outras políticas sociais, problemas que estão muito além do currículo.

Mas o currículo do ensino médio não deveria ser mais interessante para os jovens?

Sim e não. Claro que quanto mais interessante a escola for para os jovens, melhor para todo mundo. Mas é preciso não se iludir com um falso discurso sobre autonomia. Interesses não são espontâneos nem naturais, eles são determinados, em grande medida, pelas condições concretas de vida dos indivíduos. Um jovem que não frequente cinema, teatro ou museus, por exemplo, dificilmente vai desenvolver um interesse específico pelas artes. Aqui, o interesse está limitado pela falta de acesso. Da mesma forma, a entrada rápida no mercado de trabalho – por meio de um curso profissionalizante, por exemplo – pode ser entendido como “interesse” de uma parcela dos estudantes brasileiros quando, na verdade, talvez seja apenas a urgência que os jovens das camadas mais pobres têm de contribuir com a renda da família. Aqui, o interesse é definido pela necessidade. Isso quer dizer que os “interesses” individuais também refletem a desigualdade da sociedade. Não que a escola deva ser indiferente a isso: ao contrário, visando superar essa desigualdade que existe na sociedade, a escola deve ser o espaço em que todos tenham igual acesso a oportunidades de conhecimento e desenvolvimento intelectual. Organizar a educação a partir dos “interesses” dos jovens pode parecer uma forma de respeitar a liberdade de cada um, mas não é: significa naturalizar a desigualdade social que afeta a nossa juventude, reproduzindo-a para dentro da escola.

O currículo do ensino médio no Brasil não é mesmo muito carregado, com um número excessivo de disciplinas que muitas vezes não vão ter utilidade nenhuma para os jovens?

Não existe excesso de disciplinas na educação básica brasileira, o que existe, além de todos os problemas de falta de investimento e das dificuldades dos jovens de se manter na escola, é pouca integração entre os conteúdos que são (e precisam ser) ensinados. O fato de existirem 13 disciplinas não significa (ou não deveria significar), por exemplo, que para cada uma delas deva haver uma prova, um trabalho de casa e nem mesmo uma aula em separado. É por isso que, já há muito tempo, os principais movimentos de educadores defendem um currículo mais integrado, em que o conteúdo das disciplinas dialogue com a vida concreta dos estudantes e também entre si. Essa é uma importante discussão pedagógica, que cada escola deste país deveria estar fazendo, envolvendo os professores, estudantes, outros profissionais, as famílias e a comunidade do entorno. E cujo resultado, combinado com as melhorias das condições das escolas e das famílias, poderia sim tornar a escola muito mais interessante para o jovem sem retirar dele o direito de acesso aos conhecimentos mais amplos que a humanidade produziu e ainda produz.

Não é positivo que o estudante do ensino médio, após cursar por um ano e meio um conteúdo comum a todos, possa escolher para o restante do ensino médio um dos cinco itinerários formativos propostos: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional?

Aqui existe uma armadilha. A Medida Provisória diz que as escolas poderão oferecer um ou mais itinerários formativos como opção aos estudantes, não diz que em cada escola haverá os cinco tipos de itinerários. Isso significa que na escola que você irá estudar pode ser oferecido apenas um ou alguns desses itinerários, o que reduz as suas possibilidades de escolha. Um fator que pode ser determinante para que a escola opte por oferecer só determinada área é a condição física e de recursos necessários. Por exemplo, as áreas de linguagens e ciências humanas não dependem necessariamente de laboratórios para que as aulas sejam ministradas, então, a rede de ensino pode privilegiar essas áreas para que não necessite gastar muito com estrutura. Ou então, opte pelos itinerários nos quais não haja problemas de falta de professor.

Mas a MP diz que o aluno pode cursar um outro itinerário depois de concluído o ensino médio...

Sim e não. O texto da MP afirma que essa oferta estará condicionada a possibilidade de vagas. Ou seja, a rede não é obrigada a te oferecer uma segunda opção. E isso significaria também que ao invés de concluir o ensino médio em três anos, o estudante precisará de quatro anos e meio para concluir uma formação em duas áreas.

A reforma proposta pela Medida Provisória do governo Temer coloca a educação profissional como um dos itinerários formativos possíveis já no ensino médio. Oferecer ao jovem uma profissionalização não é uma boa medida?

Aqui há outra armadilha. A integração entre a educação básica, principalmente na etapa do ensino médio, e a educação profissional é uma iniciativa importante que historicamente foi defendida pelos educadores e principais movimentos ligados à educação. Mas é preciso perceber as diferenças. O que o texto da MP estabelece não tem nada a ver com integração. Ela joga a educação profissional para dentro da carga horária do ensino médio, substituindo, portanto, outros conteúdos que não seriam priorizados caso o estudantes escolhesse esse itinerário formativo. Isso é rigorosamente o oposto do que se defende como integração porque, em vez de qualificar a formação profissional com conteúdos gerais, que permitam ao aluno refletir e compreender de forma abrangente os processos e condições de trabalho na nossa sociedade, o currículo restringe essa possibilidade, jogando o jovem filho da classe trabalhadora diretamente no mercado de trabalho.

Por tudo isso... DIGA NÃO À MP 746