Dados do Ministério da Previdência Social confirmam: o número de acidentes de trabalho no Brasil, além de muito elevado, vem crescendo a cada ano. Só em 2008, foram 764.933 trabalhadores acidentados. Do total de acidentes, 2.757 resultaram em mortes. O número de pessoas que ficaram permanentemente incapacitadas para o trabalho também chama atenção: foram mais de 12 mil. A quantidade total de acidentes ainda engloba os que ficaram incapacitados para o trabalho por mais de 15 dias (332.725), por menos de 15 dias (313.310) e os que receberam assistência médica (104.070).
Nesse contexto, e diante dos esforços para garantir o direito à saúde do trabalhador, a atuação dos profissionais técnicos em segurança do trabalho vem ganhando destaque. No entanto, mesmo que esses profissionais estejam inseridos no eixo tecnológico da formação em ambiente, saúde e segurança da classificação do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, do Ministério da Educação, sua atuação ainda está pouco inserida nas políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, os técnicos atuam majoritariamente nos quadros de segurança do trabalho em empresas privadas.
A própria definição do Catálogo Nacional indica essa segmentação, não explicitando a atuação do profissional, que é considerado da área da saúde, pelo SUS. Segundo o texto, os técnicos em segurança do trabalho atuam “em ações prevencionistas nos processos produtivos com auxílio de métodos e técnicas de identificação, avaliação e medidas de controle de riscos ambientais de acordo com as normas regulamentadoras e princípios de higiene e saúde do trabalho”. A definição ressalta ainda que o técnico desenvolve ações educativas na área de saúde e segurança do trabalho, e que orienta a utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs). O profissional é capacitado também para coletar e organizar informações de saúde e segurança do trabalho, para executar os Programas de Prevenção de Riscos Ambientais das empresas e para analisar acidentes, recomendando medidas de prevenção e controle. No item ‘possibilidades de atuação’, o Catálogo refere-se a instituições públicas e privadas, fabricantes e representantes de equipamentos de segurança.
Legislação e setor privado
A legislação de segurança do trabalho no Brasil é composta por normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que são um anexo à Consoli-dação das Leis do Trabalho (CLT) e devem ser cumpridas por empresas privadas, públicas e órgãos públicos de administração que possuam empre-gados regidos pela CLT. A norma regulamentadora nº 4 (NR4) estabelece que as instituições devem manter obrigatoriamente Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, para promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho. Ainda de acordo com a NR4, esses serviços devem ser dimensionados de acordo com a gradação de risco da atividade e o número de empregados do estabelecimento. As empresas compõem seus quadros de segurança do trabalho com equipes multidisciplinares compostas por técnicos de segurança do trabalho, engenheiros de segurança do trabalho, médicos do trabalho e enfermeiros do trabalho.
Na legislação brasileira há também leis complementares, como portarias e decretos, que tratam do assunto. A própria Constituição Federal define, em seu artigo 1°, o valor social do trabalho como um dos princípios do Estado de Direito, e assegura, no artigo 7°, o direito ao trabalho seguro e a obrigação do empregador pelo custeio do seguro de acidente de trabalho. A fonte desse custeio é a tarifação coletiva das empresas, feita a partir de taxas de 1%, 2% ou 3% sobre o total de remunerações pagas aos trabalhadores, a depender do enquadramento das atividades e do número de empregados das empresas.
O mecanismo dessa tarifação foi modificado em janeiro deste ano, quando entrou em vigor a nova metodologia do FAP, o Fator Acidentário de Prevenção. Agora, o número de acidentes de trabalho que as empresas registram passa a definir os percentuais de contribuição com o Seguro Acidente de Trabalho (SAT), que poderão ser reduzidos à metade em empresas com menor acidentalidade ou duplicados para as empresas que registrarem maior número de acidentes. Os novos percentuais serão aplicados a partir de 1° de setembro, com base nos dados obtidos desde a entrada em vigor do novo mecanismo. “A nova meto-dologia do FAP é responsável pelo crescimento da demanda por técnicos em segurança do trabalho. Penalizando os empresários financeiramente, há uma preocupação maior com a prevenção de acidentes”, avalia Mauro Godinho, coordenador do curso técnico em segurança do trabalho do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet – RJ).
SUS e a saúde do trabalhador
“É possível que os profissio-nais técnicos em segurança do trabalho atuem pelo SUS, e também é possível que tenham uma formação mais ampla. Hoje, os cursos existentes tendem a direcionar para o mercado das empresas. Uma formação mais ampla compreende a necessidade de participação dos trabalhadores nos programas e ações relacionadas à prevenção dos agravos e das condições adversas do trabalho. Essa é a transformação de uma perspectiva gerencial para uma perspectiva participativa e includente dos trabalhadores nos processos de gestão desses programas. Outra questão é a necessidade de uma relação multiprofissional nessas práticas”. A avaliação é de Jorge Machado, professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), tecnologista da Fiocruz/Brasília e assessor técnico do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (DSAST/SVS/MS).
Como exemplo dessa possibilidade, Jorge Machado cita a experiência da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), uma estratégia de organização da saúde do trabalhador no SUS que agrega vários serviços. A Renast organiza a atenção primária, com núcleos de saúde do trabalhador municipais e uma rede sentinela de vigilância de agravos re-lacionados ao trabalho, que compõe uma rede de assistência e de vigilância epidemiológica. A Rede tem também funções de promover ações de atenção integrada à saúde do trabalhador e a relação com as outras redes assistenciais do SUS. “A Renast tem hoje 180 centros de referência e em muitos deles há técnicos de segurança do trabalho, que compõem bem a equipe. Eles realizam atividades de inspeção em locais de trabalho e estão engajados em programas junto com a equipe de saúde pública. Mas ainda persiste o pro-blema de formação com um viés restrito, muito ligado ao cumprimento das normas técnicas do Ministério do Trabalho e Emprego”, conta.
Há, ainda, a discussão de como garantir objetivamente a implementação das políticas públicas de saúde do trabalhador nos locais de trabalho. O artigo 200° da Constituição Federal estabelece: “compete ao SUS executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”. O tema ainda está garantido na Lei Orgânica da Saúde, que em seu artigo 6° inclui no campo de atuação do SUS a execução de ações de saúde do trabalhador.
No entanto, segundo Jorge Machado, mesmo com as inspeções reali-zadas pela Renast, essa ainda é uma perspectiva a ser alcançada: “Há uma disputa de longo prazo para discutirmos a inserção e a regulação dos serviços de saúde nas empresas. O SUS não tem regulação direta desses serviços, que são de saúde. Precisamos avançar nessa permeabilidade de políticas voltadas para o trabalhador dentro das empresas, e o técnico de segurança do trabalho seria um dos atores desse processo. Mas é preciso ter uma regulação técnica que faça com que a prática tenha outro tipo de foco, pautado pela saúde
do trabalhador”.
Segundo o professor, a questão vem sendo discutida amplamente, inclusive na construção da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, desenvolvida conjuntamente pelos Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde. “Mas isso ainda está como diretriz política, não foi implementado”, conta. Ele avalia que o caminho para essa garantia é justamente a organização da ação de vigilância da saúde do trabalhador desenvolvida hoje pelos centros de referência da Renast. “Uma das funções dos centros é organizar essa ação, que tem uma atuação intersetorial. Existem vários programas a partir de situações que são questões de saúde pública e já estão sendo acompanhadas, como o trabalho rural, a intoxicação por agrotóxico, a exposição ao benzeno, o acidente fatal e grave e o trabalho infantil”.
Formação e regulamentação
Diante do crescimento da demanda por técnicos para a composição dos quadros de segurança do trabalho nas empresas, surge a preocupação com a qualidade da formação dos profissionais. Segundo Elias Bernardino, presidente da Federação Nacional dos Técnicos em Segurança do Trabalho (Fenatest), há uma proliferação de cursos sem condições adequadas na área: “Há muitos cursos sendo criados sem laboratórios, bibliotecas e até mesmo sem docentes, sendo ministrados por instrutores. Temos um trabalho de fiscalização, pedimos que os sindicatos denunciem às secretarias de educação dos municípios e estados e ao Ministério da Educação esse tipo de curso, ou que procurem a nossa Federação para que façamos a denúncia. Já tivemos mais de cinco cursos fechados a partir dessas denúncias”, conta. No que se refere à regulamentação, os técnicos hoje se registram diretamente no Ministério do Trabalho e Emprego, mas parte da categoria, como a Fede-ração Nacional, reivindica a criação de um conselho profissional específico para os técnicos de segurança do trabalho.
Por: Leila Leal (EPSJV/Fiocruz)