Em 2014, diversas atividades estão programadas ao longo do ano para lembrar os 50 anos do golpe que instalou uma ditadura civil-militar no país. São seminários, palestras, exposições e lançamentos de livros e filmes que têm por objetivo lembrar uma “página infeliz da nossa história”, que começou no dia 1º de abril de 1964, durou oficialmente 21 anos e até hoje deixa marcas profundas na sociedade brasileira. Foi tempo de violências, perseguições, desaparecimentos, medos, e também de muita luta e resistência.
Uma das obras lançadas recentemente que possibilitam entender melhor esse período é Gracias a la vida: memórias de um militante, de Cid Benjamin, publicado no final de 2013 pela José Olympio. Como diz o jornalista Milton Temer no prefácio, o livro é “fundamental para o conhecimento do que se passou em nosso país e do que foi a vida no exílio de uma geração de brasileiros que não se dobrou ao assalto às instituições republicanas no golpe de 1964” (2013, p. 11). As lembranças reunidas em cerca de 300 páginas relatam acontecimentos que marcaram a trajetória pessoal do autor e de toda uma geração de lutadores, como a opção pela luta armada, a vida na clandestinidade, a prisão, a tortura, a perda de companheiros assassinados pela repressão, a saída do Brasil, as dificuldades de recomeçar a vida em outros países, o retorno à terra natal com a Lei da Anistia em 1979 e o engajamento em novas possibilidades de sonho.
Além das passagens individuais, no livro estão acontecimentos que ficaram registrados na história do nosso país, como o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick em 4 de setembro de 1969. Cid Benjamin, na ocasião integrante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi um dos executores da ação, relatada em um capítulo intitulado ‘Golpe de mestre’ (p. 105), recheado de curiosidades e cenas dignas de um filme de ação. Tudo isso contado com uma linguagem bastante acessível, como se o autor batesse um papo sério e ao mesmo tempo descontraído com seu leitor.
No entanto, Gracias a la vida não pode ser definido simplesmente como uma biografia, como alerta o próprio Cid Benjamin na ‘Apresentação’ do livro. As memórias muitas vezes servem de incentivo para que o autor promova reflexões críticas acerca do passado e do presente também. Os capítulos finais, por exemplo, tratam da esperança com a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da desilusão com a “estrela” que aos poucos perdeu seu brilho e, para o autor, se apagou. Na sua opinião, “a dura verdade é que, em dez anos no governo federal, o PT não tomou uma só medida que se chocasse frontalmente com os interesses da classe dominante” (p. 270). Cid Benjamin reconhece certos avanços no país, mas lamenta a continuidade da política econômica herdada dos tucanos, citando as privatizações, a falta do avanço no importante debate sobre a regulamentação da mídia e o combate aos monopólios no setor de comunicação, a manutenção da injusta política tributária etc.
Apesar do desapontamento, o autor afirma que “navegar é preciso” e, portanto, aqueles que acreditam num país justo e solidário devem continuar a batalha por construí-lo. Arrependimento? Cid Benjamin deixa claro que não há. O título escolhido para o livro, referência à bela canção da chilena Violeta Parra, mostra que o autor tem motivos de sobra para agradecer à vida, apesar das críticas e autocríticas apresentadas em muitos momentos de sua obra. Ele nos diz: “Tenho orgulho de fazer parte de uma geração que tentou alcançar as estrelas e mudar o país e o mundo, que viveu com ardor a política no seu sentido mais nobre. Que não hesitou em tomar partido e, de forma corajosa, se jogou em defesa das propostas mais generosas para a humanidade” (p. 18).
Gracias a la vida. Cid Benjamin. Editora José Olympio, 2013.
Por Sheila Jacob, jornalista do Núcleo Piratininga de Comunicação e mestre em Literatura e Língua Portuguesa.