Como uma etapa preparatória para a 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (4ª CNGTES), a Conferência Livre “Formação e trabalho em saúde: por uma concepção ampliada dos técnicos no Sistema Único de Saúde - SUS” aconteceu, no dia 16 de agosto, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Realizado em formato híbrido, esse foi o primeiro dos dois encontros – o segundo será realizado em 24 de agosto.
Além da EPSJV e da Fiocruz Brasília, também fazem parte da organização do evento: o Instituto Aggeu Magalhães (IAM/Fiocruz Pernambuco), a Fiocruz Mato Grosso do Sul, o Instituto Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz Bahia),a Escola de Formação Técnica em Saúde Enfermeira Izabel dos Santos (ETIS), a Escola Técnica do SUS de São Paulo (ETSUS-SP), a Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (ESP-MG), a Escola Técnica do SUS do Pará Dr. Manuel Ayres (ETSUS Pará), Escola de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ESUFRN), a Associação Brasileira de Enfermagem (Aben), o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Na mesa de abertura, a diretora da EPSJV, Anamaria Corbo lembrou que foi a partir dos resultados da 1ª Conferência Nacional de Recursos Humanos (nome anteriormente dado à CNGTES) que a Fiocruz começou a desenhar a necessidade de ter uma unidade dedicada exclusivamente à Educação Profissional em Saúde. “Nós surgimos, enquanto Escola, como uma necessidade para o SUS, pela invisibilidade das categorias dos profissionais de nível médio”, contou.
O objetivo da Conferência, segundo Anamaria, é fortalecer cada vez as instituições públicas de formação. “Só com uma formação de qualidade podemos compreender a realidade e, assim, transformá-la. É por isso estamos aqui com Escolas Técnicas, Escolas de Saúde Pública e Institutos Federais", destacou.
Também estiveram na mesa de abertura Ana Flávia Timoteo (ESUFRN), Claudia Abreu (ETSUS-SP), Patrícia Oliveira (ESP-MG), Fabiana Damásio (Fiocruz- Brasília), Solange Belchior (Aben), Lea Carvalho (Etis).
Em seguida, foi montada uma mesa com apresentação de cada um dos três eixos da 4ª CNGTES - eixo 1: Democracia, controle social e o desafio da equidade na gestão participativa do trabalho e da educação em saúde; eixo 2 - Trabalho digno, decente, seguro, humanizado, equânime e democrático no sus: uma agenda estratégica para o futuro do brasil; e eixo 3 - Educação para o desenvolvimento do trabalho na produção da saúde e do cuidado das pessoas que fazem o sus acontecer: a saúde da democracia para a democracia da saúde.
O ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior, que atualmente integra a Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relação de Trabalho (CIRHRT/CNS), falou sobre o eixo 1. Segundo ele, além da precarização da formação, a precarização também tem avançado na força de trabalho, nos contratos e nas remunerações profissionais. “É difícil encontrar um profissional de saúde que não tenha mais de um vínculo, porque a remuneração é tão insuficiente que a forma desesperada que o trabalhador encontrou para tentar minimizar esse problema é trabalhando em vários lugares. Temos que parar para pensar sobre isso”, apontou.
Ele falou ainda sobre a experiência vitoriosa que é o SUS e a necessidade de reforçar isso em todos os espaços. “Nenhum país do mundo conseguiu construir um sistema de saúde que se assemelhe em sua amplitude, em sua universalidade e em sua integralidade ao que o SUS consegue fazer no Brasil”, ressaltou Francisco, criticando a forma como a grande mídia noticia o sistema: “Em um país como o nosso, com a correlação de forças que existe e com a experiência histórica que temos, não poderia ser diferente. No começo da década de 1990, eu já dizia que mais difícil que aprovar o SUS na Constituição Federal seria consolidá-lo. O processo de desconstrução conceitual do SUS é violentíssimo. Precisamos reconhecer que conseguimos muito nesses anos de reestruturação e luta, mas ainda temos graves problemas na força de trabalho, na formação profissional, na gestão do sistema”.
Francisco falou ainda sobre os problemas de financiamento e de gestão na rede pública de saúde brasileira. “Não defendemos mais dinheiro para o SUS se forem recursos para serem administrados pela rede privada, para viabilizar a rede privada, cooperativa médica... Queremos recursos do SUS para financiar a nossa rede, a nossa estruturação, a ampliação dos serviços e da força de trabalho. Defender mais recursos para o SUS sem discutir para onde vai é muito contraproducente”, concluiu.
A presidente da Associação dos Cuidadores do Estado do Rio de Janeiro (Acierj) Ana Gilda Leocádio apresentou algumas reflexões sobre o eixo 2. “As nossas políticas públicas estão sempre sendo atacadas, precarizadas, e a grande mídia vende para a população que a culpa é do trabalhador, que atendeu mal, que o hospital não funcionou... Ninguém sabe o corte de recursos que temos diariamente”, lamentou.
Ana Gilda destacou a necessidade de unificar as lutas e juntar novamente os conselhos e os sindicatos para que tenham conselheiros que saibam a realidade daquela população. “Quando falamos de educação, é para quem? Essa educação é precarizada por quê? Porque a maioria dessas trabalhadoras são mulheres negras e precisamos falar de racismo estrutural”, apontou, acrescentando: “Não existe debate sem o corte de raça, gênero e classe que vivemos nesse país colonizador, racista, machista e misógino. Teremos que enfrentar diariamente e vamos conseguir”.
Sobre o eixo 3, a professora-pesquisadora da EPSJV Márcia Valéria Morosini explicou porque existe a defesa do conceito ampliado de saúde. “Porque percebemos que uma fração significativa da classe trabalhadora inserida na saúde vive e trabalha em condições semelhantes e desfavoráveis. Esses trabalhadores, formados ou não, como técnicas e técnicos na área da saúde, desempenham atividades fundamentais e imprescindíveis para o sucesso do trabalho nos vários âmbitos do SUS e compõem a maioria dos trabalhadores da saúde”, pontuou.
Sobre quem são esses trabalhadores técnicos em saúde no Brasil, Márcia Valéria afirmou que 82% são mulheres. Em relação aos vínculos de trabalho desses profissionais, 86% atuam no SUS, enquanto 14% atendem em estabelecimentos não SUS. Já em relação à formação desses trabalhadores, contraditoriamente, 80% das matrículas estão na rede privada, enquanto apenas 20% na rede pública.
Sobre como tem se dado essa formação, Márcia Valéria apontou: “Há um predomínio da formação técnica na modalidade subsequente; uma concentração das ofertas formativas no Sudeste, seguido pelo Nordeste; historicamente existe o treinamento em serviço, com aproveitamento de trabalhadores não qualificados, que depois vão gerar uma necessidade de enfrentamento com projetos e políticas para essa qualificação”.
Ao final da mesa, os participantes foram distribuídos em grupos de trabalho, organizados pelos três eixos da Conferência. No dia 24, haverá uma plenária final com apresentação, apreciação e aprovação das propostas dos grupos, com definição das três propostas por eixo. Essas propostas serão encaminhadas à Comissão Organizadora Nacional da 4ª CNGTES para compor o Relatório Nacional Consolidado. A 4ª CNGTES acontecerá de 10 a 13 de dezembro, em Brasília.