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Mais que um jogo, ferramenta de transformação: "Troca-Ideia" leva debate racial à mesa e ganha prêmio no SBGames

Jogo de tabuleiro foi desenvolvido por pesquisadoras da EPSJV/Fiocruz e incentiva diálogos e reflexões sobre questões étnico-raciais
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 15/10/2025 14h07 - Atualizado em 17/10/2025 11h59

Compreender o mundo de forma coletiva é a proposta central de “Troca-Ideia: Relações étnico-raciais”, jogo de tabuleiro desenvolvido por pesquisadoras da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Em vez de competição, o game aposta na cooperação como caminho para enfrentar discriminações e construir o bem-viver. A premiação no Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames), que aconteceu de 30 de setembro a 3 de outubro, em Salvador (BA), reconhece a potência de um jogo que leva à mesa o debate étnico-racial — e prova que conversar pode, sim, transformar a realidade.

O jogo foi desenvolvido no âmbito de dois projetos coordenados pelas professoras-pesquisadoras da Escola Politécnica Letícia Batista e Regimarina Reis — “Formação, trabalho em saúde e racismo estrutural: experiências de trabalhadoras e trabalhadores negros atuando nas capitais Rio de Janeiro e Salvador”, financiado pelo Edital Jovem Cientista do Nosso Estado, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj); e "Gestão em Saúde e Antirracismo: possibilidades para o trabalho, cuidado e educação no contexto da Atenção Primária no SUS”, financiado pelo edital do Programa de Políticas Públicas e Modelos de Atenção e Gestão à Saúde (PMA), ligado à Vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz. A equipe de criação do “Troca-Ideia” contou com Cynthia Dias, Camila Borges, Larissa Alvim e Flávia Carvalho, todas professoras-pesquisadoras da EPSJV; além de Suiane Costa, da Universidade do Estado da Bahia; e Marcelo Vasconcellos, do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia em Saúde (CDTS) da Fiocruz.

Antirracismo e a perspectiva afrocentrada

O jogo coloca em pauta conceitos relacionados a duas abordagens teóricas diferentes: o antirracismo e a perspectiva afrocentrada. Segundo Larissa, o conceito de antirracismo vai além de uma mobilização conceitual. “No jogo, ele se apresenta na prática, em ações antirracistas. É um convite que mobiliza pessoas a discutirem e debaterem situações, muitas vezes, ignoradas ou consideradas irrelevantes no cotidiano”, aponta, acrescentando: “É fundamental que pessoas não negras também participem dessas conversas e debates, superando o medo ou o receio de falar sobre o tema”.

Ainda de acordo com ela, a perspectiva afrocentrada no jogo destaca o pensamento de intelectuais negros e negras, especialmente brasileiros, que muitas vezes não recebem o devido reconhecimento, apesar de seus conceitos estarem profundamente ligados à compreensão da realidade social. “Essa abordagem busca valorizar e traduzir as experiências negras em relação à sociedade brasileira que, historicamente, foram minimizadas ou invisibilizadas”, destaca. Letícia complementa: "Coloca no centro das análises e interpretações as experiências, os valores, as culturas e as formas de conhecimento africanas e afro-diaspóricas — elementos fundamentais para compreendermos a formação social brasileira”.

Ainda para Letícia, ao levar os conceitos de forma resumida e recomendar autores para aprofundamento, o jogo aproxima os jogadores dos conteúdos e incentiva a leitura. “É importante termos uma linguagem comum, para transformarmos o mundo em que vivemos: tanto para identificar e nomear situações de racismo, quanto para conhecer e valorizar filosofias que embasam outras formas de vida, heranças de povos que foram marginalizados”, ressalta.

Reconhecimento no SBGames 2025

A premiação de melhor jogo na categoria ”Serious Game” reconhece a inovação não apenas no campo dos jogos educativos, mas também como ferramenta de transformação social. Em vez de simplesmente transmitir conteúdo, o jogo mobiliza afetos, memórias e escutas — elementos essenciais para enfrentar o racismo estrutural e promover uma cultura do bem-viver. "O jogo permite abordar temas como consciência racial, pertencimento e enfrentamento ao racismo de forma lúdica, acessível e crítica. Os jogadores são estimulados a conhecer e compartilhar conceitos teóricos em conjunto, e não são constrangidos com testes de conhecimento”, afirma Flávia. Nesse contexto, ela ressalta: “É um meio para o letramento racial e promove a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. O visual foi pensado para valorizar elementos da cultura e personalidades afro-brasileiras, promovendo representatividade e valorização dessas identidades”.

Cynthia destaca que o prêmio é importante para o reconhecimento do trabalho das pesquisadoras, e o que elas têm visto nas mesas de jogos é ainda mais gratificante: “Pessoas se reconhecendo nas situações, tendo a oportunidade de debater sobre esses temas, ouvir os pontos de vista umas das outras e aprender coletivamente".

Além do “Troca-Ideia”, dois artigos dos quais Cynthia é uma das autoras também receberam prêmio de 1º e 2º lugar na categoria Melhores Artigos Completos da trilha Saúde - “Avaliação do jogo “Ciclo do Poder” para promoção da dignidade menstrual em espaços de educação não formal”(do qual Flávia também é uma das autoras, em conjunto com pesquisadores de outras instituições); e “Mo Júbà: jogo de tabuleiro para dialogar sobre promoção de saúde da pessoa idosa” (em conjunto com pesquisadores de outras instituições).

Conheça mais o jogo em https://www.epsjv.fiocruz.br/jogo-troca-ideia-relacoes-etnico-raciais