Está nas livrarias o livro Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II, organizado por Ricardo Antunes. Assim como o primeiro, o livro resulta não só de um vasto trabalho de investigação do grupo de docentes e estudantes liderado por Antunes na Unicamp, como também da contribuição de autores de outras instituições do Brasil e do exterior. Na contramão do otimismo daqueles que consideram que o capitalismo estaria vivendo uma nova etapa civilizatória, plena de oportunidades para todos, o livro apresenta, com as cores necessárias, um contundente retrato da nova e perversa morfologia social do trabalho em diferentes setores da economia brasileira. Inclui ainda temas relativos à precarização do trabalho na Europa, como a imigração e o sindicalismo português.
A primeira parte da coletânea reúne artigos que discutem as principais tendências atuais da reestruturação do capitalismo que, em escala planetária, faz recair sobre a classe que vive do trabalho, como diz Antunes, as consequências da precarização estrutural, da informalização e da terceirização da produção e dos vínculos, configurando um regime de acumulação baseado na superexploração do trabalho, obviamente tanto mais intensa quanto mais se afasta do centro hegemônico.
A hipótese central do autor, que permeia grande parte dos demais artigos, é que "ao contrário da descompensação da lei do valor, o mundo contemporâneo vem assistindo a uma significativa ampliação de seus mecanismos de funcionamento, na qual o papel desempenhado pelo trabalho (...) é emblemático". Por óbvio, esta afirmação nega a tese da suposta perda da centralidade do trabalho e aponta para sua renovação, imposta não só através de dispositivos de convencimento que objetivam a adesão ativa dos trabalhadores aos objetivos e "valores" das empresas, como também de mecanismos de coerção, entre os quais a ameaça de desemprego é certamente o mais eficaz. Um bom número de artigos da coletânea, no desdobramento das análises e das informações empíricas que apresentam, trata destas questões.
Os textos que compõem a segunda parte do livro tratam da reestruturação produtiva - que, como é evidenciado, ainda convive com o paradigma fordista -, em diferentes setores da economia brasileira: petroquímico, metalúrgico, automobilístico, aeronáutico, fumageiro, - hotelaria, educação e mesmo o agronegócio. As informações apresentadas dialogam sobretudo com os conceitos e categorias discutidos na primeira parte do livro, cabendo ressaltar a recorrência do tema da terceirização, prática que segundo Druck, "constitui a principal forma de flexibilização e precarização do trabalho". A terceirização configura uma inserção laboral extremamente adversa, instituindo salários mais baixos, redução da proteção social, perda de direitos e condições de trabalho que afetam a saúde e não raramente a vida daqueles que vivem do trabalho. Enfim, a terceirização vulnerabiliza, hierarquiza os trabalhadores e fragiliza suas organizações sindicais, estas objeto da terceira e última parte do livro.
A terceira parte aborda - por vezes em uma perspectiva histórica - a resistência sindical e as condições de possibilidade deste tipo de atuação nas atuais condições de fragmentação da classe e do processo de transformismo político que vem produzindo um "sindicalismo participacionista" e a "perda de horizonte do sindicalismo classista" (Graciolli). Nessas condições, elege-se a cidadania como mote da atuação sindical. Com esta rotação ideológica, estas organizações assumem "o papel de setor público não estatal" e colaboram não só "para a privatização da política pública, como também para a disseminação de teses associadas à ineficiência do Estado e à incompetência de seus servidores" (Galvão).
Trata-se, em síntese, de leitura indispensável não só para cientistas sociais e estudantes dessa área, mas também para os próprios trabalhadores e todos aqueles que têm/buscam uma perspectiva crítica do mundo do trabalho contemporâneo.
Por Filippina Chinelli, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz.