Relacionar os modos de vida de sociedades específicas à questão da saúde sob um foco diferente dos determinantes sociais da saúde: esse foi o tema geral da conferência de abertura do 6º Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, proferida por Madel Luz, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde está acontecendo o evento. “Há sociedades mais e menos saudáveis. E há sociedades francamente doentes, como a nossa”, disse, ressaltando que essa medida não se dá por indicadores como o PIB (Produto Interno Bruto) ou o IDH (índice de Desenvolvimento Humano).
Ilustrando a conferência com imagens projetadas, ela destacou o que chamou de uma “pletora de sons e imagens” que causam doenças. Como aparelhos que “nos invadem pelos ouvidos”, ela citou o celular, a própria televisão e o MP4. Como os que invadem pela visão, citou o computador. Esses problemas, segundo Madel, causam danos não só à humanidade mas a todo o biossistema planetário. Mas o mais importante, segundo ela, é seu efeito anti-social, já que o uso desses aparelhos costuma ser “individual e individualizador”. O resultado, disse, é o esgarçamento do tecido social, manifesto num estresse constante e numa insatisfação social coletiva.
Esses danos à sociabilidade geram o que Madel chamou de uma “multidão triste” em que o indivíduo consumidor se torna a unidade social básica. “Ao consumidor individualizado é negado, no sentido psicanalítico, a condição de sujeito”, explicou.
Madel ressaltou que, embora esse processo de isolamentos dos homens seja apresentado, em termos práticos, como garantia da segurança das pessoas, o objetivo real é a segurança do capital e dos agentes que o controlam. “Isso se torna superior à vida e ao bem-estar das pessoas”, disse.
Segundo a conferencista, no entanto, os humanos são seres gregários, que precisam se aproximar. “Os cidadãos tornam-se uma multidão de indivíduos soltos, mas essa multidão tende a se aglutinar”, disse, entendendo que é desse processo que emerge a “multidão como ator social”, seja se divertindo, como numa torcida de futebol, seja se manifestando nas ruas. Exibindo uma imagem de um grupo black bloc nas recentes manifestações, ela destacou a importância de não se estigmatizar a multidão, por exemplo, caracterizando a violência da população como fascista. “Antigos cacoetes autoritários podem voltar às classes dominantes”, alertou.