Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

A constituinte não acabou

Mudanças na Constituição no período aprofundam perdas de direitos sociais que marcaram a década anterior.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 23/10/2013 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Nesses 25 anos desde a aprovação da Constituição, o texto foi alterado por meio de Emendas Constitucionais 74 vezes, quase três vezes por ano. Isso é muito, como apontou a professora Sara Granemann, e mostra a disputa que houve em torno disso desde a promulgação da Carta. E essa disputa se dá também   no Congresso, como você verá na próxima matéria desta edição. Basta ver o número de Propostas de Emenda à Constituição atualmente em tramitação no Legislativo que tratam de saúde, educação e trabalho: são 111 projetos, segundo levantamento feito pela assessoria da Câmara dos Deputados. E é interessante notar que
muitas dessas propostas tentam corrigir dispositivos que, ainda que aprovados devido à correlação de forças na época da promulgação da Constituição, foram considerados ou progressistas demais pelos conservadores ou então retrógrados demais pelos setores populares.  Entre as consideradas perdas dos setores de esquerda que são objeto de propostas de emendas atualmente no Congresso estão a unicidade sindical e a contribuição sindical: a PEC 102/1995 propõe a extinção de ambas do texto constitucional. Esse é o objetivo também da PEC 252/2000 . Já a PEC 231/1995 propõe a ampliação do valor da hora extra de 50% para 75% a mais do que a hora normal de trabalho e a redução da jornada máxima de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas. A PEC 30/2007 pede a ampliação da licença-maternidade de 120 para 180 dias.

Na educação, a PEC 176/1995 propõe que União, estados e municípios apliquem 25% de sua receita de impostos na área, sendo que hoje a Constituição prevê que a União destine 18%. Também sobre financiamento, a PEC 94/2011 estipula, no texto constitucional, a obrigatoriedade de o poder público alocar 10% do PIB para a educação. A PEC 267/2004 por sua vez, propõe a ampliação do princípio da gestão democrática para toda a educação, não só a pública, como é atualmente, o que, como você viu na reportagem anterior, foi considerado uma perda por parte dos movimentos sociais da área no texto constitucional. Na saúde, destacam-se as PECs 362/2009 e 403/2009 , que pedem a inclusão na Constituição de parágrafos referentes a planos de carreira do Sistema Único de Saúde (SUS). A PEC 133/2012 pede a proibição da terceirização e a privatização da mão de obra das ações e de serviços de saúde.

Mas tramitam também propostas que agradam aos conservadores e que, para setores da esquerda, retiram direitos sociais conquistados com a Constituição de 1988. Na educação, por exemplo, a PEC 209/2007 propõe acrescentar ao texto constitucional a possibilidade de que instituições privadas com fins lucrativos recebam recursos públicos por meio de bolsas de estudo para estudantes de baixa renda, situação que a Constituição proíbe, mas que na prática já acontece. A PEC 370/1996 , por sua vez, pede a modificação do artigo da Constituição que trata da autonomia didático-científica, criando a necessidade de que ela seja
regulamentada, o que não está previsto no texto atual.

Na saúde, a PEC 241/2004 pede a supressão do trecho da Constituição que afirma que é vedada, por parte de instituições oficiais ou privadas, qualquer forma coercitiva de políticas de controle de natalidade. Essa chama a atenção pela justificativa dada pelo seu autor, Valdemar Costa Neto, do PL, que afirma que “o Estado falha no seu dever de prover  acesso a métodos contraceptivos que evitem a gravidez indesejada” entre a população “menos favorecida”, que em sua maioria é “analfabeta ou semi-analfabeta”. “O resultado da combinação da falta de conscientização com a quase inexistente oferta de métodos contraceptivos é o crescimento desordenado da população pobre e miserável”, que tem como uma consequência “o aumento da criminalidade”.