A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) realizou, no dia 10 de agosto, a aula inaugural do ano letivo 2021. Com a participação do escritor, professor, historiador e compositor Luiz Antonio Simas, o evento teve como tema central “A Educação como Encantamento”. “É um momento de comemoração, porque o início de um ano letivo em uma instituição pública sempre é algo que a gente tem que celebrar. Mas também é um momento de pensar em muitos desafios que estão colocados para repensarmos o processo da educação”, afirmou a diretora da EPSJV, Anamaria Corbo, na abertura do evento virtual.
A diretora ressaltou também a proposta de formação da EPSJV que propõe uma educação que contribua na transformação da sociedade. “Uma educação que possibilite a compreensão da sua realidade para sua transformação”, destacou.
Cristiani Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, enfatizou o longo período de distanciamento físico que, na visão dela, é difícil para as ações educacionais. “A educação é, sobretudo, diálogo, troca, encontro, descoberta e encantamento. Não é fácil viver esse momento. Estamos com saudade da interação e iniciamos esse retorno de forma gradual, segura e cuidadosa”, observou.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, destacou a importância da polifonia presente nas ruas e na escola. “Nossa instituição tem trabalhado de uma forma muito ativa nas discussões sobre o direito à cidade e esse direito tem que vir acompanhado da visão da pluralidade”, frisou.
Nísia falou ainda sobre as dificuldades e os desafios enfrentados pela pandemia da Covid-19 e o trabalho intenso da Fiocruz na produção das vacinas, na realização de pesquisas e no planejamento do retorno presencial de algumas atividades: “É a vivência democrática que poderá nos inspirar nessa travessia tão difícil”.
Encantamento
“Precisamos arvorecer com a delicadeza do jasmineiro e a fortaleza de mil anos das sumaúmas da oresta, agir como a folha da espinheira-santa em suas artimanhas de guerra, nas bordas de espinhos, e cura das doenças quando encantadas pelos caboclos”. Foi com essas palavras, retiradas do livro “Encantamento: sobre política de vida”, de Luiz Antonio Simas, que a vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV, Ingrid D’avilla, fez a apresentação do palestrante.
Para Simas, existe uma questão crucial quando se pensa no campo da Educação, que é entender que ela não se limita a escolaridade. Segundo ele, a escolaridade faz parte da educação, mas a educação não está confinada na escolaridade. “O fenômeno educativo, entendido com ampliação do repertório do ser no mundo, está acontecendo constantemente, o tempo todo e nos mais variados lugares. A gente se educa na escola, na praça, na igreja, no terreiro, no estádio de futebol, enfim, nas mais diversas maneiras", observou, apontando que o grande desafio da escola é promover o encontro entre a escolaridade e a educação.
Em seguida, Simas parafraseou o pedagogo Paulo Freire, dizendo que “a gente tem vivido tempos de muito comunicado e pouca comunidade”. E explicou: “No sentido freiriano, comunidade é compartilhar as experiências do comum, as impressões que temos sobre aquilo que nos cerca. Quando a gente pensa só na escolaridade desvinculada da educação, a gente vê que muitas vezes ela é limitada por barreiras curriculares que estabelecem como algo deve ser ensinado. A dimensão educativa ser perde nessa ênfase demasiada no currículo e na normatização do conhecimento”.
Simas ressaltou ainda que todas as pessoas são produtoras de história. “A minha área não está limitada aos feitos espetaculares, às grandes batalhas, a homens que escreveram grandes tratados... a história vai muito além. Ela está sendo produzida com nossas experiências cotidianas de construção de sentido para a vida. Todos nós temos historicidades”. E, às vezes, na visão dele, a própria escola não trabalha nessa perspectiva.
Encantamento, para Simas, não se relaciona com o debate sobre a magia, mas sim, com a ideia que vem a partir de uma experiência que ele teve em terreiros do Brasil, sobretudo, de Candomblé e de Encantaria. “Para o povo do tambor de mina, que cultua as entidades das matas, rios, cachoeiras, o contrário da vida não é a morte. Essa dualidade morte e vida nem faz sentido, porque o que existe para a sabedoria do encantamento é a vida e a não-vida. Nesse sentido, quando a gente fala em vida e morte não estou me referindo a uma questão biológica”, explicou.
O que Simas propõe, a partir dessa sabedoria, é que se entenda que, muitas vezes, as pessoas podem estar fisiologicamente e biologicamente vivas, falando, articulando as coisas, respirando e trabalhando, mas, ainda sim, podem estar desencantadas. “Podemos estar experimentando a ausência da vida. Esse é um elemento fundamental. A vivacidade do ser, a disponibilidade para afirmar a vida e a Educação contra a mortandade, a aniquilação, o genocídio, a morte de saberes, culturas e linguagens”, finalizou.