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Ato contra a reforma do Ensino Médio

Evento na EPSJV reuniu trabalhadores e alunos da Escola para debater o assunto com representantes de movimentos estudantis e docentes
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 30/09/2016 11h24 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, no dia 29 de setembro, um Ato contra a Reforma do Ensino Médio proposta pela Medida Provisória nº 746/16, publicada na semana passada pelo governo Michel Temer. O evento teve a participação de Gaudêncio Frigotto, professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e de representantes do Grêmio Politécnico, da Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro, da Associação Municipal dos Estudantes do Rio de Janeiro e da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior.

Na abertura do ato, o diretor da EPSJV, Paulo César de Castro Ribeiro, destacou que propor uma reforma por meio de uma MP é uma atitude abrupta e que atropela qualquer forma de discussão com a sociedade. “A educação pública tem uma série de problemas que não passam só pelo currículo e que não serão resolvidos por uma MP, que ainda abriu a porta para a iniciativa privada, no lugar de fortalecer a educação pública”, disse Paulão, que, em seguida, leu a nota de repúdio da EPSJV à reforma do Ensino Médio. Antes desse evento, trabalhadores e estudantes da Escola já tinham se reunido duas vezes, inclusive em Assembleia, para discutir o tema e organizar institucionalmente formas de lutar pela derrubada da MP.

Yago Romero, integrante do Grêmio Politécnico, ressaltou que a MP é uma tentativa da classe dominante de minguar a classe trabalhadora. “É um ataque direto a um direito constitucional. A maior causa da evasão escolar não é o currículo, temos uma série de outros problemas como violência, questões financeiras, que impedem os alunos de estudar”, disse. Integrante da Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro (Aerj), Ruan Vidal provocou a plateia, formada em grande parte por alunos da EPSJV, perguntando: “Quem aqui foi consultado sobre a MP? Ninguém perguntou para o estudante qual educação ele quer, não chamaram a gente para debater qual a função da educação. Eles discutem isso com outras pessoas que eles consideram entendidas no assunto”. Isabel Catão, da Associação Municipal dos Estudantes do Rio de Janeiro (AME-RJ), que integrou o recente movimento de ocupação de escolas estaduais no Rio de Janeiro, defendeu que os estudantes têm que lutar contra o retrocesso e pelo futuro.

Bruno Oliveira, da Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (Andes-SN), destacou que a MP é mais um exemplo da agenda ultraliberal do atual governo para o país, que inclui a Educação, a Previdência Social, a Reforma Trabalhista, entre outros temas. “É um retrocesso nos direitos sociais do Brasil. Um ataque frontal a todas as conquistas democráticas que a sociedade brasileira construiu a partir da década de 80”, disse o professor, acrescentando que a educação é peça-chave nesse processo de ultraliberalização do governo brasileiro. “Na educação são dois eixos principais: o aligeiramento e o tecnicismo, que vão formar um trabalhador que não vai prezar pelo amadurecimento da sua percepção enquanto cidadão a partir de uma perspectiva crítica. Temos que construir um amplo processo de resistência para que iniciativas como essa não se multipliquem”.

Maycon Gomes

Ensino Médio

Gaudêncio Frigotto, que participou da criação e da concepção de educação integrada defendida e praticada pela Escola Politécnica há 30 anos, iniciou sua fala destacando que a MP é o epílogo de um processo que já vinha sendo construído dentro da gênese do golpe que representou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “A síntese dessa MP é que ela liquida por completo o Ensino Médio Integrado e o direito social e subjetivo do Ensino Médio como Educação Básica. Essa MP é uma afronta à LDB, ao Estado de Direito e à nossa inteligência. Temos que pensar quais são as determinações que, historicamente, negam o acesso ao Ensino Médio a 85% dos jovens. Esse é um compromisso de gerações e esses caras não têm nenhum compromisso. No fundo, está-se dizendo cada vez mais que não há lugar para todos”, disse Gaudêncio, lembrando que o movimento ‘Todos pela Educação’, formando por instituições ligadas a grandes empresas, como Globo, Itaú e Bradesco, tomou o Ministério da Educação há muito tempo, o que ele considera um erro grosseiro do governo dos últimos 14 anos. “Os empresários começaram a dizer que a escola pública não era bem gerida, que ensina mal, ensina coisa demais e o governo permitiu que eles tomassem o MEC e começaram a tomar o currículo”, observou e acrescentou: “A LDB é minimalista, mas ainda garante o que estão tentando tirar agora, que é o Ensino Médio como etapa final da educação básica”.

Maycon GomesO professor lembrou que o Ensino Médio é o momento em que os jovens recebem os instrumentos para ter sua base cientifica e técnica para enfrentar o mundo, por isso, é tão importante que ela seja ampla para possibilitar uma escolha embasada. “O Ensino Médio Integrado, com base na Ciência, Trabalho e Cultura, como acontece aqui no Politécnico, não tem nada a ver com a profissionalização precoce. Se os jovens escolherem uma área, só poderão seguir por aquele trilho. Eles podem escolher, mas primeiro precisam ter a base. E a maioria não pode escolher porque não tem a base”, disse Gaudêncio, acrescentando que apesar do argumento do governo de que a reforma vai tornar o Ensino Médio flexível, na verdade, ela passa a ser inflexível quando obriga o estudante a escolher um caminho sem conhecer todas as possibilidades. “Dar igualdade aos desigualizados é mantê-los desiguais. Como dizia Florestan Fernandes, não se pode fazer a estrada das mudanças com uma minoria prepotente e uma maioria desvalida”, destacou.

Gaudêncio lembrou ainda a importância da mobilização dos jovens e de toda a sociedade para derrubar a MP do Ensino Médio. “Como dizia Gramsci, a escola só muda quando for um problema da sociedade. Temos que mobilizar os jovens para que tomem essa pauta. Acho que estamos em um momento de desobediência civil e quem pode barrar isso é um grande movimento dos jovens”, provocou.

No debate, trabalhadores e alunos da EPSJV fizeram intervenções sobre as consequências da reforma do Ensino Médio. A professora-pesquisadora da EPSJV, Marise Ramos, ressaltou que o Ensino Médio é disputado porque a juventude é, historicamente, disputada na sociedade. “Antes, eles diziam que os argumentos eram econômicos. Agora, dizem que são os interesses dos jovens. Temos que dizer que isso não nos interessa. Querem oferecer uma formação minimalista e liofilizada aos jovens, drenando o mais importante”, disse Marise, que acrescentou: “E se a MP for derrubada, temos que voltar a pauta a questão do Ensino Médio Integrado”.

Leia posicionamento da EPSJV/Fiocruz sobre a Medida Provisória 746:

Nota de repúdio à reforma do ensino médio

Por que somos contra a MP da reforma do ensino médio?

 

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Ao editar a MP 746, que reformula o ensino médio, o governo Temer se aproveita de um descontentamento legítimo da juventude para construir um sistema baseado na negação do direito desses mesmos jovens a uma educação de qualidade. A análise é do coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro/UFF, Paulo Carrano. Nesta entrevista, o professor destaca que os principais interessados em uma reforma não foram ouvidos exatamente porque o governo Temer não tem legitimidade para propor um diálogo e alerta para os enormes retrocessos que a Medida representa. Carrano é também Primeiro Secretário da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), que rapidamente se posicionou contra a MP 746.
No último dia 22 de setembro, o governo publicou a Medida Provisória 746, que modifica o Ensino Médio no país. Desde o primeiro momento, a medida gerou críticas contundentes de organizações e pesquisadores da educação. Nesta entrevista, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), analisa a medida ponto a ponto e explica porque a reforma apresentada pelo governo nem de longe resolve a situação do ensino médio brasileiro, pelo contrário, reforça as desigualdades e relega a maior parte dos jovens uma formação mínima e precarizada.