A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) sediou, no dia 29 de abril, a Conferência Livre “Precarização do Trabalho e Direitos Humanos: como garantir o direito à saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores informais e precarizados”, realizada de forma híbrida, com participação presencial e remota.
O evento reuniu 302 trabalhadores e foi organizado pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH/ENSP/Fiocruz), em parceria com a EPSJV, a Coordenação de Saúde do Trabalhador (CST/Cogepe/Fiocruz), o Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em articulação com movimentos sociais de trabalhadores.
Durante a conferência, foram aprovadas três diretrizes e nove propostas que irão compor um documento a ser apresentado na 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT), marcada para os dias 18 a 21 de agosto de 2025, em Brasília. Também foram eleitos seis delegados, todos representantes de movimentos sociais, que levarão essas propostas à etapa nacional.
Construção coletiva
Seis movimentos sociais formados por trabalhadores precarizados — formais ou informais — participaram ativamente da construção da Conferência Livre. São eles: o Movimento Unidos dos Camelôs (MUCA); a Associação de Motofretistas Autônomos (AMABR); a União Moto Bike (UMB); a Associação dos Cuidadores da Pessoa Idosa, da Saúde Mental e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro (ACIERJ); o Movimento das Comunidades Populares (MCP) e o coletivo Elas por Elas Providência. Alguns sindicatos também participaram, como o Sindicato dos Nutricionistas do Estado do Rio de Janeiro (SINERJ) e o Sindicato dos Trabalhadores em Combate às Endemias e Saúde Preventiva no Estado do Rio de Janeiro (SINTSAÚDERJ).
Para assegurar essa ampla participação, os organizadores das instituições da Fiocruz se articularam com os diversos coletivos. “Para que a Conferência faça sentido, esses sujeitos precisavam participar da sua construção”, disse Geandro Pinheiro, professor-pesquisador da EPSJV.
Além do critério estabelecido pela organização do evento, de que apenas trabalhadores precarizados e vinculados a movimentos sociais poderiam ser eleitos delegados, coube a esses movimentos a redação de todas as diretrizes e propostas que seriam submetidas à votação ao longo do dia. “Acho que esse é o grande mérito da Conferência: seu caráter disruptivo na forma como foi proposta. Ela rompeu com o campo da institucionalidade e com o protagonismo exclusivo de instituições que tradicionalmente organizam conferências livres, para dar lugar a uma conferência em que o sujeito não fosse mais tratado como objeto”, destacou Geandro.
Além dos trabalhadores informais, como camelôs, ambulantes e plataformizados, como entregadores por aplicativo, também participaram da Conferência trabalhadores formais que atuam em condições precárias. “Eu sou um trabalhador formal, mas também sou precarizado. Mesmo com direitos trabalhistas garantidos em lei, esses direitos não são cumpridos”, relatou Altamiro dos Santos, Agente Comunitário de Endemias e representante do SINTSAÚDERJ. Ele denunciou a precarização da profissão, que não prevê exames de saúde regulares para os trabalhadores que se expõem diariamente a produtos tóxicos.
“São as pessoas do movimento que têm mais visão das coisas”
Para Geandro, permitir que apenas alguns trabalhadores pudessem se candidatar a delegados foi uma forma de desinstitucionalizar a Conferência. “Em muitas conferências, apenas pessoas ligadas à institucionalidade da própria organização acabam se tornando delegadas. Embora isso seja legítimo, ao mesmo tempo, gera uma contradição, porque impede que a conferência seja realmente livre e que algo novo possa emergir — para além da presença dos próprios movimentos”, explicou.
Por isso, um dos objetivos dos organizadores era garantir que a conferência fosse, de fato, livre. “Aqui, tentamos romper com isso. Nenhum dos nossos delegados faz parte da institucionalidade que está organizando esta Conferência”, afirmou Geandro.
Arielle Barreiros, integrante do coletivo Elas por Elas Providência, reforçou a importância dessa escolha. “São as pessoas do movimento que têm mais visão das coisas, são elas que mais convivem, que estão ali no dia a dia e que sentem na pele o que está acontecendo dentro da comunidade”, ressaltou.
Dos seis delegados escolhidos por votação do público ao final do evento, duas fazem parte do coletivo de mulheres ambulantes ao qual Arielle também pertence: Simone Francisco e Carol Alves. Também foram eleitos: Maria do Carmo, do Movimento Unido dos Camelôs (MUCA); Roberto Machado das Neves, da União Moto Bike; Robson José de Souza, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Frios (Sintrafrio); e Thais Aparecida, do Movimento das Comunidades Populares (MCP – Manguinhos).
“É uma conferência revolucionária!”, comemorou Maria do Carmo, conhecida como Maria dos Camelôs. “Já participei de várias e, nas conferências livres, o que acontece muitas vezes é que os coletivos vêm, constroem, ocupam o espaço, mas depois acabam ficando pra trás. Não vivem a experiência de ir às conferências nacionais”, relatou. E completa: “O modelo pensado para este evento é a melhor forma de permitir que os trabalhadores falem a partir da sua própria vivência, daquilo que sentem na pele.”
Para Julio Rosa, pesquisador do CESTEH, a eleição dos delegados durante a Conferência Livre representa a possibilidade de uma interlocução direta com os governos. “Isso permitirá a inclusão de propostas construídas democraticamente”, afirmou.
Trabalhadores informais e precarizados
Na semana passada, Marcelo da Silva Gomes seguia de bicicleta para buscar mercadorias para seu trabalho como camelô no Rio de Janeiro, quando foi desequilibrado por um caminhão, caiu sob um ônibus e acabou atropelado. O relato foi compartilhado por Maria dos Camelôs, durante sua fala na abertura do evento.
Naquele momento, uma das principais preocupações do MUCA, coordenado por Maria, era garantir que o atendimento de Marcelo no Sistema Único de Saúde (SUS) ocorresse na condição de trabalhador. “Assim, o Marcelo vai sair de lá sem indenização, sem nada. Não vai conseguir trabalhar nem receber do governo. Vai ter que brigar com o hospital para ser reconhecido como trabalhador, que estava a caminho do trabalho — caso contrário, será registrado como um acidente de trânsito, e não como acidente de trabalho”, alertou.
A indignação de Maria se traduziu em uma das propostas aprovadas durante a Conferência Livre, construída pelo MUCA em conjunto com a AMABR e a UMB: “Reconhecer os acidentes dos trabalhadores e trabalhadoras plataformizados e informais como acidentes de trabalho, e não apenas como acidentes de trânsito”.
Ainda durante a roda de conversa, que aconteceu na parte da manhã, Roberto, da UMB, enfatizou a precarização do trabalho informal e plataformizado. "Os trabalhadores informais e de plataformas são trabalhadores sem direitos. Hoje, todos os aplicativos têm contribuído para a precarização extrema do nosso trabalho. Não conseguimos garantir a renda necessária para sustentar nossas famílias, mesmo trabalhando, muitas vezes, até 14 horas por dia”, contou. E Maria completou: “Minha luta é para que minha categoria seja reconhecida como trabalhadora, para que o trabalhador informal também seja reconhecido como trabalhador”