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Crise do capital e neofascismo é tema de aula inaugural da Pós-graduação da Escola Politécnica

Conferência foi ministrada pelo historiador português Manuel Loff, professor da Universidade do Porto e pesquisador da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Autônoma de Barcelona
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 26/09/2024 09h56 - Atualizado em 26/09/2024 14h14

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) realizou, no dia 19 de setembro, uma Conferência Aberta como aula inaugural do Mestrado Profissional em Educação Profissional em Saúde. Para debater o tema “Crise do capital e neofascismo no centro e na periferia: os casos de Portugal e Brasil”, o convidado foi o historiador Manuel Loff, professor da Universidade do Porto e pesquisador da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Autônoma de Barcelona. A atividade foi transmitida em português e espanhol ao vivo pelo YouTube do Canal Saúde, da Fiocruz.

Na mesa de abertura do evento estiveram presentes a coordenadora da Pós-graduação em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica, Ialê Falleiros, e o coordenador da Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Eduardo Batistella.

Batistella contou que o objetivo da iniciativa é retomar um diálogo entre parceiros de outros países, no que diz respeito a temas centrais e importantes de debates que possam favorecer os processos formativos tanto do Ensino Médio, da formação geral e educação de técnicos, quanto da pós-graduação. “O convite ao professor Loff surge do retorno do professor-pesquisador André Dantas, que fez um Pós-doutorado na Universidade do Porto, em Portugal. André nos sinalizou a intenção de estabelecer canais de diálogo entre os grupos de pesquisa de Portugal e da Escola e um desenho de acordo de cooperação”, explicou.

Ao destacar a importância do tema, Batistella frisou que entender a crise do capital e neofascismo ajuda a compreender a complexidade do mundo sociopolítico atualmente. “Quando olhamos para o mundo e vemos as reconfigurações políticas que estão se dando no cenário global, ficamos assustados com alguns recrudescimentos, em especial, dos nacionalismos, da xenofobia e do fascismo”, concluiu.

Ialê agradeceu a todos os setores envolvidos no evento e destacou o movimento interessante que a Pós-graduação da EPSJV tem feito em suas aulas inaugurais: “A aula do ano passado foi sobre crise ambiental e agora me parece que estamos aprofundando e ampliando essa discussão pela crise do capital no mundo contemporâneo. Celebramos, então, esse momento tão essencial para nós”. 

Crise do capital e neofascismo

A Conferência teve início com a fala do professor-pesquisador da EPSJV, André Dantas, que destacou que o evento é a primeira ação da cooperação técnica entre a EPSJV e a Universidade do Porto. “Temos outras ações encaminhadas, como um livro que será lançado no ano que vem, sobre os 60 anos de golpe no Brasil e 50 anos da Revolução dos Cravos, organizado por mim, Manuel e a jornalista da Escola, Cátia Guimarães”, acrescentou.

Ao iniciar sua fala, Manuel Loff, destacou que, há 20 anos, uma conversa sobre fascismo e neofascismo seria um debate, praticamente, de natureza intelectual e acadêmica. “A natureza política, social e cultural, a dimensão histórica do fascismo, não é um puro debate apenas intelectual. É um debate do presente”, comentou, questionando se a história se repete: “Todos os historiadores, os cientistas sociais, estão de acordo que, como tal, ela nunca se repete. Mas pode reeditar-se graças à adaptação de cada contexto histórico, dos processos de apropriação ou reapropriação de ideias do passado”.

Dentro desse contexto, há uma opinião majoritária, de acordo com o professor, que diz que a extrema-direita brasileira não é fascista, porque não vivemos nos anos 1930 e nem em um contexto semelhante ao dessa época: “Isso não significa que devemos aceitar discutir se o presente é igual ao passado, se isso é, cem anos depois, a mesma coisa. A discussão útil é saber se aquilo que foi, há cem anos, o novo produto ideológico das direitas do século 20 da Itália no pós-Primeira Guerra Mundial, compõe um discurso de reorganização do estado, das relações sociais e da cultura que possa ser adaptado ao presente”.

Manuel destacou que, desde 1945, quase nenhum fascista ou neofascista aceita ser identificado como tal. Assim como, segundo ele, nenhum partido da extrema-direita europeia, por exemplo, aceita essa categoria como sendo aplicada. “Como se desde 1945 não existissem mais fascistas. É um nome e uma memória histórica que todos fogem. Todos os extremistas de direita se recusam a usar. É uma categoria maldita. O fascismo é assustador, o que faz com que as forças políticas que, de fato, têm relação de continuidade com o passado fascista, evitem e recusem militantemente serem fascistas”, comentou.

A extrema-direita, na visão do professor, procura, em condições sociais, culturais e políticas que lhe são claramente favoráveis num ciclo de crises sistêmicas do capitalismo, acelerar processos de recomposição do capital na escala internacional e que passam pela evidência da crise da hegemonia imperialista norte-americana e de seus grandes aliados na escala internacional. “Desde o fim da guerra fria, desde a primeira guerra do golfo, nunca tivemos tantos conflitos abertos e envolvendo tantas pessoas. Conflitos que produzem sempre vítimas, cada vez mais, mas não temos que entrar no “violenciômetro”, que uma coisa é mais fascista se houver mais mortes. Não é assim que funciona. Nem todos os fascismos foram sequer genocidas", lembrou.

Para concluir, Manuel enfatizou: “O que está em discussão é se há continuidade e permanência do fascismo de cem anos atrás com o neofascismo dos dias de hoje. Há e pode ser estudada na história. Isso requer historicidade e análise, admitindo que, em contextos diferentes, podemos encontrar manifestações da mesma corrente política, adaptada aos novos contextos”.

Semana de atividades

Manuel participou de outras duas atividades na Escola Politécnica. Além de ministrar o minicurso “Estado, Poder e Luta de Classes: Crise da Hegemonia Imperialista e Resistência à Restauração Neoliberal”, oferecido aos alunos da Pós-graduação e outras pessoas interessadas, o professor participou de uma reunião de trabalho com o grupo de pesquisa Estado, Políticas e Espaço Público, formado por pesquisadores da Escola Politécnica e de outras instituições públicas.