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Democracia no capitalismo atual é debatida em evento

Carlos París e Lídia Falcón defendem socialismo e feminismo como caminhos para igualdade.
Sandra Pereira - EPSJV/Fiocruz | 16/11/2008 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


“Precisamos decidir entre socialismo ou barbárie” ou “entre feminismo e barbárie”. As opções, distintas, porém com emelhanças em diversos pontos, foram levantadas por Carlos París, pesquisador da Universidade Autônoma de Madri, e Lídia Falcón, doutora em Filosofia pela Universidade Autônoma de Madri e representante do Partido Feminista da Espanha, no primeiro dia do seminário ‘A tecnologia do mundo: por uma nova ética em uma nova política no mundo técnico’, realizado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O evento foi o primeiro de três encontros com os mesmos palestrantes. Os outros aconteceram na Universidade Federal Fluminense (UFF), no dia 17 de novembro e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), nos dias 18 e 19 do mesmo mês.



Convidados do Grupo de Projetos Integrados da Escola Politécnica da Fiocruz, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), os dois intelectuais vieram ao Brasil para discutir o mundo atual sob a perspectiva histórica, política e filosófica. O debate foi mediado pelo pesquisador Ramon Castro, da EPSJV.



Socialismo e tecnologia



A crítica ao capitalismo marcou o início da apresentação de París. “A globalização é, diferente do que propaga, o oposto do que entende como ideal da igualdade social, liberdade e democracia”, afirmou.”Vivemos não só as opressões e as ditaduras ligadas à política, mas também a repressões sutis como a manipulação dos meios de comunicação com suas mensagens em defesa do capital, por exemplo”, denunciou.



Autor do livro ‘O animal cultural’, publicado em 1984, París falou sobre definições do ser humano construídas ao longo da história. Sustentados por critérios ideológicos, segundo o professor, os conceitos sobre o homem seguem desde a “orientação individualista e egocêntrica de ‘Penso, logo existo´, de Descartes”, à posição sexista ou de privilégio da classe dominante defendidas por outros pensadores. Segundo París, falta uma reflexão mais abrangente que leve em conta o caráter cultural e social. “A cultura percorre todas as nossas características.Toda a nossa vida, incluindo o desenvolvimento evolutivo e a forma como usamos os recursos que nos diferem dos outros animais,  está dentro do conceito de cultura”, disse.  

    

París assinalou que tanto o homem quanto os outros animais intervêm na natureza de modo não somente a se adaptar a ela, “mas adaptá-la às suas necessidades”. Na sua opinião, porém, há um aspecto que merece destaque. “Os homens não interferem na natureza apenas para sobreviver; não agem apenas por instinto, como os animais. Usamos muitos recursos para a destruição da nossa espécie e da própria natureza. O resultado é o desequilíbrio ambiental a que estamos assistindo”, apontou.



Perguntado sobre as implicações das questões técnicas nas questões políticas, o pesquisador respondeu argumentando sobre a diferença entre salto técnico e tecnológico. Segundo ele, o primeiro está associado a importantes inovações, como a vela nos transportes; o segundo seria o desenvolvimento da boa idéia, por exemplo, as máquinas a vapor. “O problema é que o sistema capitalista usa o salto tecnológico a serviço do mundo dominante, dos interesses comerciais e militares, enriquecendo as grandes empresas. Mas, apesar disso, sou otimista, acredito que ainda é possível superar a sociedade de classes. É isso ou a barbárie”,encerrou. 



Feminismo e igualdade



Lídia Falcón direcionou sua exposição à própria experiência pessoal para comentar a luta pela conquista dos direitos políticos das mulheres na Espanha nas últimas décadas do século XX. 



Militante do partido comunista da Espanha, em plena ditadura franquista, Lídia deixou o partido ao ver que as questões feministas e outras vozes discriminadas não recebiam a atenção devida pelos companheiros de sigla. “Era uma preocupação burguesa, diziam eles. O que marcava uma visão extremamente machista”, contou. Para a professora, o pensamento, que historicamente defendia a igualdade como regra, impunha a despolitização sob a forma de um novo discurso ideológico, centrado no argumento de que a luta dos trabalhadores era o objetivo maior.



Ao sair do Partido Comunista, Lídia investiu na organização do movimento de mulheres. As agendas do feminismo relativas à dupla jornada de trabalho, à legalização dos anticonceptivos, bem como à participação feminina na luta contra o regime de Franco ganharam força, nascendo assim o Partido Feminista da Espanha, que ainda hoje caminha com dificuldades. “Na Espanha, há uma falsa liberdade eleitoral. Todos os partidos pequenos têm de enfrentar muitas barreiras no sistema eleitoral para tentar crescer”, denuncia.



Autora de vários livros sobre a participação da mulher na política, Lídia foi categórica ao afirmar que a visão progressista que não compreenda a luta da mulher e das minorias como fundamental resulta na desigualdade de gênero. E ela relatou episódios concretos que apontam nessa direção.  “Cerca de 80 mulheres são mortas por ano na Espanha, vítimas de violência do homem. A proibição do abordo em hospitais públicos ajuda a agigantar o número de mulheres que perdem a vida no país. Milhares delas acabam morrendo em clínicas clandestinas ao tentar interromper a gravidez, uma vez que só as mulheres de maior poder aquisitivo podem pagar pelo atendimento privado. Preconceito em relação à orientação sexual também é uma realidade que preocupa na Espanha”, diz.



Lídia reafirmou a localização da política no espaço da diferença e do conflito. A partir disso, definiu o conceito de igualdade como critério analítico do posicionamento acerca da validade da distinção entre o partido comunista e os interesses da mulher no contexto da década de 1960. A palestrante reconheceu que existem diversas formas práticas de se buscar a realização do ideal da igualdade no âmbito da própria esquerda. Propôs, dessa maneira, o feminismo como uma prática a ser defendida. “Ou o feminismo ou a barbárie”, disse.