Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Determinação Social da Saúde

Na abertura do Ano Letivo 2015 da EPSJV, Francisco Lana apresentou um panorama sobre como as causas das doenças foram explicadas ao longo da história até chegarmos ao conceito de DSS.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 02/04/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

 Os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) foram o tema da Abertura do Ano Letivo 2015 da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), realizada no dia 26 de março. Com o tema “Determinação Social da Saúde: novos caminhos da saúde pública e a responsabilidade das instituições de ensino” , apresentado por Francisco Carlos Félix Lana, professor da Escola de Enfermagem e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a aula mostrou com as condições sociais influenciam nas condições de saúde da população.

Para chegar aos conceitos atuais de DSS, o professor fez um histórico sobre como as doenças foram explicadas ao longo do tempo, desde a Teoria dos Miasmas, formulada por Hipócrates, até as definições criadas por Jaime Breilh e a Epidemiologia Social, que buscam os conhecimentos de várias ciências para entender a distribuição das doenças.

Há 2.500 anos, o médico grego Hipócrates explicava o processo saúde-doença por meio do que ele chamou de Teoria dos Miasmas, que dizia que as doenças são transmitidas pelo ar, águas e outros locais insalubres. Segundo o professor, Hipócrates foi o primeiro a dar uma explicação racional para as doenças e não considerá-las como um fenômeno sobrenatural. “Ele disse também que para se entender as doenças, deve-se considerar o modo de vida das populações. E foi o primeiro a usar a palavra epidemia para diferenciar as doenças epidêmicas, que nos visitam, das endêmicas, que têm um curso longo de duração”, contou Francisco.

Nos séculos 17 e 18, foram iniciados os primeiros estudos de epidemiologia na Inglaterra com John Graunt, que fez um estudo sobre a morte dos trabalhadores das minas. Segundo o professor, esse trabalho ainda não tinha a intenção de reverter o processo social que colocava esses trabalhadores em desigualdade em relação aos outros, mas apenas de coletar dados estatísticos. “Nessa época, o mundo estava em transição do modo de produção feudal para o capitalismo, que não tinha interesse em evidenciar essas diferenças que já existiam. Portanto, essas descobertas não orientaram um novo modelo de sociedade”, observou.

A partir do século 19, surgiu a Teoria Unicausal, pois os miasmas não explicavam mais a ocorrência de certas doenças. “Os miasmas já não eram mais os responsáveis pela produção da doença, existia uma causa que estava presente na sociedade. Diversos pesquisadores fizeram estudos sobre a relação entre mortalidade e situação socioeconômica, pobreza e condições de saúde, além de ter sido criada a classificação de doenças e as leis epidemiológicas”, disse Francisco, destacando que um dos estudos mais importantes da época foi do médico John Snow, considerado o pai da epidemiologia, que fez uma pesquisa de campo sobre a epidemia de cólera em Londres. Na mesma época, Louis Pasteur, considerado o pai da bacteriologia, identificou e isolou diversas bactérias, possibilitando o estudo de várias doenças.

No fim do século 19, foi realizada a I Conferência Sanitária Internacional (1851), na qual a Teoria da Unicausal, que defendia que cada doença tem um agente específico, venceu a Teoria Miasmática. A partir daí, foram estabelecidas estratégias de prevenção de doenças, como quarentena e controle de animais. “Na Teoria Unicausal, os vírus e as bactérias passaram a ser as únicas causas das doenças, substituindo as explicações sobrenaturais. Mas essa teoria mascarava os efeitos sociais produzidos pelo sistema de exploração capitalista”, observou Francisco.

Já na segunda metade do século 20, a Teoria Multicausal foi ganhando o espaço da Teoria Unicausal, que já não explicava mais algumas doenças como câncer, transtornos mentais e doenças cardiovasculares. Enquanto isso, a Multicausal defendia que as doenças eram causadas por diversos fatores que se relacionavam. “Os pesquisadores ainda pensavam que achariam o micróbio da depressão e do câncer. Quando a Unicausal passou a não explicar mais a ocorrência e a distribuição de certas doenças, a Teoria Multicausal ganhou espaço”, relatou Francisco, destacando que a Multicausal é a teoria hegemônica até hoje, pois considera que características individuais, comportamentais, fatores de risco, estilo de vida, entre outras coisas, influenciam no aparecimento das doenças.

Epidemiologia social

Na década de 1970, são realizados os primeiros estudos de epidemiologia social, que deu origem ao conceito de Determinação Social da Saúde, construído a partir da apropriação das ciências sociais em saúde e relacionando os conceitos de saúde aos modos de produção capitalista e a formação socioeconômica. “Os pesquisadores começaram a relacionar que a saúde tem a ver com a forma de organização da sociedade e viram que o modelo baseado no paradigma do biológico (Multicausal) não vai responder a questões sociais”, ressaltou.

A epidemiologia social considera que as doenças acontecem de acordo com a inserção das pessoas na sociedade, portanto, o modelo Multicausal já não explica mais todas as doenças. “Mesmo os países com bons índices sociais têm curvas crescentes de doenças como obesidade, câncer e doenças cardiovasculares porque elas são explicadas pelas relações sociais, não são explicadas apenas pela biologia. Os problemas não estão apenas no indivíduo, estão na sociedade”, disse o professor.

Também na década de 1970, os epidemiologistas Jaime Breilh e Asa Cristina Laurell propõem um paradigma alternativo: no lugar da história natural da doença, a história social da doença, abordando o processo saúde-doença em seu duplo caráter, o biológico e o social. “Para a Multicausal, existem vários fatores que causam as doenças, mas as causas sociais e biológicas estão no mesmo nível. Para Breilh, o social determina a ocorrência do biológico, pois temos que ver o modo de vida das pessoas para explicar certas doenças. Além disso, a Multicausal trata os fatores isoladamente, vendo o fenômeno de forma parcial. Já Breilh diz que o fenômeno saúde-doença deve ser visto em sua totalidade, considerando os processos gerais, particulares e singulares de cada indivíduo”, explicou.

Segundo Francisco, todas as teorias anteriores deram origem ao que hoje se chama de Determinantes Sociais de Saúde, que define que as condições de vida e trabalho das pessoas influenciam em sua situação de saúde. De acordo com ele, vários conceitos foram formulados para definir os DSS, mas alguns são muito próximos da Teoria Multicausal porque não relacionam as causas das doenças. “A relação da determinação não é uma relação direta de causa e efeito. Há vários fatores que influenciam, mas incidem de formas diferentes entre os grupos sociais”, explicou.

Para o professor, as áreas de pesquisa e ensino têm como principais desafios hoje estabelecer uma hierarquia dos DSS, entendendo que as relações entre os indicadores de riquezas e de saúde não são constantes, têm outras variáveis. “Alguns fatores que explicam as diferenças no estado de saúde dos indivíduos não explicam as diferenças entre grupos de uma sociedade”, concluiu.

Comentários

Este artigo contem erros, Hipócrates não formulou a teoria dos Miasmas e sim a Teoria Hipocrática dos Humores. A teoria miasmática ou teoria miasmática das doenças foi uma teoria biológica formulada por Thomas Sydenham e Giovanni Maria Lancisi durante o século XVII.