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Do tabu para o tabuleiro: EPSJV, em parceria com o IOC, lança jogo sobre ciclo menstrual

“Ciclo do Poder”, jogo de tabuleiro desenvolvido por pesquisadoras da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), incentiva diálogos e reflexões sobre dignidade menstrual
Giulia Escuri - EPSJV/Fiocruz | 30/06/2025 15h00 - Atualizado em 09/07/2025 09h31

Julia Guimarães

“Ao abrir espaço para o diálogo e proporcionar um ambiente seguro, o ‘Ciclo do Poder’ nos permite desmistificar e naturalizar um tema que, infelizmente, ainda hoje é cercado de vergonha e tabu”, afirmou Renata Monteiro, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que integra a equipe responsável pela criação do jogo ao lado das professoras-pesquisadoras Cynthia Dias e Flávia Carvalho, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Também compõem o grupo as pesquisadoras do IOC Carolina Spiegel, Rafaela Bruno e Tânia Zaverucha, além das alunas de Iniciação Científica Isabele Pessoa (PIBIC/CNPq) e Sarah Borges (IC/Faperj).

Desenvolvido em parceria entre as duas unidades da Fiocruz, o jogo foi lançado no dia 27 de junho de 2025, com o objetivo de promover conversas abertas e reflexivas sobre o ciclo menstrual e seus atravessamentos sociais, culturais e políticos. O lançamento aconteceu no auditório da EPSJV, e contou com uma programação especial.

A mesa de abertura reuniu Anamaria Corbo, diretora da EPSJV; Tânia Araújo, diretora do IOC; Cristina Araripe, representante do Programa Fiocruz Mulheres e Meninas na Ciência, da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz); o deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ); e Marcelo Gonzalez, diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (IB/UFF).

De caráter colaborativo — ou seja, sem vencedores nem perdedores —, o “Ciclo do Poder” cria possibilidades de diálogo sobre a menstruação, incentivando a escuta e a troca de experiências. “É essa força coletiva que tem o potencial de transformar realidades”, afirmou Anamaria.

“O jogo traz uma reflexão fundamental para todas as pessoas que menstruam: o acesso ao conhecimento sobre o próprio corpo. Ainda hoje, é um tabu para muitas mulheres — ou pessoas que menstruam — falar abertamente sobre si mesmas”, completou a diretora da EPSJV. Chico, inspirado pelo monge e escritor católico Thomas Merton, acrescentou: “Nascemos egocentrados — esse é o pecado original. Por isso, educar é descentrar, é se abrir ao mundo e aos outros”.

Em seguida, a palestra “Dignidade menstrual e políticas públicas” foi ministrada por Josilene Santos, coordenadora-geral de Ações Temáticas e Diversidade do Ministério das Mulheres. Em um discurso emocionado, ela relembrou um caso que presenciou quando atuava como coordenadora da Comissão de Saúde da Mulher, da Criança e do Homem no Conselho Estadual de Saúde do Pará (CES/PA): na época, uma menina de 13 anos havia desenvolvido problemas de saúde íntima por utilizar jornal como absorvente durante o período menstrual. “Precisamos falar sobre pobreza menstrual, porque queremos dignidade menstrual”, afirmou. Ela completou: “A falta de acesso à higiene e à informação faz com que muitas meninas sejam prejudicadas, e acabem enfrentando uma vida muito difícil por conta dessas consequências”.

Ciclo do poder

Após a palestra, o jogo foi apresentado pelo grupo de desenvolvedoras. A narrativa do jogo gira em torno da personagem Cris, que está prestes a menstruar pela primeira vez. O tabuleiro representa os 28 dias típicos de um ciclo menstrual, e cada casa corresponde a um dia vivido por Cris, relatado em seu diário pessoal. A cada jogada, os participantes acessam uma nova página desse diário, mergulhando nas experiências, sentimentos e situações enfrentadas pela personagem naquele período.

Os jogadores devem ajudar Cris a atravessar o ciclo da forma mais acolhedora e informada possível, propondo soluções para os dilemas apresentados por meio de cartas de alternativas. Não há respostas certas ou erradas: todas as soluções são debatidas em grupo. Quando há consenso sobre a adequação de uma resposta, o problema é considerado resolvido. Caso contrário, a casa do tabuleiro recebe um marcador para lembrar que aquela questão segue em aberto.

O objetivo final é resolver o maior número possível de situações até o fim dos 28 dias. Em geral, a atividade conta com a mediação de um educador ou educadora, justamente porque não existe um gabarito único de soluções, estimulando a reflexão coletiva. “Por exemplo, em uma carta, a personagem está na escola e sem absorvente. E tem outra carta de solução que é um coletor menstrual ou um absorvente interno. Só que aí a gente chama atenção para o fato de ser uma pessoa que está menstruando pela primeira vez — provavelmente, uma pessoa nova ainda, que não tem muita intimidade com o próprio corpo”, explicou  Flavia.

O Ciclo do Poder é um jogo sobre o ciclo menstrual, especialmente sobre o tema da dignidade menstrual, e tem como público-alvo crianças e adolescentes de 10 a 15 anos. “O ‘Ciclo do Poder’ procura favorecer o diálogo e a empatia a respeito dessa temática”, disse Cynthia. Além disso, o jogo procura ajudar a quebrar tabus: “O ciclo menstrual é um tema muito pouco falado, que ainda é envolto em muitos preconceitos. As pessoas que menstruam, especialmente adolescentes, têm muitas dúvidas, medos e vergonha”, completou.

“Não é o jogo em si que vai ensinar, que vai resolver problemas. O jogo está inserido em um processo de ensino-aprendizagem, com o professor, com o mediador, com uma pessoa orientando. Claro que pode ser jogado por um grupo de forma independente, mas entendemos que, enquanto uma tecnologia educacional, e para ser aproveitado tudo o que ele traz, precisa de uma orientação adequada e que esteja inserido dentro de uma estratégia”, explicou Flávia.

Durante a apresentação, Rafaela destacou a urgência da dignidade menstrual: “Hoje, mais de 4 milhões de meninas que frequentam a escola no Brasil não têm acesso a condições mínimas de higiene. Por condições mínimas, podemos falar em acesso à água, a banheiros adequados para higiene e a materiais de limpeza. Por conta dessas dificuldades, muitas delas acabam deixando de participar de atividades escolares durante o período menstrual”, ressaltou.

Para Tânia, ampliar o conhecimento sobre as tecnologias menstruais pode gerar impactos significativos. “Acreditamos que esse conhecimento pode, em algum momento, reverberar em políticas públicas que incluam essas tecnologias menstruais”, refletiu.

O grupo também celebrou a aprovação da emenda parlamentar indicada por Chico Alencar, que viabilizará a impressão de mais exemplares do jogo. “Estamos comemorando hoje justamente essa emenda parlamentar, que vai nos permitir iniciar esse trabalho no estado do Rio de Janeiro”, afirmou Cynthia. O objetivo é que o jogo esteja disponível como recurso pedagógico em escolas. Por fim, a equipe convidou o público presente a experimentar o “Ciclo do Poder”.

Reconhecimento

Em 2024, o Ciclo do Poder conquistou três prêmios no XXXIII Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames), organizado pela Sociedade Brasileira de Computação, o maior evento acadêmico da América Latina na área de jogos e entretenimento digital. O projeto ficou em primeiro lugar no Festival de Jogos, na categoria Melhor Boardgame; em primeiro lugar na categoria Melhor Visual de Boardgames; e em segundo lugar no Festival de Artes, na categoria Melhor Arte para Boardgames.

No mesmo ano, também foi eleito o melhor jogo indie brasileiro na pesquisa realizada pelo site especializado Drops de Jogos/Geração Gamer. Jogos independentes, ou indie, são produzidos por pequenas equipes ou até mesmo por desenvolvedores individuais.