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EPSJV/Fiocruz participa do Encontro Nacional sobre Trabalho e Educação na Saúde do SUS

Evento teve objetivo de discutir as prioridades para a gestão do trabalho e da educação na saúde para o Sistema Único de Saúde
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 29/03/2023 12h58 - Atualizado em 20/10/2023 15h26

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) participou, nos dias 21, 22 e 23 de março, do “Encontro Nacional: Trabalho e Educação na Saúde do SUS”. Promovido pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), do Ministério da Saúde, o evento integra as ações da pasta para os primeiros 100 dias de governo e teve como objetivo discutir as prioridades para a gestão do trabalho e da educação na saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS).

O encontro reuniu creca de 400 participantes, entre representantes de escolas técnicas e de escolas de saúde pública, do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), conselhos de saúde e instituições parceiras. Representando a EPSJV, estiveram presentes a diretora da Escola, Anamaria Corbo, e a professora-pesquisadora Márcia Valéria Morosini.

Para Anamaria, com o esvaziamento das pautas da SGTES nos últimos seis anos, a organização de um encontro nacional que objetivasse a definição da agenda da Secretaria com a participação de atores fundamentais para o campo do trabalho e da educação na saúde foi de fundamental importância. “Além disso, a Secretaria reconheceu a transversalidade da pauta da gestão do trabalho com a da gestão da educação, promovendo o diálogo entre os sujeitos que implementam e executam essas políticas nos âmbitos nacional, estadual e municipal”, apontou a diretora da EPSJV, que participou de um dos  GTs de Gestão da Educação no evento. Anamaria também destacou que durante o Encontro foram discutidas estratégias de fortalecimento das instituições públicas de formação, como as Escolas Técnicas do SUS e as Escolas de Saúde Pública. “Se faz necessário resgatar a relevância do papel dessas instituições para a formação e a qualificação dos trabalhadores do SUS”, destaca Anamaria.

Na síntese final do trabalho dos GTs, que foi discutida em uma plenária,  foram apresentadas várias  propostas, entre elas a reativação do Programa Nacional de Educação Popular; a criação de uma linha de investimento para a educação profissional em saúde; a criação de uma Sala de Situação para identificação das ações de formação; a criação de um Sistema Nacional de Gestão Acadêmica ou a integração dos já existentes; e a criação de um Plano Nacional de Formação para o SUS, incluindo nível médio, mestrado, especialização, residências e preceptoria.

Uma das principais discussões ocorridas nos GTs e apresentadas na plenária diz respeito às modificações ocorridas na Rede de Escolas Técnicas do SUS, uma vez que muitas Escolas Técnicas foram absorvidas pelas Escolas de Saúde Pública. A necessidade de integração das duas áreas, em alguns dos Estados em que essa absorção ocorreu, e a importância de se construir um trabalho colaborativo entre as duas redes e as duas instituições, quando for o caso, foram um dos pontos mais debatidos.

Programação

A mesa de abertura, no primeiro dia do encontro (21), contou com a participação da Ministra da Saúde, Nísia Trindade, e dos diretores das secretarias que compõem o Ministério da Saúde, além de representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), do Conass, do Conasems e do CNS.

Nísia afirmou que o encontro “é uma demonstração de que queremos trabalhar de maneira integral, não só no que se refere ao cuidado em saúde, mas que se refere ao trabalho na gestão”. Para Isabela Pinto, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, o encontro acontece “em um momento muito oportuno, de formulação da agenda governamental e de processo de elaboração dos planos nacional e estaduais de saúde”. “Nesse contexto, a SGTES aposta em um processo de planejamento participativo, agregando os diversos atores do campo do trabalho, da educação e da saúde”, afirmou, destacando que “esse é o momento de reafirmação dos nossos pactos em defesa da vida”.

Na conferência de abertura, realizada no dia 22, o professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), Jairnilson Paim, falou sobre a constituição dos sujeitos na práxis da Reforma Sanitária Brasileira, além de reafirmar que ela não se restringe ao Sistema Único de Saúde, pela compreensão da determinação social do processo saúde-doença  Em seguida, a SGTES apresentou suas áreas, como elas estão compostas e algumas iniciativas para impactar o campo da gestão do Trabalho e da Educação.

Trabalhadores técnicos

Na parte da tarde aconteceram os painéis temáticos. No “Estado da Arte da Gestão da Educação na Saúde no Brasil”, a professora-pesquisadora da EPSJV, Márcia Valéria Morosini, falou sobre a importância do trabalhador de nível médio para o SUS.

Márcia Valéria abordou, inicialmente, a divisão social do trabalho, que, segundo ela, reproduz a divisão do trabalho no modo de produção capitalista e como ela se replica no trabalho em saúde, promovendo a inserção subordinada ou subalternizada dos trabalhadores técnicos em saúde. “Essa inserção se expressa nas desigualdades que esses trabalhadores vivem, com menor valorização do trabalho, menor salário e menor prestígio”, apontou.

Ela destacou a invisibilização dada aos técnicos nas equipes, nas instituições, nas políticas e como eles acabam também, por conta de ter uma qualificação mais frágil, sendo trabalhadores mais facilmente substituíveis e mais expostos à insegurança e menos protegidos, inclusive dos processos de precarização das condições de trabalho. “Durante a pandemia de Covid-19, essas desigualdades ficaram expostas. Isso se expressa nos dados relativos à morte desses trabalhadores. Morreram mais auxiliares e técnicos, comparativamente com os enfermeiros, que são trabalhadores de enfermagem de nível superior, por exemplo”, afirmou, explicando ainda a concepção de técnico em saúde no entendimento da EPSJV. “A gente sempre trabalha com a concepção ampliada. São trabalhadores que têm a formação técnica ou que não têm, mas que estão ali no SUS, desempenhando atribuições para as quais nós entendemos que deveria haver a formação técnica para a sua execução”.

A professora-pesquisadora apresentou ainda que 59% do total de trabalhadores da saúde, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), são técnicos. “Uma participação impressionante dos trabalhadores técnicos no total da força de trabalho em saúde no Brasil. Desse total, 87% deles atua no SUS. Por outro lado, uma coisa que chama atenção é que quem forma esses técnicos é, predominantemente, o setor privado. Então, a gente diz que existe uma formação privada para um trabalho público”, explicou. Isso, de acordo com Márcia Valéria, traz uma série de preocupações e contradições: “Que princípios éticos e políticos orientam essa formação? Que compreensão de Saúde pauta essa formação? Uma formação privada é compatível com atendimento dos interesses públicos, que não são interesses de mercado?”.

Uma forma de superar essas contradições seria fortalecer as redes públicas que, na visão de Márcia Valéria, têm forte potencial de atuar na formação dos trabalhadores técnicos: “Temos redes públicas importantes e potentes, que poderiam dar conta dessa formação no setor público, como as escolas técnicas do SUS, escolas de saúde pública e as instituições de ensino integrantes da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica".

Márcia Valéria lembrou ainda da importância da publicação, no dia 20 de março de 2023, do decreto nº 11.440, que instituiu a Comissão Interministerial de Gestão da Educação na Saúde. “Entendemos que traz para o horizonte a possibilidade de uma atuação integrada entre os ministérios da Saúde e da Educação e esperamos que atenda às questões relativas aos trabalhadores técnicos, no sentindo de haver esforços de reativar o trabalho em rede, articulando as instituições públicas que atuam hoje na formação dos técnicos e ampliando a sua capacidade de atuar, inclusive, com a possibilidade de compor uma frente ampla de formação pública desses trabalhadores, promovida pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação”, observou.

Por fim, Márcia Valéria ressaltou a importância de as instituições públicas recuperarem a sua capacidade de produzir conhecimento sobre o trabalho e a formação em saúde e, nesse contexto, retomar o funcionamento da Rede ObservaRH, que inclui uma série de estações de trabalho que promovem pesquisa e disseminam o conhecimento sobre esse tema. “A EPSJV sedia o único observatório dessa rede dedicado aos trabalhadores técnicos. Então, também está aí a importância do Ministério da Saúde e da Opas em retomarem o apoio e o financiamento regular dessas estações para que a rede volte a funcionar de forma mais orgânica, produzindo conhecimento sobre as questões relativas ao trabalho e a formação desses trabalhadores da saúde, de modo que possa subsidiar políticas, programas e projetos”, destacou.

Participaram do painel ainda: Marina Peduzzi, da Universidade de São Paulo (USP), Eliana Goldfarb Cyrino, da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Karina Barros Calife Batista, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

Para Anamaria, foi estratégica a apresentação da pesquisa do Observatório de Técnicos da EPSJV, pois colocou no centro do debate a importância do trabalhador de nível médio para a construção do SUS que a população brasileira necessita. “Sabemos que o momento é delicado e que, provavelmente, algumas das propostas não poderão ser implementadas nos próximos quatro anos, apesar do reconhecimento de que a formação e a qualificação dos trabalhadores do SUS é uma dimensão fundamental para o enfrentamento dos problemas e o atendimento das necessidades identificadas", destacou.

Encerramento

No último dia (23) aconteceu a Plenária final, na qual foram feitas as pactuações entre os vários participantes do evento. “Esse encontro resgatou um importante movimento que foi de retomar as pautas prioritárias na área da saúde. Para isso, contamos com o apoio e o reconhecimento da ministra Nísia, que tem consciência da importância de ter a gestão do trabalho e educação na agenda governamental”, concluiu Isabela Pinto.