“A crise estrutural do capital não significa que ele esteja colapsando. Quem colapsa somos nós, a natureza, a humanidade”. Essa foi uma das frases proferidas pela professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e historiadora Virgínia Fontes, durante o primeiro Ciclo Internacional de Debates “Crise Estrutural do Capital, Emergência Climática e Determinação Social da Saúde”. O evento, promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no dia 3 de dezembro de 2024, teve como tema “Crise ou colapso ecológico? Circuitos do capital produtores de danos ao ambiente e à Saúde Coletiva”.
Para debater as consequências do capital, o encontro contou ainda com a participação do professor da UFF e pesquisador do NIEP-Marx, Eduardo Sá Barreto; e do biólogo e epidemiologista; ex-consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas (CDC) dos Estados Unidos, Rob Wallace. A mediação foi realizada pelo professor-pesquisador da EPSJV, Alexandre Pessoa.
O papel das instituições no enfrentamento do colapso ambiental
Estiveram presentes na mesa de abertura a representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Priscila Campos, que participou de forma remota; a diretora da EPSJV, Anamaria Corbo; e a chefe de gabinete da Presidência da Fiocruz, Zélia Profeta. Em sua fala, Priscila alertou sobre a maior ameaça à saúde do século 21: a tripla crise climática, na qual, além das mudanças climáticas, é preciso lidar com a poluição e a perda da biodiversidade. “São problemas que, embora não reconheçam fronteiras, quem mais sofre, é justamente quem menos contribui para que eles aconteçam”, afirmou.
A diretora da EPSJV, Anamaria Corbo, reforçou a fala de Priscila. “Todas as pessoas serão atingidas pela emergência climática, mas nem todas as pessoas serão afetadas da mesma forma. “As populações mais vulnerabilizadas, os países que mais sofrem com a lógica de organização, distribuição e circulação do capital são os países, as populações e os grupos que mais vão sofrer os efeitos da emergência e do colapso socioambiental”.
Nesse contexto, instituições como a Fiocruz assumem um papel ainda mais relevante, tendo em vista que clima e saúde são pautas que estão no centro da atuação da Fundação há muitos anos. Como explica a chefe de Gabinete, Zélia Profeta. “Temos uma produção grande, atuação em diferentes iniciativas, mas precisamos aprofundar essa discussão neste momento da emergência, visto que a situação é extremamente complexa”, reforçou.
Crise ou colapso ecológico?
Para o professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, Alexandre Pessoa, estamos vivendo uma cisão entre diagnóstico e realidade que se apresentam como uma profunda crise. “Eu digo cisão porque as propostas apresentadas pela ciência, pelos sanitaristas e pela Saúde Pública são ainda desproporcionais, e elas negam, em alguma medida, o nível de emergência e de sofrimento que a população do nosso país está sofrendo. O Acordo de Paris, por exemplo, ele não só é insuficiente, como ele não é cumprido”, observou ele.
Com o objetivo de fazer uma crítica ecológica da sociedade capitalista, o professor Eduardo Sá Barreto apontou que já estamos vivendo em território de franca insustentabilidade. “O que significa dizer que esse estado não tem como ser mantido e sustentado indefinidamente”, disse, complementando: “Um recuo acelerado e expressivo da escala do nosso impacto é uma obrigação, é inegociável".
A crise do capital não quer dizer que ele está próximo do fim, como argumenta a professora Virgínia Fontes. Segundo ela, uma das características dessa crise é o fato da “fuga para frente”, um recurso clássico do capital, ter se tornado mais difícil e com limites mais escassos. Sobre essa fuga, Fontes citou dois exemplos. “O problema é o petróleo? Então a gente faz carro elétrico. A gente continua usando mineração, bateria de lítio etc., mas a gente muda o padrão. Outro exemplo é a compra e venda de crédito de carbono”, disse. “Essa não é nem uma fuga para frente, é uma fuga para o abismo”, refletiu.
Por fim, o professor Rob Wallace fez uma apresentação em que abordou “O que a Saúde Única perde em evitar o capitalismo”. “À primeira vista, a Saúde Única faz muito sentido. Ela visa conectar a vida dos animais, dos humanos e do meio ambiente. Claro, deixando de lado que os indígenas e pequenos agricultores já conheciam essas conexões muito antes. Em outras palavras, essa abordagem não é nova; exceto para os cientistas capitalistas que passaram os últimos 500 anos ajudando a segregar os estudos dessas ecologias umas das outras, no curso de transformar paisagens em commodities”.
Ciclo Internacional
O ciclo Internacional de Debates “Crise Estrutural do Capital, Emergência Climática e Determinação Social da Saúde” é o primeiro de uma série de quatro e terá continuidade em 2025. A atividade integra o atual Plano de Trabalho da Escola como Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Educação de Técnicos em Saúde, e resultará em uma publicação voltada aos debates e apresentações. Assista ao primeiro seminário aqui.