A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) inaugurou, no dia 7 de junho, os dois murais produzidos pelo Projeto Negro Muro, que trazem a representação de Joaquim Venâncio, patrono da Escola, e outros trabalhadores técnicos da Fundação, como Chico Trombone, Lino, Altino, José Barbosa da Cunha, Antônio Maria Filho, José de Vasconcellos, Eloy Inácio Rosas, Sebastião Patrocínio e Venâncio Bonfim.
“Estamos aqui para celebrar, exaltar, reverenciar e referenciar personagens da história da Fiocruz que foram fundamentais para nossa instituição, para a construção da ciência e da saúde pública no Brasil, que são os auxiliares de laboratórios, que seriam hoje os técnicos de laboratório”, comemorou a professora-pesquisadora Renata Reis, que articulou e trouxe o projeto Negro Muro para a EPSJV.
Para Renata, o que se espera com os murais é contribuir para a preservação da memória do trabalho dos técnicos e ampliar a representatividade negra nos lugares de memória no campus da Fiocruz, conectando histórias através da arte. “Estabelecer um lugar de materialidade para que essa memória possa ser apreendida por toda comunidade da Fiocruz. São personagens que até então eram praticamente desconhecidos, mas que agora todo mundo vai saber que eles existiram, que eles trabalharam e moravam aqui, que construíram suas vidas e suas famílias”, destacou.
Em seguida, foi a vez de Anamaria Corbo, diretora da EPSJV. Ela agradeceu aos trabalhadores da Escola, à presidência e outras instâncias da Fiocruz e aos artistas do Negro Muro. “Tudo que fazemos é fruto de um trabalho coletivo e é muito gratificante ver o trabalho que juntos conseguimos construir”, celebrou.
Segundo Anamaria, a categoria profissional dos técnicos representa a parte mais empobrecida da classe trabalhadora, que não teve acesso à educação formal, que necessita de qualificação e que tem o trabalho mais precarizado. A diretora lembrou ainda que, como sistematizado pelo Observatório dos Técnicos em Saúde, coordenado pela EPSJV, essa categoria é composta, em sua maioria, por mulheres negras, com tripla jornada de trabalho. “É desses trabalhadores e trabalhadoras que estamos falando e é por causa disso que essa Escola se chama Joaquim Venâncio. Temos muito orgulho e pedimos licença para a família dele para poder contar a história e usar o nome dele. Se esse país não fosse tão desigual quanto ele é, se todos tivessem acesso aos processos de escolarização, Joaquim Venâncio seria um cientista famoso na Fiocruz", concluiu.
O evento contou ainda com a participação de Hugo Fernandes, filho mais novo de Joaquim Venâncio, além de netos, bisnetos e outros familiares do patrono da EPSJV.
Dia recheado de emoções
O evento também contou com uma roda de conversa com os fundadores do Projeto Negro Muro, Pedro Rajão e Fernando Cazé, mediada pela professora-pesquisadora da EPSJV, Fernanda Martins.
Na ocasião, Fernanda destacou a importância de eternizar o rosto do patrono Joaquim Venâncio e de outros técnicos nos murais da EPSJV. “Se não fosse o Joaquim Venâncio, um técnico tão fundamental para essa instituição, eu, enquanto uma trabalhadora, professora negra, não estaria aqui. Ele e tantos outros técnicos negros fundaram essa instituição, fizeram e fazem parte da nossa história. Se há alguns anos, demos o nome dele a essa escola, hoje damos o rosto, relembrando e revivendo quem ele é. Isso só foi possível graças à parceria com o Projeto Negro Muro”, disse.
Pedro Rajão, produtor e pesquisador do Negro Muro, falou sobre o trabalho que o coletivo tem desenvolvido desde 2018. “Fazemos uma cartografia da memória negra da cidade, a partir da arte urbana. Quando falamos dessas figuras que queremos homenagear, necessariamente, estamos pensando em um território”, destacou.
Para Rajão, quem passa pela Escola Politécnica, muitas vezes, não sabe quem foi Joaquim Venâncio. Ele resume: “Ele não só era um homem negro, retinto, como também um homem de vanguarda, fundamental para os estudos científicos no Brasil”. Diante disso, Rajão explicou a importância de pintá-lo, junto com outros técnicos negros, nos muros da Escola. “Uma das facetas do racismo como um projeto em execução é o apagamento dessas figuras. É proposital. Enquanto um projeto artístico, para nós, podermos estampar esse sorriso negro, gigante, ali na fachada da Poli, é uma grande honra. Esperamos poder contribuir para o autorreconhecimento e para o sentimento de pertencimento e de orgulho”, pontuou.
Fernando Cazé, artista urbano do Negro Muro, agradeceu o acolhimento dos profissionais da Escola e de outros dois artistas do projeto – Cesar Mendes e João Gilberto Bira, que estiveram com eles nesse processo. “Cada mural que fazemos, mexemos no baú da vida dessas pessoas. É muito delicado e temos que ter carinho e cuidado. O que a Escola Politécnica da Fiocruz fez aqui é muito importante: trazer a memória estampada”, ressaltou.
Cazé afirmou ainda que, enquanto instituição pública de saúde, é essencial que a Fiocruz olhe para o seu entorno (Maré, Manguinhos) e veja que ali moram pessoas, em sua maioria negras, que frequentam esse espaço para estudar e para trabalhar. “A importância está em ver esses homens pretos estampados nos muros e entender que eles foram e ainda são muito importantes para a saúde pública do Brasil. Isso é essencial para uma educação antirracista”, completou.
Em seguida, estudantes da EPSJV apresentaram um vídeo sobre a relação entre arte e política, produzido no contexto da disciplina Iniciação à Educação Politécnica (IEP) - Eixo Política, e também parte do projeto de estruturação do Jardim do Joaquim, construído embaixo do muro que homenageia o patrono da Escola. Aconteceram também apresentações do Coral Fiocruz e de alunos de música da EPSJV, que apresentaram uma das músicas favoritas de Joaquim Venâncio, “Saudade do Matão”.
Para encerrar o evento, foi servido caldinho de feijão, uma das comidas preferidas de Joaquim Venâncio, e um bolo para celebrar esse dia tão importante para a história da Escola Politécnica.