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Escola Politécnica promove 5ª edição do Sankofa

Evento contou com rodas de diálogo, palestra, oficinas, sarau e uma feira de artesanato
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 21/06/2024 11h04 - Atualizado em 15/01/2025 13h47

Com o tema ‘Corporeidades afrodiaspóricas e pindorâmicas’, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, de 18 a 20 de junho, a quinta edição do Projeto Sankofa. Neste ano, o evento contou com a parceria da rede do Programa de Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e Serviços de Saúde (PMA), da Fiocruz, e teve em sua programação: rodas de diálogo, palestra, oficinas, sarau e uma feira de artesanato. 

“A abordagem dessa temática busca proporcionar a reflexão não só das formas de ser e de pensar, mas também dos modos de agir e de sentir, produzidos pelas corporeidades nas resistências aos processos de desumanização global efetuados desde o colonialismo e, posteriormente, legitimados pela razão moderna eurocêntrica. Constituindo-se, dessa forma, como estruturante do modo de produção da existência social capitalista - via interseccionalidade entre raça, classe, gênero e sexualidade - e como estratégia fundamental para justificar e para naturalizar atrocidades, barbáries e violências cometidas contra os esses povos até hoje”, destacou a professora-pesquisadora Valéria Carvalho, que coordena o projeto com os também professores-pesquisadores Aline Rosa, Danielle Leal, Fernanda Martins, Flávio Paixão, Jéssica Lima, Nathalia Barros e Talita Rosetti, que apresentou a mesa de abertura.

Para a vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV, Ingrid D’avilla, historicamente, os povos afrodiaspóricos e pindorâmicos são submetidos a reconhecer sua história a partir do olhar de subalternidade e o projeto Sankofa é criado para ser o contrário disso. “É esse lugar de violência, de coerção, de dor e de martírio, que representa, na maior parte das vezes, a herança colonial e suas diferentes expressões de descendência. Diferente disso, um projeto construído nessa Escola, em 2012, inicialmente com um Sarau Negro, começa a colocar um lugar de potência e luz sobre esses corpos, culminando no Sankofa e no compromisso dessa instituição com uma educação politécnica e antirracista”, afirmou.

Corporeidades afrodiaspóricas e pindorâmicas 

Na roda de diálogo que levou o nome do evento, estiveram presentes Corato Costa, professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj); Tulani Pereira, professora de Educação Artística na Prefeitura Municipal de Japeri (RJ); e Ivy Guedes, professora do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

Segundo Corato, através de muita violência, os povos europeus estabeleceram seu modo particular de vida como uma forma universal. Resgatando o entendimento do filósofo camaronês Achille Mbembe, no livro “A crítica da razão”, ela explicou: “O projeto colonial nada mais é do que a forma como a Europa impôs o seu modo de vida para toda a humanidade. Quando estamos falando dessa lógica colonial, estamos falando de muita violência, praticada pelos europeus contra os povos originários e, em um segundo momento, contra os povos africanos”.

A partir disso, Corato apontou que a noção de que a Europa traz civilidade para o mundo é mentirosa. Na visão dela, não dá para pensar em civilização a partir de um povo que escravizou o Brasil por 400 anos. “Que naturalizou escravizar milhões de corpos; não dá para pensar em civilização com seres humanos europeus que estupraram mulheres negras e indígenas”, ressaltou.

A Ciência, para Corato, não é neutra e, em geral, está ao lado das classes dominantes, que segue a lógica colonial. “Essa sociedade na qual os brancos se autodeclararam superiores e consideram as pessoas negras e indígenas como inferiores, produz um conjunto de violências que os nossos corpos, que não são lidos como corpos humanos, experenciam certas emoções diariamente, como o medo. Um garoto negro sabe que não pode ter certos comportamentos na rua, como correr”, lamentou. E completou: “É uma lógica societária que nos impede de ser. E construirmos alternativas significa também questionar essa lógica que produz uma noção de educação que não nos inclui. Toda a grade curricular precisa considerar as relações raciais”.

Em seguida, foi a vez de Tulani. A professora iniciou sua fala destacando as dificuldades e os silenciamentos que negros e indígenas sofrem no cotidiano. “Nós, mulheres negras, e também a comunidade negra e indígena como um todo, temos os nossos discursos sendo questionados e invalidados. Dizem que não somos capazes, intelectuais, e a todo instante somos testados; temos que nos desdobrar muito mais para termos algum tipo de visibilidade, protagonismo e espaço”, lamentou.

Sobre estratégias para subverter a lógica racista que tem oprimido e violentado a população negra, Tulani apontou a dança como um caminho possível e contou que a dança chegou para ela nesse lugar de hegemonia. “Nada contra o ballet, mas temos o senso comum de que ele é a base. Só que não é. Eu só me senti acolhida quando fui para o movimento de hip hop”, relembrou. Completando: “Confiem nos corpos de vocês, nos sinais, na ginga, na dança, nos movimentos que vocês fazem, sejam artísticos ou não”.

Para encerrar a mesa, Ivy falou sobre a necessidade de dar visibilidade às temáticas que ainda são pouco discutidas dentro dos currículos de formação. “Será que nos currículos, estamos prontos para ver casal de mulheres, de homens, mulheres de dread ou carecas, meninos com cabelo “nevou”?”, perguntou. 

Segundo ela, parte-se do entendimento de que, em nome do que culturalmente se considera como desejável e aceitável em relação aos gêneros, às sexualidades e às relações étnico-raciais, frequentemente pessoas que não se aproximam dessa representação vivenciam situações de discriminação, preconceito e violência. “É desejável estar num espaço de escolarização em que vemos homens com homens se beijando? Mulheres com mulheres? Ou só é desejável ver casais heteronormativos? Teremos essas respostas com as mudanças nos currículos”, destacou, concluindo: “O meu sorriso é político, o meu corpo é um corpo insurgente. É necessário aquilombar, mas eu trabalho para viver e quero viver feliz como todos”. 

Na parte da tarde do dia 18, também aconteceram as oficinas de Breakdance; Corpo e encruzilhada; Pinturas indígenas; Arte e cultura urbana negra; Instapoemas em papel: corpos, imagens, colagens; Funk carioca e a saúde da população negra; Jornalismo negro; Fotografias negras; Arte e cultura urbana negra; Passinho: patrimônio cultural do Rio de Janeiro; Musicalidade afro-caribenha; e Artes negras nos muros.

Raça e classe em debate 

“Se nós não pensamos o racismo como central na produção da desigualdade, deixamos de fora uma série de questões. O racismo à brasileira vai ser estruturado de modo a negar o racismo e a raça”. Foi com essas palavras que a professora Magali Almeida, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), iniciou a palestra ‘O racismo à brasileira em perspectiva interseccional: raça e classe em debate’, no segundo dia do evento (19). 

Ela explicou o motivo pelo qual a democracia racial é um mito, que, por muito tempo, impediu que se falasse da existência do racismo no país. “O Brasil foi se constituindo a partir da crença de que todos são iguais perante a lei. A noção de igualdade está lá, mas, do ponto de vista real, vemos e presenciamos profundas iniquidades”, esclareceu. 

Em relação à formação, Magali destacou que o importante é que se tenha uma educação que dê consciência dessas contradições da sociedade de classes e da sociedade capitalista. E essas contradições, segundo a professora, engendradas na dinâmica do capital, vão sendo discutidas no âmbito do movimento negro e materializadas em políticas de ação afirmativa apenas no início do século 21. “Tivemos mais de 500 anos de opressões interseccionais, mais de 500 anos sem o Estado reconhecer a sua responsabilidade reparatória”, apontou, acrescentando que, só em 2003, que se teve a primeira política pública afirmativa no sentido de valorização da cultura negra e indígena – lei 10.639, atualizada em 2008, na lei 11.645. “Se formos verificar do ponto de vista dos currículos, esses conteúdos ainda não são efetivamente garantidos. Então, o debate hoje tem que ser sobre ação afirmativa, inclusão, permanência, acolhimento, garantindo saúde mental e transversalidade dos temas a partir das diferentes experiências estudantis", ressaltou.

Por fim, no último dia do Sankofa, aconteceu o Sarau, com apresentações artísticas e dos trabalhos dos estudantes do Ensino Médio; e a experiência imersiva “Racismo: passado e presente em diálogo”, produzida pelos alunos do 3º ano do Ensino Médio, da habilitação de Gerência em Saúde.

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