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Evento discute experimentação animal e Lei Arouca

Pesquisadores abordam diferentes aspectos da polêmica do uso de animais em pesquisas científicas.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 28/11/2008 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Octavio Pesgrave, Marco Aurélio, Silvio Valle, Márcia Chame e Norma Labarthe.Com a promulgação da Lei Ordinária nº 11.794, mais conhecida pelo nome de seu autor, o sanitarista Sergio Arouca, a discussão sobre o uso de animais em experimentos científicos se mostra mais atual do que nunca. Foi com o objetivo de debater o tema que a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) promoveu, no dia 24 e novembro, uma mesa-redonda para inaugurar o curso de atualização em Biossegurança em Biotérios. O evento contou com a presença de Marco Aurélio Martins, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Márcia Chame, da  Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Octavio Pesgrave, do Instituto Nacional de Controle e Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) e Norma Labarthe, coordenadora da Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua/Fiocruz).



Marco Aurélio, pesquisador do IOCF e primeiro coordenador da Ceua/Fiocruz, abordou os vários conflitos que perspassam o tema. “O importante é não simplificar a discussão”, apontou, questionando: “É direito administrar em pacientes aquilo que foi testado em animais? E fazer com animais aquilo que não se faria com seres humanos?”.



Ele também apresentou alguns argumentos usados pelos dois grupos envolvidos na polêmica: os cientistas, favoráveis à experimentação animal, e os protecionistas, que entendem que essa utilização é cruel e desnecessária.  O pesquisador deixou clara a sua posição favorável ao uso de animais na pesquisa, explicando que é indispensável para o avanço da proteção ao ser humano. “Se não houvesse experimentação animal nunca teria sido possível o transplante de traquéia que ocorreu na Espanha”, exemplificou. Para ele, no entanto, as diferentes visões trouxeram ganhos inegáveis. “O cientista muitas vezes não admite limites”, disse, referindo-se ao uso inadequado desse tipo de recurso.



O pesquisador mencionou sua experiência na implementação da Comissão de Ética da Fiocruz, que coordenou por quatro anos. “Ao contrário do que muitos acham, as Ceuas não estão aí para atender aos interesses desse ou daquele grupo”, afirmou, negando as acusações feitas pelos protecionistas de que as Comissões servem a empresas privadas que passariam por cima dos direitos animais para lucrar. “Ao contrário. A Ceua Fiocruz prega que o pesquisador é responsável pelo bom uso do animal e pune quem faz experimentações desnecessárias”, garantiu.



Márcia Chame falou sobre a ética em trabalhos de campo, mostrando como a falta de planejamento de uma pesquisa pode contribuir para o desperdício e o desrespeito à vida animal. “É muito importante que, ao ir a campo, o cientista racionalize suas ações”, disse ela, completando: “E acima de tudo, se não houver um aspecto inovador na pesquisa, ir a campo já constitui um desperdício”. De acordo com Márcia, avaliar a metodologia, acompanhar de maneira adequada as capturas e armadilhas, manusear os animais o menor tempo possível, dentre outras, são ações que apontam um bom ou mal planejamento. “Toda a equipe tem que saber exatamente o que quer, onde achar, de que maneira fazê-lo e por aí vai. É um trabalho exaustivo que demanda preparo”, explicou.



Para a pesquisadora, a tecnologia é uma grande aliada na busca por uma pesquisa mais resolutiva. “Nas capturas, muitas vezes a marcação feita compromete a re-inserção do animal em seu habitat”, criticou, citando uma técnica na qual os cientistas quebram os artelhos (dedos) de animais como rãs e sapos, por exemplo, para identificá-los. “Isso não é necessário. A observação das características do indivíduo animal ou o uso da nanotecnologia dão conta disso de uma maneira muito menos cruel”, afirmou.



Octavio Pesgrave mostrou um breve panorama da história da luta pelos direitos animais, que, segundo o cientista, começou ainda no século XVIII, na Inglaterra, onde foram instituídos o primeiro código de ética e a primeira sociedade de proteção aos animais, culminando, hoje, na busca por modelos alternativos de experimentação, que prescindam do uso de animais.



Também falou sobre o ‘mito’ de que atualmente não se utilize mais experimentação animal na União Européia, mostrando dados que apontam que o percentual de utilização nessa região se mantém homogêneo de 1996 até hoje, na faixa dos 12 milhões. “Ainda não existe perspectiva de substituição em várias áreas, como, por exemplo, em experimentos que verificam a toxicidade aguda, sensibilização cutânea, alergia por raios ultra-violeta. E eu acrescentaria também estudos de dor e aprendizagem”, afirmou ele.



Pesgrave propôs o caminho do equilíbrio: “O pesquisador não pode se colocar em um pedestal, dizendo que porque sempre usou animais vai continuar a usar. Também não adianta os protecionistas radicalizarem. É necessário encontrar um denominador comum entre o bem-estar animal e a segurança da população”.



Atual coordenadora da Ceua Fiocruz, Norma Labarthe tratou sobre a experimentação animal no contexto da Lei Arouca. Para ela, a lei ainda tem muito o que avançar: “Da proposta original do Sergio Arouca, feita em 1995, restou pouquíssima coisa. E uma das mudanças mais prejudiciais diz respeito à criação de um organismo totalmente político que será responsável por controlar o uso de animais no Brasil inteiro – o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), composto pelos ministérios da Ciência e Tecnologia, Educação, Meio Ambiente, Saúde, dentre outros”.



Um dos pontos mais controversos da lei, segundo ela, é a exigência de haver representações de sociedades protetoras dos animais tanto no Concea quanto nas Ceuas. “Eu não sei quais serão os critérios para definir uma sociedade protetora. E é sabido que as organizações mais atuantes em direitos animais não expressam nenhum interesse em fazer parte dessas Comissões, pois rejeitam a lei como um todo e pretendem boicotá-la. Isso deve ser melhor definido, senão vai haver confusão”, afirmou Norma.



Para Marco Aurélio, pode haver problemas também quanto ao sigilo. “Quem nunca esteve em uma Ceua não sabe dimensionar as dificuldades que essa exigência irá trazer. Será que os processos que tramitarão de agora em diante serão sigilosos? O que pode acontecer se informações de pesquisa forem repassadas irresponsavelmente?”, questionou, afirmando ser necessário que todos na Comissão tenham o mínimo conhecimento técnico e responsabilidade.



Todos os convidados concordaram sobre a necessidade de regulamentar melhor a lei. “A Fiocruz precisa se posicionar institucionalmente e desempenhar um papel pró-ativo na proposição de uma regulamentação séria para essa lei”, defendeu Márcia.