Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Ex-aluno da EPSJV leva luta quilombola para o carnaval carioca

Guilherme Estevão é carnavalesco da Império da Tijuca, escola da Série Ouro do Rio de Janeiro. Enredo homenageou escola de samba da década de 70 e fez referência à resistência negra e à luta dos quilombolas, três dias depois de relatório anual sobre conflitos no campo no Brasil ser divulgado
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 27/04/2022 09h55 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

Críticas às mazelas sociais são comuns nos enredos de Carnaval. O tom de protesto e indignação costuma estar presente nos sambas da folia. Em 2022, não foi diferente. No dia 21 de abril, a Império da Tijuca cantou: “Sou da arte negra sentinela, um quilombo em cada favela contra toda forma de opressão. Sou a poesia sem mordaça, tambores em dia de graça, heróis e heroínas da abolição. Sou o canto forte de Palmares a vibrar pela cidade, um grito sufocado a resistir. Inspiro a verdadeira liberdade. Valeu, Zumbi...”. O trecho retirado do samba-enredo “Samba de Quilombo – A Resistência pela Raiz” entoou na avenida e movimentou a Marquês de Sapucaí. Por trás do desfile da Império, um ex-estudante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o jovem carnavalesco Guilherme Estevão.

O samba homenageou a escola de samba Quilombo, criada na década de 1970 por compositores e baluartes do samba, como Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e tantos outros. Segundo Guilherme, o Quilombo era um bloco de carnaval chamado Quilombo dos Palmares e os fundadores tinham como grande referência a resistência negra e a luta dos quilombolas da época de Palmares. “Diferentemente de todas as outras, a Quilombo era um manifesto negro em forma de escola de samba, com objetivo de ser um espaço de exaltação da cultura afro-brasileira e de construção e reflexão política do papel do negro no Brasil”, conta o jovem.

Três dias antes do desfile da Série Ouro do carnaval carioca, o relatório anual “Conflitos no Campo Brasil 2021”, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), já voltava as atenções para o tema. Dados alarmantes apontaram que os quilombolas são as principais vítimas de humilhação no campo. Se nos homens quilombolas a humilhação representa 25% das violências sofridas, para as mulheres ela constitui 40%. Com um agravante: 21,13% das violências sofridas por elas de 2011 a 2021 foram estupros. Dos 1.768 conflitos no campo, considerando as disputas por terras, conflitos por água e trabalhistas, as categorias que mais sofreram foram indígenas (317 casos) e quilombolas (210 casos). Foram 35 assassinatos em 2021, um aumento de 75% em relação a 2019, quando 20 pessoas perderam a vida nesses conflitos.

Para Guilherme, existe muito desrespeito à identidade e aos direitos dos quilombolas no Brasil e evidenciar os princípios e ideais do Quilombismo é importante para fomentar essa discussão. “Precisamos mostrar toda essa negligência, sobretudo, governamental, que o país tem sofrido, buscando um melhor cenário”, acredita.

Estudante da EPSJV/Fiocruz de 2009 a 2011, o jovem conta que a passagem pela Escola fez diferença na sua formação como carnavalesco. “A Escola Politécnica foi essencial na minha construção como cidadão político, porque sempre teve essa preocupação para além da questão acadêmica e do ensino técnico em si. A política pedagógica da EPSJV sempre teve, no centro, a valorização da arte e o meu campo artístico foi muito ampliado a partir das práticas de ensino”, conclui.